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    Lurian (terceira da esq. para a dir.) durante a posse em Maricá. Depois do congresso que elegeu Gleisi Hoffmann como a nova Presidente do PT, em Brasília, ela foi com o pai para um restaurante: “Ele chegou de surpresa e você não tem ideia da emoção. Teve uma garçonete que até desmaiou.” FOTO: SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES DE MARICÁ

questões político-familiares

“Meu pai não vai ser preso”

Sob a sombra de uma iminente condenação do pai, a primogênita de Lula, Lurian Cordeiro da Silva, assume cargo em diretório do PT fluminense para reforçar o único reduto eleitoral do partido no estado

Paula Scarpin | 07 jun 2017_16h17
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Por volta das oito horas da noite de ontem, terça-feira, o salão do Rotary Club de Maricá – entre Niterói e a Região dos Lagos, no Rio de Janeiro –, que costuma ser decorado em tons de rosa para as festas das debutantes da cidade, estava tomado de vermelho escarlate. Cadeiras de acrílico transparente enchiam o ambiente e bandeiras do Partido dos Trabalhadores cobriam uma mesa comprida, que fazia as vezes de púlpito, no evento que movimentou a rotina política da cidade.

Vestida com uma camiseta regata preta e minissaia cinza, Lurian Cordeiro da Silva, filha primogênita do ex-presidente Lula, sorria para cada um dos correligionários que discursava enaltecendo sua presença e emendando máximas como “Fora,Temer” e “Lula 2018”. O clima era de festa, mas o ambiente era de assembleia partidária. Antes de passar-lhe finalmente a palavra, o apresentador puxou um coro de “Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula”, e anunciou em tom solene: “Maricá é um município abençoado por agora ter na presidência do nosso PT a filha do nosso eterno presidente Lula.” Os mais de 200 presentes aplaudiram em uníssono. Ela tomou o microfone, agradeceu e falou como política profissional usando frases como “o nosso sonho é o pesadelo da direita”, e “eu vim para Maricá com muita sede de construir”. Em um certo momento, disse: “Acho que é uma coisa genética, não é?”

Quando se fez um coro em homenagem a militantes que morreram recentemente, foi Lurian quem puxou a frase “Marisa Letícia, presente!”, sendo ovacionada em seguida. Vítima de um AVC, a segunda mulher de Lula e madrasta de Lurian morreu em fevereiro. O ex-presidente está processando a revista Veja, que estampou na capa uma reportagem defendendo que, para se livrar das acusações de que teria ganho da construtora OAS um tríplex no Guarujá, Lula teria jogado a culpa na conta da mulher morta durante seu depoimento ao juiz Sérgio Moro.

Ao final dos discursos, já como a nova presidente do PT de Maricá, Lurian atendeu aos pedidos de selfies e fotos em grupo por mais de uma hora. Uma bandeira do partido, fixada com fita crepe, já despencava da parede quando ela resolveu atender aos apelos da filha e voltar para casa. “Desde que eu virei avó, não tem mais essa de vale night”, despediu-se com o bebê no colo.

Na véspera, havíamos almoçado no seu restaurante preferido em Maricá: um quiosque em frente a uma das lagoas da cidade, cujo carro-chefe é o pastelzinho de camarão. “Vamos dividir um prato? Eu fiz cirurgia bariátrica, não aguento comer muito”, propôs. Em seguida explicou: “Tive um problema seriíssimo de tireoide por causa de abuso de cortisona em remédio para o nariz. Cheguei a engordar oito quilos em uma semana, você acredita?” Além de mais magra, Lurian parece mais jovial e bronzeada do que nas fotos disponíveis no Google. “Outro dia fiz um teste no Facebook e deu que eu tenho 26 anos. Para uma vovó de 42, tá bom, né?”, afirmou numa gargalhada.

Exalando bom humor ainda que a situação política do pai esteja envolta em nuvens negras, Lurian contou que Lula havia ficado feliz quando soube que ela fora indicada para mandar no diretório de Maricá. “Se é isso o que você quer…”, ele disse à filha antes de advertir que seria preciso “arregaçar as mangas”. Ela tomou um gole de Coca-Cola e esclareceu o conselho. “A gente está numa situação de muita vulnerabilidade. Então tem que colocar na frente do partido aqueles que vão segurar a onda mesmo. Tem que ter gente nossa”, disse, pontuando a explicação com leves socos na mesa.

Por “gente nossa”, Lurian não se referia à família em si, mas aos militantes de longa data. Hoje, ela é a única dos filhos do ex-presidente a se engajar na agenda do partido. “O Marcos [Cláudio, filho de Marisa Letícia, adotado por Lula] chegou a ser vereador em São Bernardo, mas não se reelegeu”, disse. Ela disse não gostar do título de “herdeira política” de Lula, porque diz que nunca ambicionou um cargo no Executivo. “Meu negócio é a base, articulação. Faço política desde criança”, disse. E enumerou: com onze, primeira candidatura de Eduardo Suplicy à Prefeitura de São Paulo, ela distribuía santinhos na escola. Com doze, propagandeava a constituinte. “Tem filho de político que pega asco da política, não é? Mas acho que é porque eles sentem que a política roubou o pai deles. Pra mim, nunca faltou atenção.”

Os pasteizinhos chegaram e a conversa continuou. Estava claro que Lurian evitava comentar o pesadelo político no qual o pai está mergulhado. Ainda que aparecesse na frente das pesquisas eleitorais como favorito ao Planalto em 2018, o ex-presidente vive à sombra de uma condenação no processo da Lava Jato – em que já é réu em cinco processos –, o que pode impedi-lo de se candidatar e, eventualmente, levá-lo para trás das grades. Ela disse acreditar que ele não será preso. “Primeiro que eu confio nele. Depois, ele tá muito bem assessorado.”

Ela preferia falar sobre como Lula ainda era admirado pela população. Contou que, na semana anterior, estava com o pai no congresso que elegeu Gleisi Hoffmann como a nova presidente do partido. Na hora do almoço, reuniram-se no restaurante da Tia Zélia, reduto dos petistas locais. “Ele chegou de surpresa e você não tem ideia da emoção. Teve uma garçonete que até desmaiou”, contou Lurian. “Ele tem uma energia que é inacreditável.” Perguntei como eles tinham reagido à notícia, publicada no portal G1 no final de semana, que dizia que o Ministério Público Federal pedira a prisão de Lula. “Eu não leio nada da Globo, só soube porque o Cristiano [Zanin, um dos advogados de Lula] fez um vídeo no Facebook contando que não fazia sentido.”

Na única vez que ela arriscou a tratar das consequências das investigações da Lava Jato, comentou a falta de proporcionalidade na punição de políticos que faziam oposição a seu pai. Sem citar o nome do senador tucano Aécio Neves, ela produziu um diálogo consigo mesma para ilustrar sua indignação. “Compra o apê da minha mãe de 40 milhões”, disse em alusão à proposta da empresária Andrea Neves, irmã do senador afastado. De acordo com o Ministério Público Federal, ela pediu 40 milhões de reais ao dono da JBS, Joesley Batista, “para comprar um apartamento” da família no Rio de Janeiro. A revelação foi feita pelo próprio empresário à Justiça. “Oi? Como é que é? Nada acontece? Todo dia é um áudio novo deles. E não é como o áudio do meu pai com a Dilma, que não tem nada que incrimine”, emendou Lurian. Em seguida, ela contou também ter sido grampeada pela Polícia Federal, que divulgou os áudios: “Só ficaram zoando porque eu chamo meu pai de gato. É crime? Aposto que a filha do cara que divulgou só chama ele de barango”, observou.

O mutismo de Lurian sobre a vida dos Silva depois da Lava Jato me levou a falar com ela mais uma vez, dois dias depois de nosso almoço, por telefone. “Disso eu não tenho nada para falar. Tô tranquila aqui em Maricá e quando teve a coercitiva nem vieram na minha casa porque eu não tenho nada a ver com isso”, afirmou se referindo ao dia em que o pai foi levado para prestar depoimento, que ocorreu no aeroporto de Congonhas. A polícia cumpriu mandado de busca e apreensão na casa de todos os meios-irmãos de Lurian. De uma das residências, levaram até iPads dos netos do ex-presidente. “Se tivessem pego o do meu filho, eu ia partir para cima”, disse Lurian. Ela estava visivelmente contrariada em falar do assunto. “E se você quiser falar de Lava Jato, liga pro Chrispiniano, eu tô fora”, encerrou a conversa citando o assessor de imprensa do Instituto Lula, em São Paulo.

 

Filha de um relacionamento fugaz de Lula com Miriam Cordeiro – que nas eleições de 1989 foi usada por Fernando Collor de Mello para atacar o petista durante a campanha –, Lurian sempre teve um bom relacionamento com o pai. Quando ele se casou com Marisa Letícia, ela foi incorporada à nova família e sempre se mantiveram próximos ainda que a mãe tivesse ciúmes. “A Marisa sempre foi ótima para mim”, lembrou. O estrago do depoimento da mãe de Lurian na primeira campanha de Lula à presidência até hoje é lembrado. Na época, ela disse que Lula havia lhe oferecido dinheiro para abortar a filha. Lurian já tinha então 15 anos e, apoiada pela avó e pela tia que a criavam – ambas militantes petistas – não pestanejou e tomou partido do pai. “Na minha certidão está escrito: ‘foi declarante o pai’. Acabou”, disse, dando um murrinho na mesa. Depois de um segundo de silêncio, caiu sozinha na gargalhada, como se tivesse se lembrando de algo. “Você viu aquele vídeo absurdo? Eu não parecia um poodlezinho com aquele cabelo?” Argumentei que os cortes anos 80 estão de volta, e ela, passando as mãos nos cabelos alisados, disse: “Deus me livre.” E continuou: “Eu, na rebeldia de adolescente, queria falar, né? Defender ele. Mas ele não deixou. Preferiu me preservar.”

Lurian nunca chegou a morar com o pai, mas diz que é raro o dia em que eles não se falam. Quando perguntei se ela falava com a mãe com a mesma frequência, ela disse que nem tanto – mas logo ficou ressabiada com o rumo da conversa: “Eu só falo mais com o meu pai porque além do papo de pai e filha, a gente tem muito assunto do partido. Não é que eu esteja rompida com a minha mãe, hein, pelo amor de Deus! Isso faz muito tempo!”

Depois da exposição involuntária, Lurian fugiu dos holofotes. Ficou um ano sem falar com a mãe – “mas depois perdoei, mãe é mãe, não é?” – e chegou a ficar fora do país até a poeira baixar. A militante petista e herdeira da Construtora Andrade Gutierrez, Marília Andrade, convidou-a para passar um ano em sua casa em Paris. “Já nessa época inventavam que eu estava ganhando mesada de empreiteira”, disse em tom de revolta.  “Mas nada a ver, eu trabalhava de babá pra comprar minhas coisinhas”, disse. “E pra mim foi ótimo, aprendi francês, estudei no Lycée Molière.”

Ao fim de um ano na França, Lurian voltou para a casa da avó materna, Beatriz, em São Bernardo do Campo. Em 1996, ela se aventurou na política e saiu candidata à vereadora por São Bernardo do Campo. Teve apenas 1 598 votos. Logo em seguida, engravidou. Conseguiu se formar em jornalismo, mas disse nunca ter conseguido espaço na grande imprensa por ser filha do Lula. Ela gosta de contar que seus primeiros empregos relacionados à política não tinham qualquer vínculo com o PT.

Passou um tempo afastada da vida pública e, em 2008, foi convidada para trabalhar na Secretaria de Desenvolvimento Social, na cidade de São José, em Santa Catarina. “O prefeito era do PSB. Precisei até me licenciar para trabalhar lá.” Três anos mais tarde, ela voltou a São Paulo para trabalhar com Gabriel Chalita, então recém-filiado ao PMDB e eleito deputado federal. “A gente se conheceu na [Igreja] Canção Nova, ele é um irmão para mim”, disse. A parceria foi desfeita no final de 2011, quando ele decidiu concorrer à Prefeitura de São Paulo no ano seguinte. “Meu sonho era uma chapa Chalita-Haddad, mas não teve jeito. Preferi não me envolver.”

Ainda que não estivesse na vida política, a política a rodeava por todos os lados. E foi num congresso do PT em Brasília, em janeiro de 2012, que ela foi apresentada ao então prefeito de Maricá, Washington Siqueira, o “Quaquá”. Naquele momento, o estado do Rio de Janeiro vivia o pico de arrecadação dos royalties do petróleo, e Maricá era a cidade mais beneficiada do estado. Quaquá tinha grande aprovação do eleitorado, e sua reeleição era dada como certa. Durante o evento, ele convidou a filha de Lula para passar o Carnaval na cidade. “Aí, primeiro eu desfilei na Gaviões, no Rio, que homenageou meu pai naquele ano, depois eu vim pra cá. E não quis mais voltar”, disse, em tom de troça.

Foi quando arrumou seu primeiro emprego como jornalista na revista Maricá Já, de propriedade da mulher de Quaquá, Rosangela Zeidan, na qual escrevia sobre “cultura e sociedade”. Daí até estreitar os laços com a política local não demorou muito. “Eu tenho uma qualidade de vida aqui, que é uma questão de relações. O PT tem uns 3 mil filiados, eu acho que me relaciono com pelo menos 2 500”, gabou-se. Foi em Maricá também onde Lurian conheceu o novo “namorido”, como ela define: o ex-secretário do município Amilcar Junior. Seus filhos adoraram a mudança de cidade – além de Maria Beatriz, de 21 anos, ela tem João Gabriel, de 12.

Quando perguntei a Quaquá como ele havia convencido a filha de Lula a se mudar para Maricá, ele foi capcioso: “Quem não ia querer morar em Maricá?” Parecia querer revidar às críticas do ex-prefeito carioca Eduardo Paes, que em conversa com Lula – grampeada pela Lava Jato – chamava a cidade de “uma merda de lugar”. Hoje presidente do PT estadual, Quaquá disse que sua maior missão é conseguir dissociar o partido do PMDB.

Ao falar sobre a competência dela à frente da política partidária local, ele foi enfático. “Eu a conheço da militância, ela tem vocação”, disse. “O fato de ser filha do Lula, claro que isso tem um peso simbólico importante, mas ela tem experiência administrativa, já tocou uma secretaria em Santa Catarina, trabalhou com o Chalita em São Paulo.”

 

Quando assumiu a Prefeitura em 2008, Quaquá e seu sucessor – Fabiano Horta, atualmente o único prefeito petista do estado – transformaram Maricá numa bolha de resistência esquerdista, coalhando a cidade de pequenas homenagens mais ou menos sutis. Há o Cinema Henfil, a moeda eletrônica Mumbuca (inspirada na renda básica de Eduardo Suplicy), o Hospital Ernesto Che Guevara (ainda em construção), e os ônibus municipais sem tarifa (os “vermelhinhos”, ou EPT, de Empresa Pública de Transporte).  “A gente não sabe o que incomoda mais a oposição, se é chamar o ônibus de ‘É PT’ ou vermelhinho”, comentou Lurian, irônica.

Entusiasta dos projetos, ela disse fazer questão de fazer um boca a boca sempre que pode. “Na fila do banco, no supermercado, aproveito para elogiar a Prefeitura. Isso é trabalho de base”, disse. Segundo ela, não é tarefa difícil: “O povo aqui ama o Quaquá que nem o povo do rio São Francisco ama o meu pai”, comparou. A relação da cidade com o ex-prefeito parece um arremedo da relação dos brasileiros com Lula. Se, para muitos, a paixão beira o endeusamento, a rejeição também não é pequena.

Uma das mais combativas opositoras à bolha maricaense é Edna Costa, moderadora do grupo de discussão “Chega de PT e acéfalos em Maricá” no Facebook. Aposentada e estudante de direito, ela argumenta, por exemplo, que os vermelhinhos só vieram para falir as empresas de ônibus, mas são insuficientes, e muitos bairros estão desassistidos. O ódio respinga em Lurian: “Claro que a filha do Lula veio para cá. Aqui virou o único reduto do PT, eles vêm viver dos cofres públicos. Agem como gafanhotos”, disse-me, por telefone.

Observadores da vida maricaense costumam dizer que Maricá é quase uma réplica do governo Lula. Se Fabiano Horta é a Dilma de Quaquá, sua “Belo Monte” é o Porto de Jaconé, que ele pretende construir desde o primeiro mandato. Uma de suas opositoras mais ferrenhas hoje é a antiga aliada Flávia Lanari, diretora da ONG Apalma, que trabalha no embargo das obras do porto e dos resorts cujos projetos a administração tenta licenciar. “A cidade não tem água nem para abastecer os seus habitantes e ele quer destruir ainda mais”, disse ela, que foi uma das fundadoras do PT na cidade e hoje está sem partido. “Eles agem em feudos, você pode notar.” Como joia da coroa, Lurian desembarcou na pacata Maricá para abrilhantar a monarquia.

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