Campos separa Dilma de seu padrinho: "É uma estupidez brigar com Lula. Parte do lulismo vai deixá-la para votar em mim. Não vou falar mal do Lula nunca. É uma questão de autodefesa" FOTO: EGBERTO NOGUEIRA_IMÃ FOTOGALERIA_2014
Candidato anfíbio
Do governo para a oposição, Eduardo Campos tenta encarnar a terceira via
Daniela Pinheiro | Edição 94, Julho 2014
Passava da meia-noite e o carro blindado avançava veloz por uma tranquila Marginal Tietê, em São Paulo. Sentado ao lado do motorista, o deputado federal Márcio França, presidente do diretório paulista do Partido Socialista Brasileiro, comentava os meandros da intrincada disputa eleitoral. “Paulista não vota para eleger. Paulista vota para derrotar os outros. E eles querem a Dilma fora”, disse, enfático. “Só que o paulistano clássico ainda não entendeu que, para derrotar a Dilma, tem que votar no Eduardo, e não no Aécio”, continuou, discorrendo sobre o maior colégio eleitoral do país. “Votar no Aécio no primeiro turno é assegurar a reeleição da Dilma no segundo.”
No banco de trás, o presidenciável Eduardo Henrique Accioly Campos – ex-governador de Pernambuco, ex-deputado federal, ex-ministro da Ciência e Tecnologia do governo Lula, terceiro colocado na corrida presidencial – ouvia o raciocínio em silêncio, tentando, em vão, completar uma ligação pelo celular. França prosseguiu. “Imagine o Nordeste. Se o segundo turno for entre Aécio e Dilma, quem votou no Eduardo migra direto para a Dilma. Não votam em tucano nem a pau”, disse.
Um utilitário de luxo ultrapassou em alta velocidade, o que provocou a revolta dos passageiros, menos do candidato – que seguia vidrado no celular. “Agora, se for Eduardo e Dilma, o Eduardo está eleito, já que os tucanos vão votar nele. É a única hipótese de ela perder.” Como se tivesse acordado de um transe, Campos desistiu do telefone, esticou a coluna e murmurou: “É…”
A quatro meses das eleições, Eduardo Campos oscilava em torno de 10% das intenções de voto. A presidente Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, liderava a corrida eleitoral com 35%, seguida por Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira, na casa dos 20%. As projeções também indicavam que mais da metade da população não tinha ideia de quem ele fosse e 30% diziam não votar nele “de jeito nenhum”. Na avaliação dos marqueteiros, dois pontos contavam a seu favor: alto desconhecimento e rejeição moderada.
“Minha eleição vai ser de fenômeno, vai ser de arranque na última hora”, disse ele, retomando o interesse pelo celular. “Ninguém está pensando em eleição agora. Deixa a Copa acabar, começar o horário eleitoral, é quando eu começo a crescer. E aí vai ser de uma vez”, comentou, alongando os dedos em direção ao teto do automóvel.
Desde que entrou no páreo, Campos se apresenta como o candidato da “nova política”, uma alternativa à dicotomia PT-PSDB, que, juntos, somam vinte anos no poder. Ele e sua vice, a ex-senadora Marina Silva – candidata à Presidência em 2010, quando obteve 20 milhões de votos –, se vendem como a terceira via, com um discurso de página virada na história: fim do aparelhamento do Estado, do fisiologismo, do patrimonialismo e da corrupção na esfera pública.
O grupo voltava da gravação do programa Roda Viva, da TV Cultura, em que Campos fora entrevistado por uma bancada de seis jornalistas. No carro, comentou-se o fato de ele ter se esquivado quando lhe perguntaram se manteria a candidatura, caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva substituísse Dilma Rousseff na última hora. “Eu não vou morder essa corda. Veja se vou botar Lula em palanque? Essa tucanada fica querendo me botar para brigar com ele porque é bom para Aécio”, disse. “É uma estupidez brigar com Lula. Parte do lulismo vai deixar Dilma e vai votar em mim. Não vou falar mal de Lula nunca. É uma questão de autodefesa”, arrematou.
Ele finalmente conseguiu completar a ligação. Em seguida, recebeu a chamada de Marina Silva, que estava em Montevidéu e havia assistido à entrevista pela internet. Trocaram impressões sobre o desempenho do candidato na televisão. Ele se despediu formalmente com “um abraço, obrigado”, desligou o aparelho, virou o rosto para a direita e encarou os casebres ao longo da estrada. “É luta, é luta!”, repetiu para si mesmo.
Aos 48 anos, Eduardo Campos aparenta mais idade. Ele se veste de maneira formal – sempre de camisa clara, blazer escuro e sapato social –, usa gel para domar os fios que rareiam no cocoruto e está sempre com um frescor de quem acabou de sair do banho, mesmo depois de uma maratona de rua com 40ºC à sombra. Um dos coordenadores da campanha, o ex-deputado sergipano Pedro Valadares, me confidenciou que uma de suas vaidades é roupa. “Ele está sempre arrumadinho.”
Seu rosto é muito expressivo. Os olhos azul-esverdeados chegam quase à brancura na luz do sol. Injetam-se quando ele está irritado. Arregalam-se quando ele quer instigar o interlocutor. Cerram-se enquanto ele puxa o lábio inferior com o indicador e o polegar em situações reflexivas. O nariz muito adunco costuma acomodar um pingo na proa depois de um gole em qualquer líquido. Assessores se apressam em coçar a ponta do próprio nariz para indicar ao chefe que o dele precisa de um lencinho.
Tem um legítimo sotaque pernambucano. Diz “cabra” para se referir a um sujeito, “arengar” quando fala de discussão mole, usa muito “oxe” e se vale de “da moléstia” como advérbio de intensidade. Quando fala em público, o acento arrefece e a voz ganha tom de locutor televisivo. Amigos usam palavras como “leve”, “bem-humorado”, “engraçado” para definir seu traquejo social. Quando vai fazer alguma confidência – o que é raro –, Campos avisa: “Isso é em out.” No jargão jornalístico, costuma-se usar “em off”. É um exímio contador de piadas e um imitador hilário. Como um Zelig, incorpora maneirismos, trejeitos, vozes, e mimetiza características pessoais alheias com propriedade. Melhores performances: Lula, Dilma e Roberto Amaral, o vice-presidente do PSB.
No trabalho, os adjetivos usados por quem já esteve sob sua batuta são mais contundentes: “exigente”, “obcecado”, “centralizador”, “autoritário”. No Congresso Nacional, era conhecido como soberbo articulador político, ótimo conciliador de ânimos e pela excelente relação com jornalistas, sobretudo com a velha guarda brasiliense, que sempre lhe reservou boa mídia.
Casado há mais de duas décadas com a economista Renata Campos, tem cinco filhos, entre 21 anos e cinco meses de idade. Pergunto quem são seus melhores amigos. Ele faz uma pausa para, em seguida, citar assessores de campanha. Campos, dizem, é um cara família. Como se diverte? “Churrasco em casa”, responde. É neto de Miguel Arraes, três vezes governador de Pernambuco, uma das maiores lideranças de esquerda da história do país. Sua bisavó materna foi sogra de dois governadores. A família de Renata Campos também compreende políticos regionais.
Em meados de maio, Eduardo Campos tomava café da manhã em um hotel de Campina Grande, na Paraíba. Enquanto o grupo de assessores ainda trazia estampada na face a maratona de pré-campanha da véspera, ele fazia piadas, falava sobre as notícias do dia, contava casos e instigava os presentes à mesa a acelerar o pensamento. Quando o último assecla apareceu, foi recebido com um sorriso irônico. “Veio almoçar com a gente?” Eram seis e quinze da manhã. Nas dezoito horas seguintes, ele passaria por três cidades, teria doze compromissos, daria nove entrevistas e falaria dezesseis vezes a frase “O Brasil parou de melhorar e começou a piorar”.
Desde abril, quando deixou o governo de Pernambuco, corre o país em um jatinho alugado pelo PSB (às vezes usa helicóptero emprestado), participando de almoços, jantares, palestras, conferências, mesas-redondas e entrevistas a estações de rádio e televisão. Um levantamento na agenda dos presidenciáveis mostra que ele era o que mais viajava pelo país. Engordara 3 quilos. “Oiê, tô indo para uma rádia”, disse irônico para a mulher pelo celular, na van a caminho de uma emissora. Contou ter visto as fotos das crianças, resumiu a agenda do dia, perguntou como estava tudo em casa e se despediu em pernambuquês: “Xau.”
Naquele dia, a bancada governista manobrava para incluir as obras do Porto de Suape, em Pernambuco, na Comissão Parlamentar de Inquérito da Petrobras, como retaliação ao apoio de Campos à investigação. “Babaquice. Investiga! Não tenho problema nenhum com isso”, afirmou. Depois, discorreu sobre a estratégia do PT de querer intimidá-lo, “o que era uma clara demonstração de desespero”. Ele comentou ter sido interpelado no hotel por hóspedes que criticaram Dilma Rousseff. “Falaram que não votavam ‘naquela mulé’ de jeito nenhum. Reparou que agora ficam chamando ela de Dilmão, Dilmona?”, inquiriu. “O povo está com abuso demais dela.”
Durante onze anos, Eduardo Campos esteve alinhado com o governo petista. Desde que se declarou na briga pelo Planalto, adotou uma postura mercurial contra Dilma Rousseff. Chegou a dizer que “raposas já roubaram o que tinham que roubar no governo” e que ia mandar o senador José Sarney, do PMDB, para a oposição. “O país tomou um rumo totalmente errado”, disse. Com virulência, ele mencionou a alta carga tributária, os juros, a inflação, a débâcle da Petrobras, a falência do setor elétrico, o desfalque nas contas externas, o mal-estar que havia tomado conta da população.
Adversários enxergavam na atitude de Campos uma contradição: tantos anos junto ao governo e, de repente, tornara-se um crítico contumaz. “Primeiro é que não foi ‘de repente’”, disse o candidato. No começo do governo Dilma, ele afirmou, já alertava a presidente sobre o rumo nefasto que estava tomando a aliança com o PMDB. “Eu e muitos acreditamos que ela poderia ter melhorado falhas do governo Lula, o que não ocorreu. Fez pior: quem passou a mandar no governo foi a raposada do PMDB. Na época de Lula, não era assim.”
No programa de rádio, Campos foi sabatinado sobre seus planos. “O que temos para mostrar é o trabalho que fiz em Pernambuco e a trajetória de vida de Marina Silva”, disse. Afirmou estar “chocado” com os boatos de que acabaria com o Bolsa Família, prometeu diminuir os impostos com uma reforma tributária imediata e disse que, com escola integral, o Brasil mudaria em duas décadas.
Em seguida, falou sobre o programa de intercâmbio no exterior para os melhores alunos de escolas públicas, criado por ele em Pernambuco. “Quando era possível imaginar que o filho de um vaqueiro, de uma doméstica, de um pedreiro poderia estudar nos Estados Unidos? Mas lá fizemos acontecer.” Ao sair do estúdio, foi cercado por repórteres. De volta à van, ele quis saber: “Quem era essa mocinha do SBT, que foi treinada só para me perguntar sobre o Aécio?”
No começo do ano, Eduardo Campos e Aécio Neves haviam combinado apoio mútuo em Minas e Pernambuco com vistas a uma parceria num eventual segundo turno. Recentemente, o tom mudou. Comentei que o “excesso de amizade pública” talvez tivesse confundido o eleitor, que não conseguia diferenciar os projetos de cada um. Elogiavam-se, posavam como amigos, pareciam correligionários. Foram flagrados jantando juntos no restaurante Gero, no Rio, justamente quando o eleitorado começava a identificar os postulantes à Presidência. “E foi coisa minha? Foi dele”, reagiu Campos. “Eu vou jantar com ele e tem um fotógrafo na porta. Quem você acha que mandou?” A diferença entre ambos seria estrutural: “A origem política dele é mais conservadora do que a minha.”
E depois houve Comandatuba. “Aquilo foi uma sacanagem”, comentou. Foi quando a campanha de Campos percebeu que teria de se distanciar do tucano. Em maio, ele e Aécio participaram de um evento patrocinado pelo empresário João Dória Júnior, cuja ideia era discutir política econômica, gestão empresarial e responsabilidade social. Segundo Campos, organizaram um debate entre os dois de última hora. “A fala dele foi um desastre. Não falou nada com nada. Teve quarenta minutos, eu vinte, e ele ainda era sempre o último a responder, ou seja, fechando com chave de ouro”, comentou. O que mais irritou o candidato foi ter sido informado de que, ao final do encontro, Dória teria reunido alguns empresários – como Luiza Trajano, do Magazine Luiza – para diminuí-lo. “Ficou falando que eu tinha ido mal, que eu estava constrangido. Eu estava era chocado.” Semanas depois, Campos anunciou o rompimento do acordo com Aécio e passou a criticá-lo publicamente.
O cearense Miguel Arraes de Alencar entrou na política pelas mãos do então governador de Pernambuco, Barbosa Lima Sobrinho, com quem tinha trabalhado no Instituto do Açúcar e do Álcool, nos anos 40. Começou como secretário estadual da Fazenda e, em 1962, com o apoio dos comunistas, derrotou João Cleofas, candidato das oligarquias canavieiras. Com um governo alinhado à esquerda, devotou-se à melhora da vida dos trabalhadores rurais, forçando usineiros e donos de engenho a pagar benefícios, além de dar forte apoio à criação de sindicatos, associações comunitárias e ligas camponesas.
Em 1º de abril de 1964, tropas do Exército cercaram o Palácio do Campo das Princesas, sede do governo de Pernambuco. Os militares propuseram que o governador renunciasse, ele negou. Saiu de lá para a prisão. Arraes ficou onze meses encarcerado na ilha de Fernando de Noronha. De lá, exilou-se na Argélia, onde viveu por quase quinze anos, longe de parentes, amigos e correligionários.
Na mesma época, Ana, a segunda dos dez filhos de Arraes, começou a namorar Maximiano Campos, oficial de gabinete do pai. Tinha 16 anos. Dois anos depois, casou e ficou grávida de gêmeos. Um deles não vingou. O outro, Eduardo, nasceu em 10 de agosto de 1965. Com o pai e os irmãos exilados, ela, o marido e o filho se refugiaram em uma propriedade rural em Vitória de Santo Antão, a 50 quilômetros do Recife. Criavam galinhas e gado. Ana cuidava da contabilidade da fazenda e Maximiano passava o dia em meio a leituras e apontamentos. Três anos depois, ela deu à luz o segundo filho Antônio. Nenhum deles tem o sobrenome materno, Arraes de Alencar. Maximiano não quis.
Em 1971, a família Campos voltou ao Recife. “Ainda éramos vigiados, havia aquela desconfiança de tudo e de todos o tempo todo”, lembrou Ana Arraes recentemente. A casa da família era um ponto de encontro de intelectuais, artistas e políticos. Desde cedo, Eduardo Campos participava das conversas, escutava muito, palpitava com a mesma intensidade. Do outro lado da rua, a vinte passos de distância, morava o escritor Ariano Suassuna – cuja casa virou uma extensão da família Campos. Foi ali, aos 8 anos, que o candidato conheceu Renata, de 6, sobrinha em primeiro grau de Zélia, mulher de Suassuna. Brincavam tomando banho num tanque e jogando bola. Eduardo Campos cresceu chamando o escritor de “tio Ariano”. No governo, nomeou-o secretário de Assessoria ao Governador. As famílias também veraneavam em Candeias, uma praia vizinha. Quando Renata tinha 13 anos, começaram a namorar. Estão juntos desde então.
Maximiano Campos morreu em 1998. É descrito por quem o conheceu como “um homem de inteligência superior, muito culto, mas emocionalmente instável”. O casamento acabou ainda nos anos 80. Ele é autor de dezessete livros, alguns publicados postumamente por seu filho Antônio, com subsídios públicos. A obra mais conhecida é o romance Sem Lei nem Rei, que trata da briga entre coronéis do sertão e da Zona da Mata de Pernambuco. No livro Do Amor e Outras Loucuras, cuja contracapa traz os logos do Ministério da Cultura, da Petrobras, dos Correios e da Chesf, há um poema chamado “Para Eduardo”. Diz uma estrofe:
Tenho um destino:/a vontade firme de construir,/realizar./Não nasci para destruir,/ muito menos para sentir medo./ Nasci para lutar/pelos que não podem,/ pelos pobres, sem abrigo,/sem lar, sem justiça e sem lei.
Em uma tarde de abril, o advogado Antônio Campos, conhecido como Tonca, e sua mãe, Ana Arraes, ministra do Tribunal de Contas da União, receberam-me no Instituto Maximiano Campos, a antiga casa da família transformada em acervo com livros e lembranças do escritor. Há uma sala com estantes arrumadíssimas de publicações catalogadas, rascunhos datilografados, fotografias ampliadas, um busto e frases dele nas paredes.
O culto à memória literária do pai é uma das missões pessoais de Antônio, um sujeito gentil, de expressão desconfiada e fala formal. “Você se senta com Eduardo e acha que já está com o presidente da República”, ele comentou. A seu lado, Ana Arraes, uma mulher elegante, que poderia ser confundida como uma irmã dos filhos, corroborou: “Sei que sou suspeita para falar, mas ele é muito preparado, tem uma sensibilidade social altíssima.”
Quando a conversa resvalou para os pontos em comum entre o neto e o avô, Tonca se apressou em responder: “Gestão honesta, políticas voltadas aos mais necessitados. Mas Eduardo não é um novo Arraes, ele é um Arraes novo, contemporâneo.” Eu disse que havia quem o achasse autoritário. “Ele é um líder. O povo brasileiro quer um líder, alguém que tome conta, que melhore a vida deles”, completou.
Ainda governador de Pernambuco, Eduardo Campos e uma comitiva de assessores e secretários desembarcaram em Brasília com uma missão: pedir votos a seus ex-colegas parlamentares para aprovar o nome de sua mãe para ministra do Tribunal de Contas da União – um cargo vitalício, que tem a responsabilidade de aprovar (ou não) a prestação financeira de governantes do país.
“Eu não precisei de lobby. Por um voto, não fui a mais votada da história do tribunal. Já fui a deputada federal mais votada do estado, sou advogada”, disse Ana. Ressaltou que se coloca impedida para apreciar qualquer caso que envolva Pernambuco e também evita eventos políticos do filho. A cada intervenção da mãe, Tonca a interrompia, como se a conversa precisasse de legenda ou ele temesse alguma indiscrição. “E olhe aqui: se ele não ajudar a mãe, vai ajudar quem?”, perguntou ele.
Em um dado momento, quando se falava sobre críticas ao candidato, foi Tonca quem tocou num assunto: “E ficam com essa história de dizer que ele é filho de Chico Buarque.” Em junho de 2011, quando era deputada federal, Ana Arraes chegou a divulgar uma nota oficial negando o boato, propagado pela internet. Quem nunca tinha ouvido a história soube ali. “Uma coisa dessas não dá para ficar calada. Quem cala consente.” Ana Arraes disse que conheceu o músico apenas em 1986.
Adversários de Campos costumam atacá-lo evocando a captação de recursos para projetos culturais feita por Tonca. “Para evitar a exploração política, deixamos de pedir subsídios”, ele explicou. Era hora de encerrar a conversa. “Querer imputar a Eduardo qualquer coisa errada é absurdo. Quase oito anos no poder e nenhuma ação de improbidade, nenhuma denúncia, nada.”
Foi apenas aos 10 anos de idade que Eduardo Campos conheceu Miguel Arraes, quando a família foi visitá-lo em Argel. Durante o exílio do avô, trocavam cartas – perdidas durante uma enchente que atingiu a casa da família. Eduardo era o preferido do avô. Não de Arraes, mas de Fernando Campos, do lado paterno. Plantador de cana afinado com a política conservadora dos usineiros, ele se jactava por Eduardo ser o único neto parecido com ele: alto, os olhos azuis muito claros, o nariz aquilino, o queixo proeminente. Aos outros descendentes, reservava o apodo de “os moreninhos”.
A relação com Arraes sempre foi formal. Nunca foram de intimidades ou troca de afeto. Tratavam-se por “doutor Eduardo” e “doutor Arraes”. O jeito fechado de sertanejo, monossilábico, seco, era difícil para o neto. O avô não elogiava, não facilitava. “Arraes nunca passou a mão na cabeça de Eduardo. Ele teve que se fazer sozinho e conseguir o respeito do avô. Como todo mito, Arraes não deixava herdeiros políticos. Queria brilhar sozinho. Eduardo teve que se impor e se inventar”, comentou um ex-assessor de Arraes no governo.
Dizia-se que o velho Arraes era um coronel de esquerda. Sempre se elegeu com chapas que juntavam empresários, fazendeiros e oligarcas. Tinha uma legendária capacidade de transitar por várias tendências do espectro ideológico sem ficar preso a uma ou outra. Em 2002, apoiou Anthony Garotinho à Presidência da República. Eduardo Campos é feito dessa argamassa: a da família que, de um lado da mesa, faz sentar o mítico homem da esquerda; do outro, o avô da oligarquia. Numa ponta, os tios maternos – intelectuais, artistas, escritores –; na outra, a família da mulher, que é tradicional e conservadora. É e sempre foi um anfíbio, capaz de se adaptar às mais diversas situações e ambientes. Respirou dentro das águas do governo e agora toma novo fôlego com o oxigênio da oposição.
Só no final da vida Arraes revelou um lado mais afetuoso com o principal herdeiro político da família. “Ele passou a falar coisas que nunca havia dito antes. Dizia ter orgulho de mim, estar satisfeito por eu ter virado o que sou, coisas impensáveis de sair de sua boca”, lembrou Campos. Miguel Arraes morreu em agosto de 2005.
No calçadão Cardoso Vieira, no Centro de Campina Grande, Campos era observado de longe por populares. A maioria dos transeuntes o escrutinava com a expressão de já tê-lo visto em algum lugar. O vendedor de uma loja de calcinhas o reconheceu e anunciou pelo alto-falante: “Aqui está o nosso futuro presidente Eduardo Campos!”
Durante quase meia hora, Campos foi seguido por um repentista, beijou mulheres, tirou fotos e tomou cafezinho no balcão de uma padaria. Ele se apressava em cumprimentar os passantes antes que lhe dessem trela. De volta à van que levava o grupo de doze pessoas, o ex-deputado Pedro Valadares comentou: “Esse cabra é o cão chupando manga. Viu como o povo ama ele? E aí não tem palestra para intelectual, não tem encontro com empresário, não tem é nada. O negócio dele é o povo.” E a micropolítica. O tempo todo, Campos perguntava a assessores com quem o PMDB estava no município X, se fulano era candidato, se havia apoiado sicrano, se o vereador tal fez isso, se o deputado Y fez aquilo.
O candidato tinha as costas da camisa molhadas de suor. “Rua é a melhor coisa do mundo”, disse, escancarando os dentes e esfregando uma mão na outra. Em uma reportagem da revista The New Yorker, o editor David Remnick distinguiu dois tipos de políticos ao esquadrinhar a diferença entre o ex-presidente Bill Clinton e seu vice, Al Gore, que havia perdido as eleições americanas. Enquanto um se sentia revigorado no meio da multidão, o outro parecia ter tido o sangue sugado por vampiros. Campos faz parte do primeiro time. Depois do corpo a corpo, parecia tão excitado que chegou a dar soquinhos no banco, como que para extravasar a agitação.
No meio da tarde, ele voltava de um encontro com estudantes, no qual lhe foi perguntado sobre reforma previdenciária. Em sua opinião, mudar a lei era urgente, mas sem mexer em quem já tem direitos adquiridos. “Não dá para um desembargador deixar pensão para a segunda mulher novinha”, comentou. “O cara contribui 25 anos e a pensão dura sessenta.” Pelo celular, chegou o resultado de uma pesquisa encomendada pela campanha. Em Campo Grande, os três candidatos estavam embolados: Dilma com 31, Aécio com 28 e ele com 27 pontos.
Aos 52 anos, o sociólogo argentino Diego Brandy é o guru político de Campos. Diferente de boa parte dos marqueteiros brasileiros, ele não tem gosto pelas frases de efeito nem costuma expor teorias mirabolantes. É discreto, fala pouco, olha de soslaio, fuma horrores, sai à francesa. Poderia ser um personagem de filme noir. Na campanha, ganhou o apelido de “trankilo” (pronunciado com sotaque portenho), apesar de ter precisado implantar um stent em maio.
À frente do instituto de pesquisa Cipec – que tem o PSB como maior cliente –, ele coordena equipes de análise política e pesquisas de opinião. Atualmente, vive entre Recife, São Paulo e Buenos Aires, onde ainda moram a mulher e as filhas. Não há uma política, uma estratégia, uma decisão de campanha ou governo que não passem por seu crivo. Participou das vitoriosas eleições de Campos ao governo do estado.
A particularidade das projeções feitas por Brandy, segundo quem o conhece, é que, diferentemente de outros institutos, ele não aceita “não” como resposta dos entrevistados. Estica as questões ao limite e consegue obter dessa maneira, com base na inclinação do voto, uma previsão mais precisa do resultado. Com Campos, dizem, nunca errou.
Em fevereiro, Brandy acreditava que o candidato teria em torno de 35% dos votos no primeiro turno. Nessa mesma época, recebeu análises que apontavam Campos vencedor em São Paulo e no Rio. Ele costuma repetir que Dilma Rousseff cairá para menos de 30% às vésperas da eleição. Outra das suas previsões: assim que Aécio divulgar seu vice (o que ocorreu no final de junho), começará a cair nas pesquisas. E sua máxima predileta: a dupla Marina–Eduardo seria imbatível na opinião pública. “Pela visibilidade dela e pela seriedade dele”, aposta. Tanto que toda propaganda, jingle e material de campanha enfatizam a dupla. Quando a chapa completa é apresentada aos eleitores, a intenção de votos sobe para quase 20%. Segundo ele, basta esperar a propaganda eleitoral e ter muita paciência. Trankilo.
Com a anistia, Miguel Arraes voltou ao Brasil. No dia em que o avô desembarcou, Eduardo Campos, então com 14 anos, conheceu o líder metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, que passou a tarde na casa do anistiado para lhe dar as boas-vindas. A relação de Campos com o ex-presidente Lula sempre foi de empatia total: tinham o mesmo interesse, o mesmo senso de humor, dividiam a inclinação social, e ao mesmo tempo tinham o pragmatismo político nas veias. “Eduardo é o neolulismo”, disse Alon Feuerwerker, diretor de comunicação da campanha. “Faz política voltada para os pobres, tem diálogo com a sociedade e a ideia de crescimento do país.”
No final de 2007, José Dirceu me disse: “Eduardo pode ser nosso candidato em 2018.” Segundo o ex-ministro, ainda que Campos fosse de outro partido, “o Lula quer ele”. Bem antes de Campos se declarar no páreo, Lula ainda especulava oferecer a ele a vaga de vice de Dilma Rousseff em 2014. “Agora, o PT falar que traí porque estou me lançando candidato? Isso é coisa que coronel fazia. ‘Não está comigo, me traiu.’ Como se eu fosse um escravo, estou me rebelando, devo pagar, ir para o tronco”, afirmou Campos. Falaram-se pela última vez no começo do ano. “Eu vou ligar para Lula para falar o quê? E ele vai me ligar para quê? Se eu ligar, ele pode querer conversa esquisita. Não dá. É ruim para mim, para ele e para a Dilma.”
Aos 16 anos, Campos foi aprovado no vestibular de economia na Universidade Federal de Pernambuco. Naquela época, passou a fazer política estudantil como presidente do Diretório Acadêmico da faculdade. Aos 20, formado, recebeu um convite para estudar nos Estados Unidos. Estava quase de malas prontas quando seus tios vieram lhe pedir para ficar. Era um recado do avô, que queria que o neto se engajasse em sua campanha para o governo de Pernambuco, a primeira depois do exílio. Ele ficou. Foi a primeira de uma série de concessões feitas à família para se projetar na vida pública. Jamais se arrependeu da escolha, mas lamenta nunca ter aprendido o idioma.
Tal como Aécio Neves, Campos se iniciou na política como assessor do avô. Em 1990, ele e Arraes abandonaram o PMDB e se filiaram ao PSB, que se tornou o quintal eleitoral do clã. O velho mito foi eleito deputado federal e o neto, estadual. Nas eleições de 1992, o avô lhe pediu mais um obséquio. O PSB precisava de palanque com vistas à eleição de Arraes, e Campos deveria sair candidato à prefeitura do Recife, mesmo sabendo da derrota incontornável. Fez a campanha como se estivesse no páreo. Teve 5% dos votos, como o previsto.
Dois anos depois, Arraes foi eleito governador e Campos ganhou uma vaga na Câmara dos Deputados, com uma expressiva votação. Aos 30 anos, ele se licenciou do mandato e se tornou secretário da Fazenda. Era considerado o “primeiro-ministro” do terceiro governo Arraes. A dupla funcionava. Eduardo, o temido. Arraes, o amado. As finanças estaduais estavam estouradas, sobretudo pela redução de repasses de verbas federais durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, ao qual Arraes fazia oposição declarada.
O governo Arraes emitiu títulos da dívida pública estadual, com autorização do Banco Central, para o pagamento de precatórios (dívidas resultantes de sentenças judiciais). Na CPI dos Precatórios, Campos foi acusado de favorecer bancos na venda dos títulos e de usar o dinheiro obtido em despesas correntes do estado, como o pagamento de fornecedores e de salários atrasados do funcionalismo. O escândalo arrebentou a reputação do governo Arraes e a de Campos. Um amigo da família Arraes, que acompanhou de perto o caso, disse que o episódio foi mais uma provação dele, que teve que lidar com a hostilidade dos tios, que o culpavam por ter exposto o governo do avô. “Mas foi o velho que mandou fazer. Havia uma combinação maior, de maiores interesses. Eduardo foi lá e fez. Não foi ele quem inventou nem foi ele quem mandou fazer, mas na hora da crise ele assumiu tudo sozinho”, comentou.
No auge do escândalo, Campos foi parar no banco da CPI, acusado de forjar documentos para a emissão de títulos. “Ele é um monstro político. Recuperou-se de maneira incrível. Eu teria abandonado a vida pública”, comentou o ex-governador Mendonça Filho, seu adversário no passado. Abatido pela denúncia, o avô sofreu uma derrota acachapante para o governo em 1998. Campos foi eleito novamente deputado federal. Em 2003, ele foi inocentado das acusações no caso dos precatórios pelo Supremo Tribunal Federal, que arquivou o processo.
Nas eleições de 2002, Miguel Arraes articulava sua volta, mas os planos batiam de frente com os do neto. Àquela altura, Campos estava convencido de que deveria ser candidato ao governo de Pernambuco. Foi desencorajado por Arraes, que queria que ele disputasse uma vaga menor, a de deputado estadual. A de federal ficaria para o velho. Arraes achava que o neto lhe tiraria votos.
Durante algum tempo, Campos chegou a viajar pelo interior como candidato local até que – nas palavras de um amigo – “caiu na real”. Contrariando o avô, resolveu disputar a vaga de federal, o que fazia dele um adversário do patriarca. Outro amigo da família se lembra com detalhes de como os nove tios, novamente, passaram um tempo rompidos com ele por ter desafiado Arraes. “Aquilo foi muito doloroso para Eduardo, mas muito importante, porque ele se afirmou de maneira independente”, lembrou o amigo. Eduardo Campos foi eleito com 70 mil votos. Miguel Arraes teve 180 mil.
Na Câmara dos Deputados, Campos nunca se destacou como grande orador, tampouco foi um azougue dos projetos de lei. De acordo com um levantamento feito pelo site Congresso em Foco, apresentou projetos para ampliar o seguro-desemprego dos trabalhadores rurais, conferir bolsa-talento para alunos no esporte e até instituir o Dia do Grafólogo. Mas nas votações era uma raposa. Negociava com deputados para articular a base de apoio do governo. Em todos os anos que esteve no Parlamento, foi eleito um dos “cabeças do Congresso” pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, o Diap.
Em 2004, Lula o chamou para o Ministério da Ciência e Tecnologia. Mais uma vez, Arraes se opôs. Queria o pesquisador Sérgio Rezende, que viria a suceder Campos. À frente da pasta, revisou os programas espacial e nuclear e conseguiu aprovar a pesquisa com células-tronco embrionárias. Criou a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, que se tornou uma das maiores do mundo.
“O cara é um estupendo executivo, vai direto ao ponto, não tem emocional no meio, é muito inteligente e tem tudo arrumado na cabeça”, lembrou o economista Marcos Lisboa, vice-presidente do Instituto de Ensino e Pesquisa, o Insper, que participava de reuniões de governo ao lado de Campos, quando era secretário executivo do Ministério da Fazenda na gestão de Antonio Palocci. Quando veio à tona o escândalo do mensalão, o governo ficou em frangalhos. Ameaçado no cargo, Lula pediu aos ministros que voltassem para o Congresso para ajudar a reconstruir a base aliada. Campos desempenhou um papel importante, com Aldo Rebelo, então ministro de Relações Institucionais, para tentar barrar a CPI dos Correios. Depois, Campos aumentou ainda mais seu cacife junto a Lula, quando, mesmo sabendo ser o favorito, abriu mão de disputar a presidência da Câmara. “Foi um período muito difícil, muito duro”, lembrou o candidato. “Nós éramos parte, mas não tínhamos nada a ver com as coisas do Zé Dirceu”, disse no carro blindado. Ele contou que Dirceu “sempre foi contra mim, Aldo Rebelo, Beto Albuquerque. Ele operava com outra turma, João Paulo Cunha, esse pessoal”.
A eleição para o governo em 2006 é tida pela equipe de Campos como um paradigma da imprevisibilidade do jogo político. Ele entrou na disputa com 4%, fazendo campanha em cima de um caixote de madeira em cidades do interior. Com o escândalo da “Máfia dos Vampiros”, sobre desvios na área da saúde, envolvendo parlamentares e municípios, o favorito Humberto Costa, do PT, foi mencionado. Campos absorveu os votos petistas e ainda aglutinou o resto da oposição. Com um discurso que prometia diminuir a conta de luz, foi eleito no segundo turno com mais de 60% dos votos.
À frente do governo, Campos atraiu investimentos privados, colocou gerentes para cuidar de hospitais, criou a avaliação de desempenho de servidores e ampliou escolas de tempo integral. Instituiu reuniões de monitoramento das ações governamentais. Quando alguma delas empacava, ele passava a mão no telefone, ligava direto para Brasília ou para o empresariado.
Os resultados apareceram. Redução do número de homicídios, forte crescimento do estado, duplicação do PIB estadual. Tocou obras como o Porto de Suape, a Transnordestina, o estaleiro Atlântico Sul, e recebeu 30 bilhões de reais do Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC. Ele nega que tenha conseguido bons resultados só porque recebeu um saco de bondades do governo federal. “Isso que o PT fala é um debate desqualificado de conteúdo”, disse. “O governo federal pôs dinheiro em todos os estados. Sobretudo nos governados pelo PT. Vai lá ver se eles fizeram o que eu fiz.”
Apesar dos avanços econômicos, os problemas sociais persistem. Pobreza elevada, a 19ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos estados e educação com índices abaixo da média nacional.
No poder, Campos agregou partidos e reduziu a oposição a pó. Foi o caso de Jarbas Vasconcelos, do PMDB, inimigo histórico, que passou para a base de governo porque ficou sem espaço político. Migraram com ele figuras históricas da “velha política”, como Inocêncio de Oliveira e Severino Cavalcanti. Quando é criticado por ter incorporado figuras notórias do atraso a seu governo, ele responde: “A diferença é que essas pessoas não tiveram nenhuma importância na minha administração. É o oposto do que acontece com Dilma hoje.”
Com frequência, Eduardo Campos é chamado de “coronel”, menções que julga preconceituosas pelo fato de ser um político nordestino. A Honra do Imperador é um livro que compila artigos escritos pelo professor Michel Zaidan, da Universidade Federal de Pernambuco, a ser lançado em julho. Uma das poucas vozes dissonantes no estado, ele falou sobre o que chama de “a era eduardiana” em um restaurante de um centro comercial do Recife. “Ele aumentou as secretarias de dezoito para 28, e cortou sete antes de sair do governo. Colocou dois postes como herdeiros políticos no estado para continuar no controle. Eduardo é o imperador e Pernambuco é o reino”, comentou Zaidan, um sujeito de fala mansa e gentil.
“Não há oposição em Pernambuco. Isso não é um bom sinal”, comentou. Segundo ele, Campos governou com as velhas ferramentas de nomeações, distribuição de cargos e liberação de verbas. O único deputado que aceitou falar comigo contra Campos pediu para ficar no anonimato. Recentemente, uma prima do candidato, a vereadora Marília Arraes, chegou a postar uma carta insinuando que Campos tentava emplacar o filho João na presidência da Juventude do PSB com métodos pouco democráticos.
“E há a questão do nepotismo”, afirmou o professor. Durante o governo, Campos empregou pelo menos vinte pessoas da sua parentela, entre tios, primos, genro, cunhados. “Mas ele não está nem aí”, disse Zaidan.
Aliados de Campos saem em sua defesa argumentando que os servidores estão “dentro da lei” e que foi ele quem sancionou a primeira lei estadual contra o nepotismo. Apesar de considerar o candidato um “gestor eficiente”, Zaidan afirmou se tratar de um político à moda antiga. “É uma agenda gerencial da administração pública, de vender o estado com renúncia fiscal. E ele se reelegeu prometendo combate à guerra fiscal e um pacto federativo. Até empresa de transporte com ar-condicionado para a Copa ganhou incentivo fiscal”, disse.
Para Zaidan, Campos nunca conseguirá se vender ao eleitorado como “uma novidade”. “Ele é parte de uma oligarquia. Assim como Aécio Neves. Nesse ponto, são idênticos. Nunca tiveram um emprego, viveram da política, da herança política dos avós e dos velhos hábitos de manutenção do poder.”
Numa manhã recente, Renata Campos chegou a uma cafeteria em Moema, na Zona Sul de São Paulo, empurrando o carrinho do filho Miguel, um bebê gordinho e risonho. Estava acompanhada do assessor de imprensa da campanha do marido, Carlos Percol. Com 46 anos, ela é simpática, tem uma expressão maternal, os olhos apertadinhos e está deixando o cabelo ficar todo branco. “Não me incomoda, eu não me acho envelhecida com isso, nem estranha, nada. Eu acompanho a minha idade. O negócio é ter disposição e interesse nas coisas.”
Auditora concursada do Tribunal de Contas do Estado, cedida para o governo durante o mandato do marido, ela coordenou um programa de mortalidade materna e infantil. Estava no penúltimo mês de licença-maternidade e considerava tirar um sabático até o final do ano para se dedicar à campanha e ao caçula.
Avessa aos holofotes, ela disse ser “dos bastidores”: “Eu não gosto de estar na linha de frente, é meu perfil.” Comentamos sobre casamentos de políticos. O seu, ela disse, era real. Comentou achar que Ruth Cardoso era a “socióloga ao lado do presidente”. “Mas Alckmin e a mulher dele é casamento de verdade, né? Eu vejo uma coisa ali”, comentou. Sem babá, ela se ocupa sozinha dos cuidados do bebê em viagem. A única coisa que não faz é cortar a unha do menino. “Isso é Dudu. Eu tenho agonia de cortar o dedo fora.”
Renata é religiosa. Vai à missa, comunga, está achando o papa Francisco “incrível”. Os filhos frequentam o grupo jovem da paróquia. “Eduardo é cristão, tem a fé dele”, disse. Durante a viagem à Paraíba, o candidato foi entrevistado num programa de variedades, em João Pessoa. Antes do início da gravação, ele espiava a apresentação de uma cantora gospel. De repente, fechou os olhos, levantou a cabeça para cima como se estivesse rezando e passou a cantarolar Noites Traiçoeiras, gravada pelo padre Marcelo Rossi: “E ainda se vier noite traiçoeira/Se a cruz pesada for/Cristo estará contigo/O mundo pode até fazer você chorar/Mas Deus te quer sorrindo.” Estranhou minha surpresa por ele saber a letra de cor. “Toca em toda missa! Essa música é famosa!”, explicou.
Do ponto de vista dos costumes, a família Campos é conservadora. Em público, o candidato já disse ser contrário à revisão das legislações sobre o aborto ou a eutanásia. Quando perguntado sobre o casamento gay, ele diz: “Isso já é uma realidade, não há o que discutir.” Ele é contra a legalização das drogas.
Comentei com Renata sobre as acusações de nepotismo, já que boa parte dos parentes empregados era do seu lado da família. “Estão todos dentro da lei. Todos que estão podem estar. Trabalham, mostram resultado, não estão a passeio. E imagine um governo que não pode chamar uma figura como Ariano Suassuna porque é meu tio?” Miguel adormeceu. Carlos Percol segurava a mão do bebê e balançava levemente o carrinho.
Miguel a acompanha em eventos, comícios, festas, jantares, homenagens e encontros políticos do marido. “É uma maneira de a gente ficar junto”, ela disse. Passavam boa parte do mês na capital paulista, onde a campanha os instalou num flat. Os outros quatro filhos ficam no Recife em razão dos compromissos escolares. A mais velha, Maria Eduarda, estuda arquitetura. João e Pedro, engenharia civil. E José cursa o 4º ano primário.
Aos quatro meses de gravidez, Renata recebeu a notícia de que era alta a chance de o filho ter síndrome de Down. Decidiu não fazer exames para confirmar o diagnóstico. “Porque é uma informação que você faz o quê com ela?”, indagou. Os outros filhos só souberam do fato quando o bebê nasceu. “Não queríamos ficar antecipando as coisas. Até porque Miguel foi tão querido e esperado que isso não fazia a menor diferença.” A família passou a se inteirar da síndrome. “Ele tem a linha de ‘M’ na mão, ele tem a mão grande, pode ser que tenha a síndrome leve, vamos ver”, comentou.
Desde que se casou, o casal Campos vive na mesma casa, construída no terreno de fundos da residência do sogro, onde havia um campo de futebol. Ao longo dos anos, foram aumentando a construção, que é ampla e confortável. “É bom porque ficou tudo normal. A feira, a mesma escola, os mesmos vizinhos, tudo. As crianças têm uma vida normal. São zero deslumbrados.”
Depois de quase uma hora, o bebê acordou com fome e Renata pôs-se a amamentá-lo. Como ela seria na condição de primeira-dama? Durante oito anos não se ouviu a voz de Marisa Letícia Lula da Silva, e a presidente Dilma é divorciada. “Ah, eu não sei. Mas pode ser curioso saber quem é a mulher que teve cinco partos normais, cinco filhos do mesmo marido, não pinta o cabelo e tem uma profissão”, comentou.
Em março, quando ainda era governador, Campos me recebeu em um dos salões do Palácio das Princesas, no Recife, quando contou por que rompera com o Partido dos Trabalhadores. Nas eleições municipais de 2012, PT e PSB haviam combinado lançar Maurício Rands, então petista, como candidato único para a prefeitura do Recife. Quando chegaram as prévias, Rands perdeu e, sem refazer o acordo, o PT anunciou a candidatura de Humberto Costa. “Ali acendeu a luz amarela”, disse. Foi quando entendeu que não poderia se fiar na promessa de um futuro político com Lula. Nem em 2018, nem 2014, nem nunca. Teria que traçar um caminho independente. “E se eu era ótimo para 2018, por que seria ruim para 2014, não é?” Naquela ocasião, Diego Brandy já tinha análises políticas que indicavam um terreno profícuo para uma candidatura alternativa: eram altas a tendência de votos brancos e nulos e a vontade da população por mudança. No começo do ano passado, Campos começou a falar em candidatura. Durante meses, ele ficou em torno de 6% das intenções de votos. Em meados de agosto, como não saía do lugar nas pesquisas, chegou a considerar o Senado.
Até a noite de 4 de outubro, quando o telefonema de Marina Silva deu outra dimensão à eventual candidatura. Impedida de registrar a Rede Sustentabilidade, seu partido, no Tribunal Superior Eleitoral, ela se filiou às pressas ao PSB e se colocou disponível para “o que ele quisesse”. “O que ele fez quando ela tentava formar a Rede foi fundamental para a aproximação”, comentou Nilson Oliveira, diretor adjunto de comunicação da campanha. Ainda que o projeto de Marina atrapalhasse sua candidatura, Campos colocou o PSB para coletar assinaturas a favor do partido dela. “Ela é experiente e tem essa coisa meio psicóloga, que lê bem as pessoas”, comentou Oliveira. Em abril, Campos deixou o governo de Pernambuco com 64% de aprovação.
A poucos meses da eleição, a equipe de campanha defendia ainda ser muito cedo para divulgar nomes de um eventual governo – como fez Aécio Neves, que antecipou Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central no governo FHC, como seu provável ministro da Fazenda. A iniciativa agradou as elites e atraiu doadores de campanha.
Sabe-se que, na economia, Eduardo Campos tem se reunido com Eduardo Giannetti da Fonseca, André Lara Resende, Bernard Appy, Marcos Lisboa – defensores de uma política mais liberal. Os dois primeiros gravitavam em torno de Marina e, nos últimos tempos, preocupados com o problema do esgotamento de recursos do planeta, vêm advogando posições críticas do desenvolvimento a qualquer custo.
O candidato já declarou que miraria a meta de inflação em 3% e cortaria pela metade o número de ministérios (sem especificar quais). Defendeu a autonomia do Banco Central e o escalonamento das alíquotas de Imposto de Renda, abaixo dos atuais 27,5%. Também se manifestou pela contratação de diretores de estatais por meio de headhunters, pela expansão do Bolsa Família e implementação da escola integral. Prometeu construir 4 milhões de casas populares em quatro anos. Os quase oito anos que passou no governo pernambucano serão o espelho do que poderia fazer no Planalto.
“O próximo governo vai ter que lidar com a verdadeira herança maldita”, disse-me Eduardo Giannetti. “No Brasil, há uma dificuldade imensa de convencer a população de que há custos que precedem benefícios”, comentou. “Então, ninguém quer tocar nesse assunto na campanha. O Brasil acumulou distorções e a correção dessas distorções – que inclui aumento das tarifas – vai, necessariamente, fazer com que a inflação suba 1,5% a 2% de cara”, disse. Ele lembrou que o país já viveu dois momentos semelhantes: quando da crise cambial de 1998, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, e na primeira eleição de Lula, quando a inflação disparou. “A boa notícia é que o país se recupera rápido.”
Para Giannetti, as mudanças básicas que seriam feitas por Campos incluem redefinir o papel do BNDES, redesenhar o modelo do setor elétrico, restabelecer o tripé econômico – geração de superávits primários nas contas públicas, juntamente com o regime de câmbio flutuante e o de metas para a inflação, além da simplificação do sistema tributário para voltar a atrair investimentos. “Acho que o Armínio nem vai gostar de ouvir isso, mas, do ponto de vista estrito da economia, há pouca diferença entre o que devem ser as propostas de Aécio e as de Eduardo”, disse Giannetti.
Segundo ele, as diferenças entre os candidatos ficariam evidenciadas no modo de governar e nas prioridades. “Campos não vai se valer de coligações de ocasião para governar. Vai atrás dos sérios e competentes”, disse. “E o grande diferencial é a importância da educação e do meio ambiente como condições imprescindíveis para as mudanças no país.” Ao final da conversa, ele arriscou dizer que Marina “deve estar muito chateada com a coligação com o Alckmin em São Paulo”, mas que não haviam conversado sobre o assunto.
O salão do restaurante Emporium Pax, no Jockey Club do Rio de Janeiro, estava arrumado para o jantar-palestra com artistas, organizado por Guel Arraes, diretor da TV Globo, tio de Campos. Naquela noite, Campos e Marina debateriam com famosos seus planos de governo. Entre as cerca de 150 pessoas, Marcos Palmeira, Giulia Gam, Paula Lavigne, Marco Nanini e até o cantor Sylvinho Blau Blau. Alguns presentes pediram para ter a identidade preservada, já que ganham incentivos fiscais federais para seus projetos e temeram ter cortada a água da torneira.
Às nove da noite, o candidato chegou acompanhado de Renata, com Miguel no colo. Antes de sentar na bancada, ele foi até a mesa dos assessores, virou uma dose de uísque numa golada, passou uma das mãos como para abaixar os fios do cabelo e, com a outra, tirou uma poeira imaginária da camisa.
Marina Silva foi a primeira a discursar. E foi ovacionada de pé. Na vez de Campos, ele começou com a frase de sempre: “O Brasil parou de melhorar e começou a piorar.” Ultimamente, passou a adotar termos do “marinês”, como “programático” e “sonhático”. Foi, de início, aplaudido sentado, até que alguém percebeu a diferença do grau de entusiasmo e tomou a dianteira para se levantar.
Pelo salão, garçons serviam pequenas porções de risoto, massa, salada e salgadinhos acompanhados de sucos e refrigerantes. Marcos Palmeira quis saber como era possível governar sem o PMDB de Renan Calheiros e José Sarney. “O problema não são os partidos”, disse Marina. “Queremos o PMDB de Pedro Simon, o PT de Eduardo Suplicy e o PDT de Cristovam Buarque”, afirmou. De seu lado, Campos respondeu que, quando a agenda interessa à sociedade – e não a partidos ou a pessoas –, é possível governar em conjunto. Exemplo disso foi o que ocorreu durante os protestos de junho, quando o Congresso aprovou de uma tacada várias leis de interesse da população.
Quiseram saber de incentivos para a cultura, de um eventual ministro para a pasta, dos planos para a economia. O diretor Guel Arraes tomou o microfone. Começou discorrendo sobre o ineditismo e a importância da chapa, que incluía um homem e uma mulher, “dois grandes atores dividindo um palco”. Por isso, ele disse acreditar que o ataque dos inimigos teria como alvo desestabilizar a parceria.
Eduardo Campos falou que o tio havia “colocado o dedo na ferida”. “O que buscam é fazer de tudo para impedir essa parceria, que é vencedora.” Depois, resumiu o que seria a dupla: ela, a arquiteta, com ideias e sonhos. Ele, o engenheiro, capaz de colocá-los em prática. Quando o encontro terminou, a equipe da campanha pediu que Giulia Gam e Marcos Palmeira gravassem depoimentos a favor do candidato. “É para usar na propaganda dele?”, quis saber a atriz.
No final de junho, o PSB fechou alianças com o PSDB bem São Paulo e com o PT no Rio. Ambas criticadas publicamente por Marina, que vê no movimento uma incoerência com o que pregam sobre a “nova política”. Ela insistiu que o partido deveria ter lançado candidatos próprios nos estados, ainda que com poucas chances de vitória. “A questão é simples, como a vida é simples: tinha candidato próprio para apresentar? Não tinha. Então, pronto”, minimizou Feuerwerker, o diretor de comunicação da campanha.
No caso de São Paulo, apostava-se numa tese colhida junto a correligionários de Alckmin: a de que o governador não moveria uma palha por Aécio Neves no estado. Adotaria a mesma postura do mineiro, que levou à derrota Alckmin e José Serra em Minas Gerais, quando se lançaram à Presidência.
Internamente, os times de Campos e Marina se estranham. A burocracia interna também é confusa. Decisões da campanha têm que ser submetidas a um representante de cada lado, o que atrasa o processo. Há pouco tempo, almocei com um assessor ligado a Marina que contou da dificuldade de “imprimir uma agenda moderna” à candidatura. Citou como exemplo a insistência de Campos em falar em rádios do interior do país.
Segundo ele, muitas vezes a agenda previa até seis entrevistas em um único dia. Também se queixou de que o candidato gastava muito tempo recebendo títulos no interior e se reunindo com vereadores. Enquanto isso, Marina tinha a pauta em outra órbita: os intelectuais, a academia, o empresariado engajado. Do lado dele, ela é vista como um empecilho às coligações e à simpatia do empresariado que poderiam levar o partido à vitória. “É tudo complicado. Na grande e na pequena política. É tudo diferente, totalmente diferente da tradição do PSB”, disse-me Roberto Amaral, vice-presidente do partido. “Só digo que essa equipe não será a que terminará a campanha.”
Rivais assistem com gosto ao desentendimento. “O que ele ganha com Marina de um lado, perde de outro”, comentou o presidente do PT, Rui Falcão. “Por causa dela, perdeu apoio de boas coligações, como o Ronaldo Caiado, do DEM, em Goiás, e Ana Amélia, do PP, no Rio Grande do Sul.” Um dos coordenadores da campanha de Aécio Neves, com quem me encontrei no Rio, apostou mais alto. “O agronegócio nunca vai aceitar Marina. E em trinta anos fazendo campanha, nunca vi alguém ganhar sem o apoio deles”, afirmou.
O fato é que, apesar das críticas de Marina, o candidato fez o que quis. Fechou acordos, alianças e apoios como havia planejado. “Tudo o que acontece é decidido nos pormenores entre os dois. Engana-se quem pensa o contrário. Agora, ele sabe que ela tem que dar uma satisfação pública ao eleitorado dela”, comentou Feuerwerker.
Na convenção nacional do PSB, no final de junho, que confirmou a chapa presidencial, Marina disse que estavam alinhadíssimos, apesar de a imprensa dizer o oposto. Falou também que a confiança em Eduardo “aumentou com a convivência”. A Executiva da Rede divulgou um documento no qual afirma que, assim que o partido for registrado, integrantes deixarão o PSB.
“Marina e Eduardo não são seus partidos”, disse-me um assessor da Rede durante o evento. A real dificuldade, ele disse, é de outra ordem: o candidato tem em volta de si uma “agenda negativa”. De um lado, a imprensa explora o desentendimento entre a Rede e o PSB, e insiste na contradição do candidato que ataca Dilma e preserva Lula, padrinho e maior cabo eleitoral da presidente. De outro, Campos perdeu a “rede de proteção”: quando Aécio cresceu nas pesquisas – e ele não –, o eleitorado e os doadores de dinheiro passaram a identificar no tucano a perspectiva real de mudar o poder de mãos. Campos, por ora, se tornou a alternativa da alternativa. “O desafio vai ser mostrar que mudanças só acontecerão com Eduardo e Marina”, completou o assessor.
A casa em que mora o escritor Ariano Suassuna, no bairro de Casa Forte, no Recife, é a mesma que recebia o menino Eduardo Campos na infância. Foi comprada com os honorários de O Auto da Compadecida, peça publicada nos anos 50. “Olhe que coisa. Se fosse com os honorários de hoje, eu não compraria nem um quarto e sala”, disse-me num começo de tarde, em maio.
Ele é alto, magro, tem um senso de humor apurado e a expressão de quem está feliz com a vida. Estava elegantemente vestido com blazer e calça preta, camisa e meias vermelhas. Na sala de sua casa, recostado em uma cadeira de balanço, ele falava sobre Eduardo Campos. “É uma relação como a de um tio com seu sobrinho preferido”, disse. Um velho amigo da família Arraes havia me dito que Suassuna era a verdadeira figura paterna de Eduardo Campos. “Eu tinha essa coisa de ser a figura amorosa para eles. Quando ele e Tonca se aperreavam, vinham para cá.”
O escritor reproduzia detalhes de cada fase de vida do candidato. A certas questões, respondeu: “Prefiro não entrar nisso, não sei se ele gostaria.” O episódio que mais o marcou ocorreu quando o menino tinha 6 anos. A avó paterna passou mal na casa em frente. “E veio correndo aquele menino – e ele é igualzinho até hoje –, agarrou-se nas minhas pernas chorando, falando que não queria que a avó morresse”, contou. “Eu abracei, acalmei, andei essa calçada aqui todinha com ele chorando. Eu era um porto seguro.”
Suassuna disse ter acontecido “uma coisa estranha” com ele em relação a Campos e Arraes. Passou a discorrer sobre um livro do escritor franco-argelino Albert Camus. O protagonista de O Primeiro Homem não havia conhecido o pai, que morrera na guerra quando ele ainda era um bebê. Quarenta anos depois, ele resolve visitar o túmulo e, vendo as datas de nascimento e morte, atenta para algo desconcertante: o homem sepultado era mais moço que ele. Albert Camus cria a figura do “pai caçula”.
“Quando meu pai morreu, ele tinha 47 anos. Eu tenho 87. Quando conheci Arraes, eu era moço e comecei a ver nele, inconscientemente, a figura de meu pai. Os dois governadores sertanejos, perseguidos”, contou o escritor, cujo pai foi morto por razões políticas durante a Revolução de 30. “Fui envelhecendo e veio Eduardo, que é, como era meu pai, brilhante, jovem. Aí eu substituí. Passei a ver em Eduardo meu pai caçula.”
Desde que deixou o governo, Campos passou a viver com um salário de 17 mil reais, pago pelo partido. Quando perguntei sobre seu patrimônio, respondeu: “Vá olhar na minha declaração de renda no TSE.” De acordo com o documento, ele tem uma casa no Recife, uma propriedade na praia e é sócio da Fazenda Esperança, vizinha a Garanhuns, que tem o tamanho de setenta campos de futebol, onde cultiva café e cria tilápias.
Quando insisti no fato de que não decolava nas pesquisas, ele lembrou que, em 2010, à mesma distância da eleição, Marina tinha 8% dos votos válidos – “e nas urnas ela teve o triplo disso”. Campos parecia sossegado. “Somos um entre os três. Estamos identificados com gente diferente, que pensa para a frente. Tem muito ainda para acontecer”, disse.
O carro blindado estacionou em frente ao flat em Moema, onde uma comitiva esperava o candidato para comentar sua participação no programa de tevê e despachar assuntos de campanha. Era uma da manhã. Antes de ele ir embora, eu quis saber se, caso fosse derrotado nas urnas, qual seria seu futuro político. “Deixa essa pergunta para Aécio e Dilma. Eu vou ganhar a eleição, mulher.”
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