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    O youtuber Felipe Neto e seu séquito de... leitores. Passada a mania dos álbuns para colorir, a feira literária se rende às webcelebridades FOTO: MARCELLO_ZAMBRANA/LIGHT_PRESS

questões literárias

Esperando leitor

Um passeio pela 18ª Bienal do Livro do Rio repleta de adolescentes

Mateus Baldi | 13 set 2017_10h54
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Um.
Operação impensável

Quarta-feira. O Rio de Janeiro flutua em ondas de vento morno. O ônibus do BRT para desajeitadamente na estação Riocentro e um grupo de vinte pessoas atravessa as portas automáticas como sardinhas escapando da lata. Conforme o veículo se distancia, eles atravessam a roleta e sorriem diante do que veem do outro lado da rua. Saltitando no asfalto pegajoso, alguns ignoram os gritos do guarda municipal suando debaixo de um colete verde neon. Um caminhão risca a faixa de pedestres e o grupo que abandonou o BRT já se dissipou em cinco. Suas vozes chegam como um eco distante. Após cruzar a cancela do estacionamento, estamos dentro do segundo maior centro de convenções da América Latina. Em três pavilhões, a 18ª Bienal Internacional do Livro do Rio chega ao sétimo dia de seu exercício hercúleo: levar literatura a uma população que não lê – segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada em 2016, 44% dos brasileiros não lê e 30% nunca comprou um livro.

O horizonte é de cercas de metal armadas no estacionamento para 7 000 veículos. Ônibus escolares parados no meio-fio. Em gravatas azuis, motoristas falam de futebol com o vendedor de sorvete.

– Ei!

O som vem de baixo. Mais precisamente, da grama. Uma menina de camisa vermelha e calça jeans me olha com duas bolinhas de gude no rosto cor de caramelo. Seus cabelos parecem desenhados num lápis tão grosso quanto nervoso. Nas mãos, uma folha de caderno rasgada com a inscrição “Abraço e Beijo Grátis”.

– Quer?

– Primeiro me explica isso.

– Isso o quê?

– Os abraços e beijos grátis. Ouvi dizer que tem muita gente fazendo isso.

Ela não responde; antes, encara os amigos, todos com calças pesadas, botinas e blusas de bandas de heavy metal. Há um pessoal sentado no chão e então de volta para a menina. Seus braços permanecem segurando o cartaz.

– Vocês são de onde?

– Sapucaia – diz um dos garotos. – Já ouviu falar?

– Já. Vieram com a escola?

Ela confirma.

– Compraram muitos livros?

Dois garotos explodem numa gargalhada rouca.

– Nós num sabe ler, não, tá ligado? A gente veio só pra zoar.

– Por isso a plaquinha na tua mão?

A menina dobra a folha e põe no bolso.

– É. Vai querer o abraço?

– Depois. Vocês não compraram nenhum livro? Nem unzinho?

– Tá tudo muito caro – o mesmo rapaz respondeu. – A gente num tem grana pra isso, não.

– Aí vieram pra beijar na boca.

– Ela veio. Quem tá pedindo é ela.

– E tu veio pra quê?

– Pra zoar, já disse.

– Zoar como?

– Zoar, pô. Livro cheio de figura, essas coisas, tá maluco, ninguém sabe ler, a gente só quer zoar, mano, a gente só quer zoar.

No primeiro dia, quando os pavilhões ainda estavam limpos e o ar-condicionado aguentava a existência de tantas sardinhas em 55 mil metros quadrados, o clima era de tranquilidade. Blocos de estudantes caminhavam pelo piso colorido observando as enormes mesas entupidas de livros. Nenhum deles segurava placas pedindo beijos. Prática comum nos eventos de anime do fim da década passada, as plaquinhas em riste foram definidas por uma das adolescentes, de 14 anos, com precisão categórica:

– Já que não tem dinheiro pra comprar, então vamos beijar e matar a carência.

 

Surgida nos salões do Copacabana Palace, a Bienal do Livro foi ganhando status com o passar dos anos. A edição de 2017 recebeu 680 mil pessoas, quase 100 mil a mais que o esperado pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), órgão responsável pelo evento.

Uma das principais características da feira, os mesões facilitam os expositores a se livrarem de edições pelas quais as livrarias já deixaram de se importar. Por módicos 10 reais, o público sortudo poderia levar para casa um I Ching com três moedas douradas ou qualquer volume de qualquer série de romances vampirescos ou eróticos – quando não ambos –, muito em voga no começo dos anos 2010.

Justamente por ser o primeiro dia, era possível ter uma noção da configuração do evento. O primeiro pavilhão, laranja, acumulava pontas de estoque e estandes de autores independentes. O segundo, azul, cedia espaço às grandes editoras e ao Café Literário. O último pavilhão, verde, abraçava sem dó a vocação para as massas: eram ali as novíssimas atrações descoladas – Arena #SemFiltro e Geek & Quadrinhos.

Os dois espaços foram criados para absorver o público jovem. Com curadoria de Rosane Svartman, os 400 lugares da Arena #SemFiltro testemunharam debates com Mario Sergio Cortella, Mauricio de Souza e as youtubers Maju Trindade e Kéfera Buchmann. Comandando o Geek & Quadrinhos, o escritor Affonso Solano mirou a internet. Crianças e adolescentes enchiam o lugar para assistir a debates sobre Star Wars e videogames. Quem olhou não teve dúvida: a Bienal tinha se transformado num derivado luxuoso da Comic-Con.

 

Dois.
Estrela distante

Como era o primeiro dia, todos os espaços cheiravam a livros novinhos em folha. O Café Literário era todo de madeira clara e, atrás do palco com cadeiras de couro, dezenas de volumes se empilhavam numa estante de prateleiras inclinadas. Nas extremidades, arquibancadas.

Novamente com curadoria do editor e escritor Rodrigo Lacerda, o Café Literário de 2017 deixou para trás as principais temáticas que envolviam a edição anterior – Olimpíadas e os 450 anos do Rio.

– Em alguma medida – explicou Lacerda –, os temas antecedem os autores e alguns livros pareciam inevitáveis, como a biografia de Lima Barreto, escrita pela Lilia Schwarcz, por exemplo, ou então A Era do Imprevisto, do Sérgio Abranches. Pela importância do lançamento, mereciam destaque. E, no caso dos temas, a coisa era combinar assuntos propriamente literários com aqueles de atualidade brasileira ou internacional. Antes de fazer a curadoria, me passam os autores internacionais confirmados e eu tento usá-los de uma forma orgânica. Mas os nacionais sou eu que escolho.

Durante os 11 dias de Bienal (entre 31 de agosto e 10 de setembro), autores de diversos nichos passaram pelo Café. Naquela que foi a mesa mais concorrida e trabalhosa para a logística do espaço – foram distribuídas o dobro de senhas –, o historiador Leandro Karnal conversou com Daniela Pinheiro, editora da piauí. A proposta era falar sobre pós-verdade, nome chique para mentira, mas o que se viu foi muito mais o embate entre noções de Brasil e o papel do jornalismo.

Membro da Grande Trinca de Palestrantes Motivacionais, juntamente com Mario Sergio Cortella e Clóvis de Barros Filho, Karnal citou Getúlio Vargas, Shakespeare e Victor Hugo enquanto bradava contra o racismo, Dilma e Aécio. Detrás de seu terno sem gravata, um lencinho escuro no bolso, recebeu os aplausos de sempre. Fez piadas de duplo sentido, agradeceu a participação do público e, ligeiro, saiu escoltado por dois sujeitos da organização do Café. O público ficou frustrado. Do lado de fora, dezenas de pessoas tentavam enxergar pelas vidraças alguma nesga da cabeça raspada do palestrante, quiçá arrancar um autógrafo. A professora Meire Rios, revoltada, foi das que mais reclamaram.

– A organização disse que ia distribuir pulseira para a palestra uma hora antes de começar. A gente chegou aqui e já tinham distribuído tudo. Saí de Petrópolis cedo e não foi cumprido o regulamento. O Café Literário tinha que ser ampliado, sabe, o tamanho não corresponde ao público que vem. A Bienal tá muito comercial e menos cultural. Eu não vim exatamente para comprar livro, professor da rede estadual não tem dinheiro, são meses sem receber, né, então a gente veio olhar, e o que a gente gostaria era de poder ver o Karnal, prestigiá-lo, absorver alguma bagagem cultural. Não é que não haja eventos culturais aqui, mas se o evento não comporta o público fica difícil.

A professora não é a única a pensar assim. Em 2015, no auge da febre dos livros de colorir, as editoras encharcaram seus estandes com títulos que, dois anos depois, já são constrangedores – Jardim Secreto, por exemplo, chegou a ganhar clubes para que as pessoas colorissem juntas. Em 2017 a febre é outra. Cada vez mais populares, os youtubers abocanharam a maior fatia da atenção. Um dos principais nomes do cenário brasileiro, Kéfera Buchmann retornou à Bienal para lançar Querido Dane-se, sua primeira incursão pela ficção. Com mais de 10 milhões de inscritos em seu canal, a curitibana contou com o forte respaldo de Luiz Schwarcz, fundador da Companhia das Letras.

Na primeira mesa do Café Literário, em conversa mediada pela jornalista Mànya Millen, Schwarcz se juntou a Cristina Zahar e Alberto Martins, da 34, para falar sobre suas editoras.

– As pessoas acham que me vendi para a literatura comercial, agora que publicamos Paulo Coelho e Kéfera. Mas não me vendi para a literatura comercial, eu entrei nela sem vergonha nenhuma. Foi uma decisão muito questionada internamente por alguns editores, mas eu insisti – disse Schwarcz.

Cristina Zahar foi direto ao ponto:

– Na Zahar temos muito retorno do público jovem, que compra nossas edições econômicas de autores clássicos. A geração Harry Potter abriu caminho para isso. Acho que estamos formando um público leitor para enfrentar o que vem a seguir.

Lá fora, no estande da livraria Saraiva, o tal a seguir já tinha nome e sobrenome: Felipe Neto. Com língua de fora e ostentando cabelos bem vermelhos contra um fundo amarelo, o youtuber e seu chamado Livrão eram dos mais procurados. Crianças puxavam os pais e tiravam fotos beijando um totem do vlogueiro.

– Mas quem é esse, minha filha? – indagava um sujeito desesperado.

Lançado pela Coquetel, a mesma das palavras cruzadas, o tal Livrão de Felipe Neto – que já tem um livro de facto pela Casa da Palavra – parecia mais uma edição teen de revista de celebridades. Em seu canal, Neto afirmou ter quebrado o recorde de pré-vendas de um livro nacional: 22 mil exemplares. Considerando a última moda, o Livrão é tanto livro quanto eram aqueles encadernados de colorir, mas certamente Felipe, seus fãs e o pessoal da Coquetel têm mais o que fazer além de se envolver em discussões estéticas.

Alheios à balbúrdia mirim, os escritores Joca Reiners Terron, Heloisa Seixas e Santiago Nazarian protagonizaram uma das melhores conversas do Café Literário. Na quarta-feira, isolados do calor e das plaquinhas pedindo beijos e abraços, os três conversaram com a jornalista Mariana Filgueiras sobre seus livros mais recentes.

Com ares de Philip Marlowe, sério e irônico, Terron arrancou risadas nervosas de uma plateia que não esperava tanta sinceridade.

– O escritor é o único profissional que não pode se repetir. Não pode fazer a mesma coisa. Em relação a temas, talvez, vá lá, Kafka é sempre o mesmo personagem, mas o James Joyce, não, ele teve o bom senso. O escritor deve ser necessariamente imbuído de uma fé tremenda: não sabe se escreve bem, não sabe se vai conseguir terminar de escrever, não sabe se vão publicar, se vão comprar, se vão ler.

Heloisa Seixas concordou.

– Quem trabalha com arte acaba sempre se repetindo de alguma forma. Eu escrevo para ancorar no livro assuntos que me inquietam. Pego esses terrores que me rondam e ancoro no papel para quebrar esse encanto.

Santiago Nazarian, em sua honestidade habitual, discorreu sobre o gênero de terror e suas consequências. Convidado pelo próprio Terron a escrever Neve Negra para a Companhia das Letras como parte de um projeto de livros de terror mais literários e menos comerciais, o paulista acabou fazendo aquilo que chama, aos risos, de pós-terror.

– Com a idade, começaram a surgir uns questionamentos sobre paternidade, essas coisas. Eu morei na Finlândia há alguns anos e lá era sempre escuro, não nevava nunca. Passei a porra do Natal sem neve na Finlândia. Uma depressão absurda e o pessoal aqui no Brasil vendo meu Facebook e pensando Nazarian tá na Finlândia, Nazarian tá bem de vida. Que nada. Chegou o Ano-Novo, peguei uma balsa para a Suécia e fiquei bebendo. Podia ter me jogado ali, desaparecido naquelas águas, ia ser uma história bonita, o pessoal imaginando o que aconteceu com Santiago Nazarian, mas o tempo passou. Agora eu já tô velho para morrer. Mas essas coisas todas rondam o Neve Negra. Até mesmo questões formais, como até que ponto o livro tem que se comprometer a assustar. Quando se trabalha com gênero tem que ter alguns clichês. Esse é o desafio de fazer um terror com mais consistência. Mas não vou facilitar meu discurso para ter mais leitores. A minha voz, o que tenho para dizer, é mais importante.

 

Três.
Patrimônio

Quarenta e dois milhões de reais. Esse foi o orçamento da Bienal do Livro. E alguns convidados reclamaram de não ter sido remunerados. Caso do escritor e gestor de projetos do Sesc, Henrique Rodrigues. Em artigo publicado no site PublishNews, ele escreveu:

– Já estive dos dois lados, como autor e trabalhando na curadoria, e, de fato, é um volume de estrutura humana e material gigantesca. Mas, pouca gente sabe que os autores, que seriam as estrelas da parada, não ganham lhufas para participar da programação.

A organização da Bienal, em resposta à piauí, disse que “arca com todos os custos e não mede esforços para que o autor tenha a melhor experiência”, com “área para autógrafos e venda de livros”. “Todos os que aceitam o convite estão cientes das condições e entendem a Bienal como momento especial de visibilidade nacional e internacional.”

Não estava fácil nem mesmo nos dias mais movimentados: os jornalistas Artur Xexéo, Patrícia Kogut e Joaquim Ferreira dos Santos, que encerraram o último sábado da programação, angariaram poucos autógrafos após a Café Literário. Parecia que o público estava mais interessado em tirar fotos do auditório do que efetivamente prestigiar a literatura. Ironia das grandes, durante o bate-papo que uniu os três nomes do jornalismo cultural, Ferreira dos Santos, biógrafo do colunista social Zózimo Barrozo do Amaral, afirmou que via a Bienal e seu caráter comercial com bons olhos.

– O livro é a grande surpresa, permanece, tá com todo o jeito. É interessante a presença dos youtubers, pode ser uma coisa divertida. Mas o livro é a grande resiliência. Antes, quem aparecia eram os colunáveis, pessoas da sociedade, e agora são as celebridades, que é um termo muito vago. Não resistem a uma edição de jornal.

 

Quatro.
Dias de abandono

O ar-condicionado já não dava mais vazão. Em alguns pontos do pavilhão azul era possível sentir que o suor começava a descolar da pele. Sacolas trombavam umas nas outras e um zumbido intermitente só diminuía com o alto-falante anunciando distribuição de senhas para alguma programação. Crianças compravam livrões de papelão com figuras da dupla Patati Patatá para recortar. O professor Allan Félix, que estava acompanhado da mulher e dos filhos, comprou uma edição d’O Pequeno Príncipe e alguns livros de História. Segundo o Snel, a média de 6,6 exemplares per capita foi mantida.

Nesta quarta-feira calorenta, em meio à turba de crianças e adolescentes esparramados pelo chão, os professores gritando ordens, desesperados, um garoto e uma garota, de 15 e 16 anos,  contavam que haviam beijado mais de trinta pessoas. Outros dois, da mesma faixa etária, não beijaram ninguém, mas estavam há vinte minutos na fila para tirar foto com o trono de Game of Thrones. Havia pelo menos uns cinco espalhados em diferentes estandes, sempre com filas enormes. No estande da LeYa, um funcionário girava uma roleta sob o olhar atento de um garoto de não mais que cinco anos. Era a vez de um casal – ela, com cabelos vermelhos e casaco de couro; ele, com calça jeans e tênis surrado. 20% de desconto. O funcionário sorriu e entregou um cupom.

– Vão comprar alguma coisa?

O rapaz dobrou o papel, enfiou no bolso da calça e fechou o rosto.

– Não, valeu.

Na Companhia das Letras, uma fila dando a volta no estande.

– Algum autor assinando? – perguntei a um grupo de adolescentes.

– Não – um deles respondeu. – A gente só quer tirar uma foto mesmo.

Havia um totem dentro do espaço da editora paulista. Nele, administrados por um vendedor vestindo azul e branco, adolescentes tiravam fotos iguais às das cabines das festas. Era uma festa, afinal. No pavilhão verde, um estande tinha bumbo e baquetas para as crianças. O descompasso era sentido na entrada mesmo pelos ouvidos mais prejudicados.

Em descompasso também pareciam estar os fãs do deputado federal Jair Bolsonaro. No sábado, Karen Ramayanny, funcionária de uma barraca de informações da Bienal, foi bastante didática:

– O pessoal chega aqui perguntando sobre estacionamento e praça de alimentação, né, mas hoje veio um bando de fãs do Jair Bolsonaro. Ele fez uma sessão de autógrafos no hotel Grand Mercure, que fica aqui dentro do Riocentro, mas fora da Bienal, aí entrou esse monte de gente perguntando onde era o autógrafo do Jair Bolsonaro, sendo que ele não tinha nada a ver com a programação da Bienal. Você entendeu o que ele fez, né?

E deu uma piscadinha.

Do lado de fora do mesmo pavilhão laranja, a fila para o estacionamento parecia bem menor do que aquela de 2015. Na saída, vendedores de picolé e biscoito Globo reforçavam o caráter informal da feira. A sensação de displicência aumenta à medida que passa a Bienal. Nos primeiros dias, itens são cuidadosamente mostrados aos fregueses mais interessados, gente que se dispõe a não perder o início da aventura. No fim do evento, porém, num fenômeno inversamente proporcional à queda de preços, os livros já se acumulavam como torres prestes a cair. Se, em 2015 a oferta parecia muito melhor, agora tinha ares de ponta de estoque.

 

Noite. O calor diminui, a euforia, não. Adolescentes e adultos se espremem dentro de um BRT com destino ao Jardim Oceânico. Duas meninas comemoram as aquisições do dia. Na parede do veículo sanfonado, uma pichação exalta o Comando Vermelho. Antes confuso, o transporte público melhorou nos últimos dias da Bienal – baldeações melhor explicadas e informações nas plataformas de embarque evitaram que a reportagem fosse parar novamente em Curicica.

– Não almoço, não bebo água, não vou ao banheiro – disse uma funcionária do Café Literário. – Chego às duas e saio às dez.

Dali a alguns dias, ela e as quase 700 mil pessoas que passaram pelo Riocentro serão vestígio – números em planilhas, folhas em caixotes após a feira de domingo ou páginas de livros esquecidos desde 2007, prontos para retornar a um galpão qualquer no estado de São Paulo. Mas foram quase 700 mil pessoas, sem rosto ou não, publicadas ou não, que andaram e sentiram o calor, o vento, a chuva – às vezes tudo junto no plástico abobadado entre pavilhões; 700 mil cabeças que peregrinaram pelos melhores preços e viram alguns de seus autores prediletos, nem que fossem um rastro de pele através da vidraça. Para todos os efeitos, apesar de críticas como as da professora Meire Rios, é isto que importa nas mentes hercúleas que tentaram por quase duas semanas levar palavras a uma parcela que só queria duelar com espadas de mentira ou fazer cosplay – gente.

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