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    Arthur Soares, o discreto obsessivo. Quando Sérgio Cabral foi eleito governador, ligou para agradecê-lo: “Parabéns, essa vitória também é sua!”

questões olímpicas

O Rei Arthur

Intocado pela Lava Jato, brasileiro acusado de comprar votos para eleger o Rio sede da Olimpíada vive exílio de luxo em Miami

Malu Gaspar e Emily L. Mahoney | 17 ago 2017_08h59
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No dia em que foi eleito governador do Rio de Janeiro pela primeira vez, em outubro de 2006, Sérgio Cabral Filho comemorou com uma festa para 4 000 pessoas em uma quadra de escola de samba. Deu entrevista coletiva pregando a união das forças políticas do estado, posou para fotos abraçado à mulher e ao vice, Luiz Fernando Pezão, e foi dormir consagrado depois de uma campanha extenuante.

Em meio à euforia, Cabral não poderia deixar de agradecer a alguém que considerava essencial para a vitória, mas que estava a milhares de quilômetros de distância – mais especificamente em Las Vegas. A ligação chegou quando o empresário Arthur Cesar de Menezes Soares Filho passeava pelo Las Vegas Boulevard, e fez o final de tarde do empresário e amigo do recém-eleito governador ficar ainda mais agradável. “Parabéns, essa vitória também é sua!”, teria dito Cabral, segundo Soares relatou, orgulhoso, aos companheiros de viagem. Cabral estava certo.

Embora os eleitores não soubessem, a escolha do governador para o cargo máximo de comando no Rio entronizava também Soares – um homem descrito pelos poucos interlocutores que concordaram em conversar com a piauí nos últimos dois meses –, de porte médio, quase baixinho, de fala mansa e muito bem-educado.

Dono de um grupo de empresas de prestação de serviços para governos, o empresário já tinha se tornado grande nas gestões de Anthony e Rosinha Garotinho. Mas, nos dez anos de bonança de Cabral, Pezão e companhia, tornou-se imbatível. Não só abocanhou a maior parte dos contratos de prestação de serviços no Rio, como passou a controlar – informalmente – todas as contratações, escolhendo na surdina quem entrava e saía do rol de fornecedores do estado. Em pouco tempo, seu apelido faria juz à sua fama: Soares passou a ser chamado de “Rei Arthur”.

Mesmo tendo status de comandante das operações do grupo de Cabral – que renderam ao ex-governador milhões de reais e anos de cadeia –, Soares segue intocado pela Lava Jato. Mas os mesmos vínculos que tornaram o Rei Arthur um dos mais poderosos empresários do Rio de Janeiro ameaçam fazer dele um troféu nas mãos do ramo fluminense da operação. Em sigilo, os procuradores recolhem evidências de que o caminho de Soares até o topo foi regado a propinas, e esperam ansiosos pela chegada ao Brasil das provas recolhidas por seus colegas franceses, em uma investigação de corrupção na escolha do Rio para a sede da Olimpíada.

Em março, o jornal francês Le Monde publicou que Soares pagou 1,5 milhão de dólares a Papa Massata, filho do presidente da Associação Internacional das Federações de Atletismo, Lamine Diack, usando a conta de uma offshore – a Matlock Capital Group – sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, para comprar seu voto. O depósito ocorreu apenas três dias antes da votação que consagrou a vitória do Rio para sediar os Jogos, acontecida em 2 de outubro de 2009, em Copenhague. Mais 500 mil dólares teriam sido depositados em contas de Diack depois da escolha, como uma espécie de bonificação por resultados: o Rio derrotou Madri por 66 votos a 32.

Diack, por sua vez, teria repassado 300 mil dólares ao ex-atleta da Namíbia Frankie Fredericks, também membro do Comitê Olímpico Internacional, o COI, no dia da votação. No início do ano, em uma proposta de delação premiada entregue por Sérgio Cabral ao Ministério Público, o ex-governador prometeu contar de que forma foi tomada a decisão de pagar a propina aos membros do COI. Segundo o resumo fornecido ao Ministério Público, Cabral, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-prefeito Eduardo Paes teriam pedido – em uma reunião naquele mesmo ano de 2009 – a Soares que ele fizesse os pagamentos.

 

Arthur Soares sumiu do Brasil em abril, quando sentiu os ventos da Lava Jato soprando com mais força. No registro de entradas e saídas mantido pela Polícia Federal, consta que foi naquele mês a última passagem dele em um aeroporto brasileiro. Depois de rastrear seis endereços diferentes ligados a Soares ou às suas empresas em Miami, a reportagem localizou a casa onde ele mora. A mansão fica na região de Key Biscayne, onde ele já teve outro imóvel no passado. É lá o seu refúgio.

O condomínio de alto padrão tem praia privativa, quadras de tênis, cinema, restaurante e, além do estacionamento comum, uma garagem com manobrista destinada especialmente aos carrinhos de golf dos proprietários. Porsches e Mercedes entram e saem. Visitantes indesejados são afastados pela segurança. Situada no meio de um terreno de quase 1 000 metros quadrados com piscina, a casa de 500 metros quadrados tem dois andares com paredes envidraçadas que cobrem as cinco suítes.

Ela foi adquirida pela Oceana Villa LLC, empresa cuja dona é a AS International Holdings, companhia que, no Brasil, é administrada por Arthur Soares e sua procuradora, Eliane Cavalcante, e que nos Estados Unidos está em nome de Ana Paula Santiago, brasileira que vive em Miami e é representante de várias outras empresas de Soares. Segundo o registro de imóveis da Flórida, a empresa de Soares comprou a mansão em Key Biscayne por 5,3 milhões de dólares em julho de 2014. O mesmo registro mostra que ele é dono também de um edifício de escritórios onde fica a sede dessas companhias.

A casa de Miami, comprada por 5,3 milhões de dólares. O condomínio tem praia privativa, quadras de tênis, cinema, restaurante e manobristas destinados especialmente aos carrinhos de golf.
A casa de Miami, comprada por 5,3 milhões de dólares. O condomínio tem praia privativa, quadras de tênis, cinema, restaurante e manobristas destinados especialmente aos carrinhos de golf. REPRODUÇÃO_ZILLOW

Tanto nos Estados Unidos como no Brasil, Soares ou seus procuradores mantêm um emaranhado de empresas que detém contratos com a administração pública. Só no Brasil, a reportagem localizou 44 CNPJs. Na Flórida, há pelo menos outras 28 companhias em que ele aparece como diretor, administrador ou agente – ou então sua assinatura consta nas atas. Nenhuma dessas contas inclui offshores como a Matlock, registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, e que segundo os franceses pagou a propina olímpica.

Nos dois países, há casos em que uma das empresas de Soares é dona de outras, num emaranhado de nomes e sócios que nos Estados Unidos é comumente usado para ocultar patrimônio. Algumas delas, inclusive, têm nomes idênticos aos das empresas brasileiras.

Na maior parte dos registros da Flórida aparece a figura de Ana Paula Santiago, brasileira residente nos Estados Unidos que é representante ou administradora das companhias. “Algumas investem em imóveis, outras em saúde, cada uma tem um interesse particular”, disse ela à reportagem, por telefone. E foi tudo. Depois do primeiro contato, Santiago se recusou a responder a outras perguntas sobre Arthur Soares ou dar detalhes sobre as empresas. Disse apenas que iria “repassar as perguntas ao chefe” – e nunca mais respondeu aos chamados da reportagem.

 

Quentinhas para os presídios, documentos, radiografias, serviços de segurança, de limpeza, de saúde e até vistoria de veículos – basicamente tudo o que o estado do Rio comprou na era Cabral se converteu em dividendos para Arthur Soares e seu grupo de empresas. As estimativas mais comuns entre deputados estaduais e promotores giram em torno dos 3 bilhões de reais. Mas ex-sócios chutam mais alto, e acham que até 10 bilhões de reais tenham fluído na última década dos cofres do governo para os de Soares ou do Facility, o grupo empresarial com que ele fez fortuna no estado.

O valor exato é difícil de ser rastreado porque, além das companhias com Facility no nome, várias outras controladas indiretamente por Soares – via offshores ou laranjas– também arrebanharam contratos. Além disso, segundo relatos de empresários e funcionários públicos ouvidos pela piauí, Soares também levava parte dos recursos recebidos pelos concorrentes, os quais ele controlava. Para conseguir qualquer contrato no governo de Cabral era preciso pagar uma espécie de pedágio ao Rei Arthur. A contribuição, em torno de 10%, era sempre apresentada como “a parte do Cabral”. Não havia dúvidas, contudo, de que uma fatia desses recursos caía nos bolsos do amigo do governador.

Uma mostra do domínio do Rei Arthur sobre a terceirização de serviços do estado foi fornecida involuntariamente pelo concorrente Marco De Luca, dono da Masan Serviços Especializados e preso no início de junho em uma etapa da Lava Jato. Segundo a acusação, De Luca pagou mais de 16 milhões de reais em propina para o ex-governador e sua família.

No celular apreendido com o empresário havia um texto incompleto que – os investigadores suspeitaram – ser um rascunho de proposta de delação premiada, uma espécie de seguro jurídico que De Luca estava produzindo para o caso de ser preso. No relato, o empresário descreve o cortejo que teve de realizar em torno de Cabral e Soares para ganhar espaço no governo do Rio. “Fui na Saúde, falava com o Cesar Romero, me tratava bem, tentava buscar oportunidades, mas caía na necessidade de falar com o Arthur”, diz, em um dos trechos do rascunho. A essa altura, as empresas comandadas por De Luca já eram fornecedoras importantes de mão de obra para as escolas da Prefeitura do Rio, mas sua penetração no governo estadual estava aquém de suas ambições.

Para conseguir o que queria, o empresário passou a provocar encontros com Cabral em caminhadas na orla do Leblon. E chegou a alugar uma casa no condomínio de Mangaratiba onde o político passava feriados e finais de semana. A tática funcionou e De Luca foi convidado para comer uma pizza. Na ocasião, reclamou a Cabral sobre o domínio do Rei Arthur sobre os contratos. Cabral garantiu que “isso iria acabar”.

Mas nada acontecia, até o dia em que De Luca esbarrou com Soares na academia de ginástica. “Me apresentei, falei do WC (Wilson Carlos, secretário de Governo), pedi para ele me receber e nada… sempre insistindo. Um dia ele me chamou para um café na própria academia e me disse que atuava em todas as áreas e que se alguém perturbasse ele que não aguentaria [sic]”, segue De Luca em seu rascunho. Depois de muita insistência, o empresário finalmente foi incluído no clube.

“Fui chamado para uma reunião na Facility, onde o Arthur presidiu e colocou o Rui [Carlos Ruy Ferreira, militar que é dono de outra companhia de alimentação, a Denjud] como organizador!”, escreveu De Luca. “Fizeram uma divisão! Me deixaram com 7% da licitação.” Depois de conquistar a confiança do grupo, o empresário conseguiu novos contratos e prosperou. Quando foi preso, em junho, o Ministério Público calculou que ele havia recebido 500 milhões de reais do governo Cabral. Sua empresa, a Masan, também prestou serviços para os Jogos de 2016.

 

Apesar de famoso nos círculos do poder fluminense, Arthur Soares é um discreto obsessivo. Ele se nega a dar entrevistas e orienta seus sócios e funcionários a não falar com jornalistas. “A ordem agora é mergulhar”, disse um assessor, explicando porque não falaria para a reportagem.

Apreciador de vinhos e fã dos shows dos cassinos de Las Vegas – especialmente os da cantora Cher –, Soares comprou o primeiro apartamento em Miami já nos anos 90, época em que muitos dos endinheirados do Rio de Janeiro migraram para os Estados Unidos, fugindo da onda de sequestros que assombrava a cidade.

Sua mulher, Regina Soares, e os filhos Arthur Neto e Juliana costumavam passar grandes temporadas nos Estados Unidos, enquanto ele se dividia entre o Rio e Miami – percurso que, durante muito tempo, cumpriu num jato particular. Nos Estados Unidos, Soares começou a criar empresas – a primeira delas em 1995 – e não parou mais. Tornou-se sócio da churrascaria Porcão, que abriu filiais em Miami e Nova York. Era vizinho de celebridades locais, como os pilotos Wilson Fittipaldi e Tony Kanaan, mas sempre procurou se manter praticamente invisível aos desconhecidos. Robert Garcia, um empregado de longa data no prédio onde fica a churrascaria em Miami, diz que nunca conheceu Soares. “Eu estou aqui há muitos anos e jamais o vi.”

Na cidade, o Rei Arthur frequenta o restaurante Casa Tua, em Miami Beach – um refúgio que reflete seu gosto pelo luxo, mas também pela discrição. O local serve de porto para “escapar do frenesi de South Beach”, de acordo com um ex-sócio. O restaurante italiano é sinalizado apenas por uma pequena placa no carrinho do manobrista, e está longe da calçada, atrás de um portão mantido sempre fechado. O pátio é cercado por arbustos altos que escondem as luzes das velas postadas nas mesas, confirmando  uma atmosfera privada e exclusiva.

Quando estava no Brasil, o Rei Arthur passava a maior parte do tempo na sede do grupo Facility, um prédio simples num bairro de classe média-baixa do Rio de Janeiro que, do lado de fora, só chamava a atenção pelos muros altos e pela segurança de bunker. Os poucos que foram admitidos do lado de dentro impressionaram-se com os carpetes e paredes pretos que dominavam o ambiente.

Nascido numa família de classe média carioca, começou nos negócios com uma loja de roupas num shopping e foi dono de casas lotéricas antes de enveredar pelo ramo de prestação de serviços. Foi a mãe, Wylma Guimarães, que introduziu os filhos na atividade, no início dos anos 90, quando era dama de companhia da primeira-dama do Rio, Neusa Brizola. A mãe orientou os filhos, Luiz Roberto e Arthur, a montarem as primeiras empresas. O irmão montou a Cor e Sabor, e Arthur, a Vigo Central de Serviços (de fornecimento de mão de obra) e a Hambre, para fornecer comida ao governo. As duas empresas cresceram constantemente nos governos seguintes, de Marcello Alencar, do PSDB, e de Anthony Garotinho, eleito pelo PDT.

Até o governo Cabral, porém, Soares tinha de prestar vassalagem a concorrentes. Até o início da gestão Garotinho, era o empresário Jair Coelho, que ficou conhecido como o “rei das quentinhas”, já que seu forte era o fornecimento de alimentação para delegacias e presídios. Coelho, a quem se atribuía na época inclusive o poder de determinar quem receberia cada contrato, começou a cair em desgraça quando o Ministério Público Estadual pediu sua prisão, em 2000, por participação em organização criminosa e de falsidade ideológica. O empresário estava com 68 anos e foi solto meses depois, mas morreu em 2001 de câncer no pulmão. A viúva, Ariadne Coelho, que, por extensão também passou a ser chamada de “rainha das quentinhas”, até hoje atribui a Soares e aos concorrentes menores as denúncias que colocaram o MP no rastro do marido. “O Arthur era um empresário pequeno que vivia cercando o Jair. Estava sempre na minha casa pedindo para participar das concorrências e ganhar contratos no governo”, disse ela. “Jair dava uma força para ele poder participar das licitações.” Com o fim do reinado de Coelho, Soares aos poucos tomou seu trono.

As gestões dos Garotinho – primeiro do marido, Anthony, e depois a mulher, Rosinha – não foram ruins para o novo rei. Notícias divulgadas na época pelos jornais diziam que, em 2003, no primeiro ano de governo de Rosinha Garotinho, ele faturou 58,5 milhões de reais vendendo serviços ao estado do Rio. À medida em que suas receitas cresciam, ele liberava recursos para campanhas eleitorais de políticos de vários partidos, conforme os interesses do governador de turno.

Mas seria Sérgio Cabral o responsável pela ascensão estelar do Rei Arthur. Em 2009, já durante a gestão Cabral, as empresas acumulavam um faturamento de 1,2 bilhão de reais do governo estadual. Segundo depoimento do próprio Arthur Soares à Lava Jato, prestado voluntariamente em dezembro de 2016, ele e o político se conheceram durante o governo Garotinho. Cabral era então um deputado estadual da base do governo que havia se tornado muito popular com sua plataforma de combate à corrupção. Mas se aproximaram mesmo quando o político se elegeu senador, em 2002. Naquela época uma de suas empresas prestava serviços ao Senado. A aliança foi se solidificando até que, em 2006, Cabral foi eleito governador, com o apoio de Garotinho. Logo depois da eleição, porém, Cabral passou a renegar o legado do antecessor, dando início a uma das maiores rivalidades da história política do estado.

Garotinho então passou a combater Cabral, e criou um blog em que Soares se tornou alvo constante de denúncias. Foi Garotinho quem disseminou o apelido de Rei Arthur, divulgando contratos do empresário e jogando luz sobre sua relação com o novo governo. Entre os satélites de Soares, sempre se comentou que a verdadeira razão da artilharia do ex-governador contra o rei dos serviços teria sido o fato de, nas eleições de 2006, o “rei”  ter destinado à eleição de Cabral um dinheiro que “por direito” pertencia a Garotinho, já que teria sido faturado pelo grupo Facility com serviços prestados na sua gestão. Garotinho rechaça qualquer sugestão nesse sentido. “Fui eu que dividi os contratos de Jair Coelho com um grupo de empresas, estabelecendo a concorrência entre elas”, disse. “Que sentido faria eu denunciar com tanta veemência um esquema de que eu mesmo tivesse participado?”

Além de aliados, Soares e Cabral tornaram-se amigos. O dono do grupo Facility era um dos que mantinham casas de veraneio no Portobello Resort & Safári, o condomínio de Mangaratiba, no sul do estado, onde Cabral também tinha casa. Era a “República de Mangaratiba”, da qual participavam também o ex-secretário da Saúde Sérgio Cortes, Marco De Luca e o empreiteiro Fernando Cavendish, todos já presos pela Lava Jato.

Quando ia para a região, Soares passeava com seu Intermarine 70, um iate de 70 pés que impressionava até mesmo os vizinhos ricos. Tratava a todos com cordialidade, mas fazia questão de não se misturar com os outros membros da turma. Sentia-se à vontade somente quando estava a sós com o governador, a quem também recebia na casa de Miami e convidava para viagens a Paris. Aos amigos da época, ele costumava dizer que Cabral, diferente dos membros do clã Garotinho, era um homem do mundo, gostava das coisas boas da vida. Entre elas, o champanhe Cristal e o charuto Cohiba, que consumiam em doses generosas quando estavam juntos.

A discrição que o poupou – até agora – da Lava Jato também evitou que seu nome e sua imagem fossem estampados em vexames nacionais. Na noite parisiense em que foram tiradas as hoje icônicas fotos do grupo celebrando – com guardanapos na cabeça, em 2009 – a indicação do Rio de Janeiro para sediar a Olimpíada, Soares não estava, mesmo que, sem sua atuação, o Rio talvez tivesse perdido a competição.

Da turma da “República”, já foram presos, além de Cabral e sua mulher, o ex-secretário de Saúde, Sérgio Côrtes, e vários outros membros do círculo íntimo do ex-governador. Entre os empresários que gravitavam em torno do político, também estão quase todos atrás das grades: donos de empresas de saúde, de alimentação e de ônibus, todos acusados de alimentar Cabral com propinas milionárias. É comum ouvir dos investigadores que, dos peixes grandes, só falta o Rei Arthur.

 

Soares  só começou a chamar a atenção da polícia e do Ministério Público em 2006, quando os investigadores esbarraram em histórias mal explicadas sobre o grupo Facility em uma investigação de assassinato. A vítima havia sido soldado do Corpo de Bombeiros do Rio, e também trabalhava como segurança em uma das empresas do Facility. Depois da morte, um colega do soldado procurou a polícia e disse que ambos realizavam entregas de remessas de dinheiro em empresas particulares e no Detran local – onde o grupo tinha contratos milionários.

Na época, as empresas ligadas a Soares haviam doado cerca de 200 mil reais à campanha de Geraldo Pudim – promessa política encampada por Garotinho – à Câmara dos Deputados. As investigações concluíram que, entre 2004 e 2006, cerca de 11 milhões de reais haviam sido sacados na boca do caixa de contas do Facility. O inquérito terminou com o indiciamento de um ex-sócio de Soares, Milton Rangel – mas o Rei Arthur nunca foi responsabilizado.

O MP voltou à carga em 2009, em uma investigação que apurava a formação de cartel nos contratos com o Detran, onde o Facility havia faturado, só naquele ano, 700 milhões de reais. Depois de receber denúncias de participantes do cartel, os investigadores conseguiram comprovar que Arthur Soares coordenava as propostas das empresas que disputavam as licitações, em reuniões secretas na sede de sua empresa.

Segundo o Ministério Público, um grupo de empresas-laranjas participava sempre das concorrências, com propostas feitas para serem derrotadas pelas empresas de Soares. Na época, uma reportagem da Rede Globo filmou os supostos concorrentes do Facility confirmando a fraude, sem saber que falavam com um jornalista. Apesar das provas, a Justiça não aceitou a denúncia de conluio e formação de cartel oferecida pelo Ministério Público em 2011. O inquérito – que voltou ao MP para mais investigações – até hoje não foi concluído. Há dezenas de outros procedimentos administrativos e inquéritos envolvendo irregularidades nos contratos das empresas de Arthur Soares e do grupo Facility com o governo. Ele nunca foi condenado.

 

Desde que fundou a primeira empresa de fornecimento de serviços, a Vigo, o CPF de Arthur Soares já esteve ligado a pelo menos 35 companhias no Brasil. Muitas delas são apenas novas versões de antigas empresas, com novos nomes ou novos sócios. Para os promotores e procuradores, uma das estratégias usadas pelo empresário para poder continuar ganhando licitações nos governos é trocar incessantemente de CNPJ, nomes e sócios. Assim, toda vez que alguma de suas firmas está ameaçada de perder concorrências, uma nova é montada, livrando o grupo de eventuais punições.

A tática mostrou-se particularmente ativa em 2008 – quando as empresas de Soares enfrentaram a primeira ofensiva do MP estadual, e em 2014, ano em que a Lava Jato começou – semanas antes da primeira fase da operação (ocorrida em março), ele vendeu seu maior grupo empresarial.

Segundo os comunicados divulgados à imprensa, o grupo Facility foi vendido à uma offshore chamada Rise International, e sua gestão foi assumida pelos empresários Marcelo França e Marcio Bonagura, de São Paulo. O novo grupo passou a se chamar Prol, a presença de Soares no Brasil se tornou ainda mais rara, e tanto ele como seus advogados passaram a divulgar que Soares não tinha mais nada a ver com o grupo e havia, inclusive, se retirado do ramo de prestação de serviços.

Num encontro em junho, num café da Zona Sul de São Paulo, Marcelo França afirmou que conheceu Arthur Soares prestando serviços de consultoria. “Percebi que os processos do grupo dele eram pouco eficientes e identifiquei maneiras de reduzir custos e ganhar mais dinheiro”, disse o novo dono do Facility, agora Prol.

Ele disse que começou a assumir a empresa em 2013, mas manteve Soares como sócio, para evitar que o ex-dono abrisse alguma outra empresa no mesmo ramo para concorrer com ele.  A compra foi concretizada em 2014, com a Prol assumindo as dívidas do Facility. Os ganhos, segundo disse França, viriam de uma reorganização administrativa, da melhoria nos processos internos e na implantação de novas tecnologias. França afirmou ainda que, desde que comprou as empresas de Soares, os 300 contratos do Facility foram reduzidos a apenas quatro, e o número de funcionários, que já foi de 22 mil, agora não passa de 4 500. “O plano era vender o negócio com lucro em 2020, mas agora, com essa situação do Brasil e do estado, não sei se conseguiremos”, lamentou.

Para provar que só ele e Marcio Bonagura são sócios do grupo Prol, França apresentou certificados que mostram que são eles – e não Arthur – os donos das offshores que compõem a Rise Internacional. As empresas Copue e Grapin são sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas. França afirmou que a estratégia de sediar suas empresas em paraísos fiscais foi apenas uma forma de pagar menos impostos. Alguns aspectos do negócio, porém, ainda provocam estranheza.

O primeiro foi o fato de França ter colocado como diretores do grupo a ex-secretária de Educação do estado do Rio de Janeiro, Tereza Porto, e o ex-funcionário da Casa Civil Sérgio Marcondes (eles já deixaram a empresa). O segundo: a contratação da antiga diretora jurídica do grupo Facility, Karla Maia, considerada braço direito de Soares, que agora é sócia da Prol.

Além dela, outra pessoa da corte do Rei Arthur, Eliane Cavalcante, continuou na Prol. Na conversa em São Paulo, França afirmou que ela havia saído do grupo quando Soares terminou de passar todas as suas ações a ele e a Bonagura. De fato, nos registros da Junta Comercial de São Paulo consta que ela deixou o grupo em 2013 – mas voltou a fazer parte do quadro societário em 2014. Uma ata enviada pela Prol mostra que o conselho de que Eliane fazia parte foi dissolvido. Mas, nos registros da Junta Comercial, ela ainda consta como conselheira.

No ano passado, já sob novo controle, o grupo Prol mudou de nome novamente – pelo menos no papel. Nos contratos com o governo do estado, passou a figurar como Bequest Central de Serviços – empresa que, segundo a Prol, vai trabalhar apenas para receber os contratos atrasados com o governo. Para os contratos ativos, ela permanece se chamando Prol. O objetivo declarado da empresa, agora, é sobreviver ao legado deixado pelo antigo dono. Nos últimos dois meses, a piauí pediu que advogados e assessores de imprensa transmitissem os pedidos de entrevistas a Arthur Soares, Eliane Cavalcante e Karla Maia. Nenhum deles quis conversar com a reportagem.

A investigação sobre o caso da compra dos votos para a Olimpíada ainda prossegue na França, mas documentos já foram enviados pelo Ministério Público francês ao Brasil. Os procuradores da Lava Jato também pediram às Ilhas Virgens Britânicas os registros referentes às offshores de Soares. Esse material e as informações colhidas nos últimos meses serão a munição de uma das próximas fases da Lava Jato – destinada, ao que tudo indica, a encerrar  definitivamente o reinado de Arthur.

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Esta reportagem foi produzida em parceria com o jornal Miami Herald.

Errata: diferente do que foi publicado originalmente, o sub-secretário Cesar Romero não foi preso. Informação atualizada às 20h43 do dia 18 de agosto.

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