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    Manifestantes marcham contra o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo nesta quinta-feira, em protesto que seguiu até o Brás, na Zona Leste da cidade FOTO: JULIANA DEODORO

calor das ruas

Ainda são só vinte centavos

Na largada do ano que considera “mais propício” para repetir 2013, Movimento Passe Livre reúne poucos milhares em São Paulo, protesta em bairro fora do centro e fica à margem das discussões eleitorais

Juliana Deodoro | 12 jan 2018_17h01
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Na quarta-feira, 10 de janeiro, um dia antes do primeiro protesto do Movimento Passe Livre em 2018, Diego Soares Thiago, integrante do grupo e uma das figuras públicas escolhidas para conversar com a imprensa, mostrava otimismo em relação à proporção que a manifestação poderia tomar. “Esse é o ano mais propício para acontecer algo grande. É a nossa maior chance desde 2013”, disse. Cinco anos atrás, o MPL se tornou conhecido nacionalmente ao protestar contra o aumento no preço da tarifa de ônibus. Chegou a reunir 110 mil pessoas em São Paulo, em um dos protestos de junho daquele ano, nas regiões das avenidas Paulista e Faria Lima. O preço das passagens foi congelado, e a presidente Dilma Rousseff se reuniu com os integrantes do grupo. Durante algumas semanas, o MPL foi alçado ao centro do debate público no país.

Às quatro e meia da tarde desta quinta-feira, 11 de janeiro, pouco antes do horário marcado para o protesto, os indícios eram contrários à expectativa confiante do porta-voz do Passe Livre. Uma chuva pesada de verão caía no centro de São Paulo e os poucos manifestantes se espremiam debaixo de uma marquise, perto do Teatro Municipal. A Fanfarra do M.A.L., banda que acompanha o MPL desde 2013, tocava músicas dos protestos, e uma faixa com a frase “4 reais não dá” foi colocada na grade que cercava o teatro. Parecia que a manifestação não vingaria. Quando a chuva deu trégua, os organizadores anunciaram em jogral que marchariam até o Brás, na Zona Leste da capital paulista, e a pequena multidão, formada principalmente por jovens que não pareciam ter mais de 18 anos, entoava gritos do MPL que ficaram conhecidos há cinco anos, como “Quem não pula quer tarifa” e “Vem pra rua, vem, contra o aumento”.

Na largada das ações do grupo em ano eleitoral, o Passe Livre manteve a orientação que levou o movimento a perder espaço nas discussões sobre o país. De política partidária – ou de qualquer assunto não ligado à redução da tarifa – não se falava. Apesar de não proibir faixas de partidos ou organizações políticas, quase não havia manifestações desse tipo. Nem mesmo os “Fora Temer”, comuns em protestos de esquerda. O MPL opta por não comentar os assuntos que vão mobilizar o país em 2018, das eleições presidenciais ao julgamento do ex-presidente Lula.

Pouco antes do início da marcha, um homem se colocou entre os manifestantes e a imprensa e começou a gritar, repetidamente: “Luiz Inácio Lula da Silva”. De imediato, os integrantes do MPL tentaram demovê-lo do protesto. Depois de alguns agarrões na camisa, ele foi deixado de lado, mas não acompanhou a multidão. A ideia ali não era falar de quadros políticos. Em ano que já começa polarizado, o MPL acredita que pode reeditar 2013 apenas com a pauta programática que o lançou.

Desde sua criação, em 2005, o Passe Livre procura se esquivar da política partidária. Retirou-se das ruas mesmo depois de seus atos de maior sucesso. Hoje encontra dificuldades de mobilização. Cerca de 5 000 pessoas participaram do protesto desta quinta-feira (na estimativa do MPL), ou 1 000 pessoas (segundo a PM de São Paulo). São frações do que se viu nos atos de 17 de junho de 2013, pela revogação do aumento, com a presença de 70 mil pessoas; e de 20 de junho de 2013, quando 110 mil pessoas pararam a região central de São Paulo depois do congelamento das tarifas, uma vitória do grupo.

De lá para cá, o MPL não participou de atos que mobilizaram as grandes cidades do país, como a crise hídrica em São Paulo ou o impeachment de Dilma Rousseff. O grupo convocou atos em 2015 e 2016 quando as tarifas foram reajustadas novamente – em São Paulo, depois do congelamento, voltou a subir, primeiro para 3,50 reais, e depois para 3,80 reais – e alguns de seus integrantes estiveram presentes nos movimentos de ocupação das escolas secundárias. Mas seu impacto foi ficando menor. No ano passado, fizeram um só protesto em São Paulo, em janeiro, contra aumento na tarifa de integração, do qual participaram cerca de 800 pessoas.

Nesse meio tempo, organizações como o Vem Pra Rua e o Movimento Brasil Livre, o MBL, capturaram não apenas a insatisfação popular, mas também o próprio nome – e a “marca” – do MPL, além de seu principal grito (“vem pra rua” é um dos hinos do movimento). Em um gráfico das buscas pelos termos no Google (em uma proporção ao total de procuras no agregador), nota-se um impressionante pico de interesse pelo MPL nas manifestações de junho de 2013. No entanto, a procura vai praticamente sumindo ao longo dos cinco anos seguintes. Há pequenos momentos de interesse em janeiro de 2015 e em janeiro de 2016, quando houve outros protestos pela redução da tarifa – ainda assim, não chega a um décimo do que houve em 2013. Em janeiro de 2017, no protesto do ano passado, porém, já não houve aumento no número de buscas. E os resultados para o MPL, hoje, continuam próximos do “traço”.

Já o MBL aparece em 2015 e, embora nunca tenha atingido um pico como o do Passe Livre, mantém maior constância no interesse nas buscas. A partir de março de 2015, o MBL começa a superar o Passe Livre nas buscas na rede. Picos são notados em outubro de 2016, quando o grupo tentou desocupar uma escola no Paraná, e em setembro de 2017, quando a exposição Queermuseu, organizada pelo Santander Cultural em Porto Alegre, foi cancelada depois de uma enxurrada de protestos na internet convocados pelo MBL. Mesmo sem atingir a metade da popularidade do Passe Livre em 2013, já do início de 2015 em diante, enquanto o MPL praticamente desaparece, o MBL garantiu o interesse pelo grupo na internet.

 

Ocontraste das buscas na internet com um grupo de nome semelhante e que surgiu depois dá a dimensão da perda de espaço do MPL no país. “Enquanto os movimentos à direita conseguiram ganhar organicidade, se estruturar, se institucionalizar, promover ensaios de migração para as legendas partidárias, os movimentos horizontais ficaram mais descolados do vigor das ruas”, afirmou Eugênio Bucci, professor do Departamento de Jornalismo da ECA, da USP, e autor do livro A Forma Bruta dos Protestos: das Manifestações de Junho de 2013 à Queda de Dilma Rousseff em 2016.

A integração dos chamados movimentos de direita com a política institucional se concretizou nas eleições de 2016, quando o MBL elegeu sete vereadores e um prefeito. O MPL, enquanto isso, passou por um processo de pulverização e, atualmente, tenta reconstruir sua pauta. “A via eleitoral não é a nossa tática em relação à política. Não acreditamos que a transformação da cidade se dará desta maneira. A mudança acontece com a pressão das ruas”, afirmou Diego Soares, de 28 anos, que trabalha como garçom.

No protesto desta quinta-feira, os alvos principais foram o prefeito João Doria, o governador Geraldo Alckmin – pelo aumento proposto para a tarifa, novamente de 20 centavos, de 3,80 reais para 4 reais – e a Polícia Militar. “O transporte é uma pauta central e perpassa a vida de muita gente. É muito maior que a disputa de direita-esquerda. Nós ainda existimos, lutamos por transporte e queremos construir uma discussão independente”, afirmou Sofia Sales, 20 anos, estudante de pedagogia da Universidade de São Paulo e integrante do MPL.

Na análise da socióloga Esther Solano, doutora em Ciências Sociais e professora da Universidade Federal de São Paulo, apesar de a mobilidade urbana ser uma pauta fundamental, algo importante separa 2013 de 2018: as eleições presidenciais, segundo ela, farão com que o debate político se torne refém da polarização e questões mais diretas como o transporte vão se perder. “A insatisfação ainda é muito grande, mas os canais clássicos de mobilização se esfacelaram e o sentimento antipolítico cresceu. Há um esgotamento e cansaço coletivo social. Todos perderam capacidade de mobilização.”

Os integrantes do MPL enumeram razões pelas quais protestos este ano podem arregimentar a população: “O salário mínimo teve o menor reajuste em anos, o trabalho informal cresceu e as pessoas não têm mais vale-transporte. Há uma energia de revolta”, diz Francisco Bueno, de 21 anos, estudante de Geografia da Universidade de São Paulo.

Entre os dias 10 e 18 de janeiro, o MPL convocou atos em dezesseis cidades, incluindo Florianópolis, onde a passagem foi para 4,20 reais e Goiânia, que aprovou reajuste para 4,05 reais. Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba, capital com a passagem mais cara do país (4,25 reais), não vão reajustar a tarifa neste ano. Protestos em sequência, dizem, é a mesma tática que usaram em 2013.

Na manifestação desta quinta-feira, em vez de seguir para regiões centrais e de mais visibilidade na capital paulista, o Passe Livre decidiu orientar a manifestação para o Brás, na Zona Leste da cidade. O objetivo, segundo os integrantes, era ir ao encontro dos trabalhadores da região e convocá-los para as manifestações. Quando chegaram a uma das principais vias do bairro, a avenida Rangel Pestana, porém, as lojas estavam fechadas e as ruas, desertas.

No caminho até lá, passaram na frente do Terminal Parque D. Pedro II, um dos locais emblemáticos de 2013. Uma integrante do MPL, responsável pela comunicação com a PM ao longo do ato, argumentou com o major que estava ao seu lado e que se opunha ao trajeto: “Eu sei que vocês acham que a gente vai invadir e quebrar tudo, mas não vai acontecer. Já superamos isso.” Apesar da tensão iminente, nada ocorreu. Três horas depois do início, o ato foi encerrado no Largo da Concórdia, no mesmo bairro. Manifestantes batucavam e comemoravam o feito. As portas da estação Brás estavam fechadas e a multidão pressionou para entrar no local. A Polícia Militar respondeu com balas de efeito moral e dispersou, como de costume, os manifestantes pelo bairro. Isso não mudou.

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