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questões cinematográficas

Central – O Filme, Galeria F e O Poderoso Chefinho

Eduardo Escorel | 06 abr 2017_18h47
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Cinco espectadores na sala de 111 lugares, sexta-feira à noite, às 21:40, na única sessão diária da semana de estreia, para assistir a Central – O Filme, em exibição por apenas 6 dias.

Vinte espectadores na sala de 60 lugares, sábado à noite, às 19:50, também na única sessão diária de Galeria F, embora haja mais uma sessão diária em outro cinema e não haja informação se o filme continuará em cartaz.

Sala de 161 lugares praticamente lotada, domingo à tarde, às 16:10, em uma das quatro sessões diárias de um dos mais de 60 cinemas do Rio oferecendo várias sessões por dia de O Poderoso Chefinho. Crianças e adultos, filhas e filhos, mães e pais, em plena orgia de pipoca, balas, sucos e refrigerantes se acomodam para assistir à versão dublada das peripécias do chefinho enfezado e seu irmão mais velho.

Será preciso esclarecer que os dois primeiros filmes citados são documentários brasileiros? E que O Poderoso Chefinho é um filme produzido pela Dreamworks Animation por 125 milhões de dólares, que estreou nos Estados Unidos sexta-feira passada (31 de março), em 3773 cinemas, e rendeu estimados 118 milhões de dólares em 5 dias, 57 milhões no mercado americano e outros 60 milhões no mercado externo?

Alguém dirá que filmes de natureza tão diversa quanto esses três não podem ser comparados, o que em parte é mesmo verdade, mas o simples fato de produções tão diferentes entre si estarem em exibição ao mesmo tempo é um dos sintomas do impasse, para não dizer do beco sem saída, no qual o cinema feito no Brasil se encontra há muito tempo. O mercado exibidor está organizado desde sempre, e assim continuará, para atender ao filme importado, norte-americano em particular. E, comprovadamente, há espectadores, ou consumidores ávidos, em quantidade suficiente para fazer do mercado brasileiro um atrativo para produções estrangeiras.

<i>Galeria F</i>
Galeria F

Já o cinema nacional… Como esperar, a médio prazo, que documentários como Central – O Filme, Galeria F e tantos outros continuem a ser produzidos e depois lançados em salas de cinema vazias? É difícil imaginar que tamanha incongruência possa ser mantida por muito tempo.

Central – O Filme, primeiro longa-metragem de Tatiana Sager, peca por ignorar que dificilmente um documentário se sustenta caso não tenha forma narrativa de interesse equivalente ao do seu tema. Não há dúvida que “o pior presídio do Brasil”, como o Presídio Central de Porto Alegre é conhecido segundo declarações incluídas no próprio Central – O Filme, é um tema relevante, cuja escolha é o maior mérito de Sager. Em compensação, a abordagem adotada, através de depoimentos formais, na maior parte de autoridades, torna o documentário chapa branca, com jeito de institucional, no qual os depoentes usam a formalidade das gravações para se protegerem. Pulsação vital só se sente nas poucas cenas gravadas pelos próprios presos, mas Sager sequer tira partido desses momentos para quebrar a carapaça protetora que impera e estabelecer uma interação efetiva com seus entrevistados.

Galeria F, dirigido por Emília Silveira, está em outro patamar, superior ao de Central – O Filme, mas tem pelo menos quatro aspectos que o debilitam.

O primeiro é a ausência de carisma do personagem principal, Theodomiro Romeiro dos Santos, um senhor simpático, mas gélido; outro, é o artificialismo da viagem dele, feita com seu filho especialmente para ser gravada; o terceiro resulta das idas e vindas da narrativa, embaralhando deslocamentos e desnorteando o espectador; e o quarto é  a inclusão de depoimentos de pessoas sobre as quais pouco ou nada se sabe que, algumas vezes, não passam de cabeças falantes.

<i>O Poderoso Chefinho</i>
O Poderoso Chefinho

Theodomiro, militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) condenado à morte, em 1971, aceita voltar com seu filho Bruno ao local onde matou a tiros um sargento quando foi preso. Eles vão também ao Forte do Barbalho onde Theodomiro  foi detido e torturado, e à penitenciária Lemos Brito, em Salvador, na qual cumpriu 9 anos da sua pena. Além disso, pai e filho refazem a trajetória feita, em 1979, após a fuga da prisão de Theodomiro.

Em tese, há substância mais do que suficiente aí para um documentário. Mas a atitude de Theodomiro e seu relato são burocráticos, aparentando indiferença ao rememorar fatos do passado nos locais em que ocorreram. O único momento em que se vislumbra algum sentimento é quando ele diz, meio de passagem, que “essa foi uma hora muito difícil da minha vida”, referindo-se à ocasião em soube pela televisão, enquanto estava preso na Lemos Brito, que seis amigos e militantes do PCBR haviam sido assassinados, e concluiu que havia sido um ato de vingança pelo assassinato do sargento que ele cometera.

Galeria F, além disso, insiste demais em planos dos personagens de costas, com a perspectiva da estrada à frente. E o constrangimento de Theodomiro diante da câmera é agravado pelo aparência do carro no qual fazem a viagem – um Fiat Doblò vermelho que parece ter sido alugado, o que acentua o artificialismo de toda a gravação da viagem.

Quanto a O Poderoso Chefinho, o que poderia dizer? A trama é complexa e parece difícil de ser acompanhada por uma criança. Mas, devo estar enganado. O que importa é que eles gostaram – ele fará 10 anos em julho, ela completou 7, em março. Além de lacônicos “gostei”, não foi possível saber mais deles, nem conferir se perceberam que o filme trata de uma situação análoga à que eles mesmos viveram. No caso, o surgimento de uma irmã mais moça depois de alguns anos de reinado absoluto do irmão mais velho.

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Em tempo: este blogueiro estará de férias a partir da próxima quinta-feira, 13 de abril e retomará a publicação de posts a partir de 11 de maio.

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