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    Hillary e Dilma no "Colóquio de Alto Nível sobre Participação Política de Mulheres" realizado na ONU em 2011 FOTO: DIVULGAÇÃO

questões da política

Dilma, Hillary e o machismo

Estereotipar a mulher na política é um fenômeno mundial na imprensa, ainda que varie em forma e grau

Carol Pires | 05 abr 2016_23h08
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Em 19 de julho de 2007, a então senadora Hillary Clinton subiu à tribuna do Congresso americano para falar dos custos da educação superior. No dia seguinte, o jornal The Washington Post publicou uma reportagem dedicada ao decote – quase insignificante, aliás – que ela exibiu durante o discurso.

“Foi surpreendente notar um quê de sexualidade e feminilidade dando as caras no ambiente esteticamente conservador do Congresso”, escreveu Robin Givhan, que acrescentou: “Foi ainda mais surpreendente constatar que isso partia da senadora Clinton”.

Replicada por outros veículos e tema de uma reportagem de 24 minutos no canal de notícias MSNBC, a matéria sobre o decote acabou citada num artigo do livro  Cracking the Highest Glass Ceiling, em que a diretora do Centro para Mulheres e Política da Universidade Estadual de Iowa, Dianne Bystrom, compilou exemplos de como a cobertura política estereotipa as lideranças femininas.

Também em 2007, durante as primárias americanas, a imprensa chamou Hillary Clinton de “bruxa”, “vadia branca” e “castradora”. Não bastasse, implicaram com sua risada. “Cacarejo de galinha – algo típico das bruxas. E também da primeira colocada na campanha presidencial democrata”, disparou Joan Vennochi no The Boston Globe.

Nesta semana, a revista IstoÉ apresentou Dilma Rousseff como alguém que perdeu o “equilíbrio e as condições emocionais para conduzir o país”, comparando-a a Dona Maria, a Louca. A certa altura da reportagem, lê-se: “Para tentar aplacar as crises, cada vez mais recorrentes, a presidente tem sido medicada com dois remédios ministrados a ela desde a eclosão do seu processo de afastamento: rivotril e olanzapina, este último usado para esquizofrenia, mas com efeito calmante. A medicação nem sempre apresenta eficácia, como é possível notar”.

Grupos feministas reagiram. “O negativo estereótipo de pessoa ‘louca descontrolada’ recai apenas sobre as mulheres. Nos homens, os sinais de frustração e raiva são percebidos como demonstrações de poder, confiança, autoridade”, publicou o Think Olga. Não é de hoje que críticas desse naipe são analisadas, e as conclusões convergem: estereotipar a mulher na política é um fenômeno mundial na imprensa, ainda que varie em forma e grau.

Com frequência, as candidatas mulheres recebem mais cobertura negativa e menos cobertura qualificada. Seus nomes costumam aparecer só no chamado race coverage, reportagens sobre as pesquisas de opinião. Seus programas de governo raramente são lidos em profundidade. E os pesquisadores ainda registram outras maneiras, aparentemente sutis, de reduzir a autoridade de uma mulher no poder, como tratá-la pelo primeiro nome e não pelo sobrenome.

A forma mais comum de sexismo na cobertura, no entanto, é dar atenção a roupas, cabelo e maquiagem das mulheres, enquanto os homens – igualmente maquiados e plastificados, o cabelo devidamente tingido – não sofrem o mesmo escrutínio.

Em 1998, Irene Sáez não foi levada a sério pela imprensa venezuelana em sua disputa com Hugo Chávez pela presidência: pesou-lhe o título de Miss Universo, anterior à sua eleição como prefeita de Chacao e governadora de Nueva Esparta. “Não votarei em Irene Sáez porque não é meu tipo de loira”, escreveu o colunista Ibsen Martínez no jornal El Universal.

Para a pesquisadora americana Rainbow Murray, do departamento de política da Queen Mary, na Universidade de Londres, o sexismo na cobertura “reforça o lado sexual e maternal das candidatas, o que não só as degrada como prejudica a discussão sobre assuntos mais substanciais”. Murray também observa que candidatas do sexo feminino são aconselhadas a não se mostrarem muito emotivas, “porque isso reitera o estereótipo de que a mulher tende a ser irracional e até histérica”.

Ao analisar a campanha de Cristina Kirchner na Argentina, em 2007, Jennifer Piscopo – especialista em estudos de gênero e representação feminina na América Latina – observou que, por um lado, se cobra feminilidade das candidatas mulheres.  Mas, por outro, acredita-se que a vaidade sinaliza futilidade. Para que possam competir com candidatos homens, exige-se delas certa assertividade. No entanto, se ficam um tom acima, são consideradas descontroladas. É praticamente um jogo de cartas marcadas, mas às vezes é possível ganhar.

Já foram feitos inúmeros levantamentos sobre a cobertura que receberam mulheres de variados perfis políticos – como as candidatas Irene Sáez na Venezuela; Hillary Clinton e Sarah Palin nas primárias americanas; Ségolène Royal na França. E também entre políticas que foram eleitas, como a primeira-ministra Helen Clark na Nova Zelândia; Angela Merkel na Alemanha, Ma Ellen na Libéria. Constatou-se que, ao tratá-las com os estereótipos de sempre, a imprensa pode influenciar as campanhas, mas não é decisiva para definir a eleição. Em geral os marqueteiros seguram o tranco. No caso de Michelle Bachelet, no Chile, ela conseguiu reverter em votos a imagem de mãezona.

Note-se que, mesmo depois do vazamento dos destemperados telefonemas de Lula, não se especulou se o ex-presidente estava tomando medicação – ele foi tachado de mal-educado, um ministro do STJ o chamou de ditatorial, mas não se disse que perdera o controle ou tenha tido um ataque histérico.

Em 2010, um dos telegramas diplomáticos divulgados pelo WikiLeaks revelou que a então secretária de Estado Hillary Clinton – três anos depois das primárias em que foi escrutinada por seu decote – queria saber de diplomatas americanos como as emoções de Cristina Kirchner afetavam suas decisões no governo da Argentina: “Ela está tomando alguma medicação?”

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