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    Bolsonaro diz que irá varrer a esquerda do mapa e prega que cada “cidadão de bem” tenha uma arma em casa para se defender: “Cartão de visita para marginal do MST é cartucho 762". FOTO: DARYAN DORNELLES_2016

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Direita, volver

Pré-candidato à Presidência, Jair Bolsonaro coloca o ultraconservadorismo no jogo eleitoral

Consuelo Dieguez | Edição 120, Setembro 2016

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Jair Bolsonaro estava acomodado atrás de uma mesa de madeira escura, repleta de papéis, quando o encontrei em seu gabinete, na Câmara dos Deputados, num final de tarde de julho. Resfriado, aparentava cansaço. Antes mesmo que me sentasse, perguntou se eu havia gostado dos quadros na parede. Eram fotos emolduradas dos generais que ocuparam a Presidência da República durante a ditadura militar: Humberto Castello Branco, Arthur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Baptista Figueiredo. “Você queria que eu colocasse a foto de quem aí? Da Dilma?”, e riu alto. Em seguida, já com o cenho franzido, determinou: “Pergunta. Pode perguntar o que você quiser que eu respondo.”

Não é preciso muito esforço para arrancar respostas do deputado. Elas costumam ser incisivas e não raro se confundem com um ataque ao interlocutor. Suas posições, e a maneira como as exprime, já lhe renderam acusações de ser racista, misógino, xenófobo, homofóbico e fascista. “Se bobear, sou até gordofóbico”, ele riu novamente. Bolsonaro rejeita as imputações. Acusa “a imprensa imbecil” – imbecil é um termo que ele emprega com frequência – de interpretar mal suas palavras, isso quando não age de maneira desonesta.

O capitão reformado do Exército Jair Messias Bolsonaro, de 61 anos, está em seu sétimo mandato legislativo. Com 464 mil votos, foi o deputado federal mais votado do estado do Rio de Janeiro nas últimas eleições. Somando-se os 26 anos ininterruptos na Câmara aos dois em que passou na Câmara de Vereadores da capital fluminense, ele acumula mais tempo na vida política do que no quartel. No entanto, seus modos parecem mais próximos da caserna que do Parlamento.

Bolsonaro odeia. Abomina Fidel Castro, Hugo Chávez, Nicolás Maduro, Lula, Dilma Rousseff, o PT, o MST, Cuba, comunistas e qualquer pensamento ou ato que possa ser remotamente identificado com a esquerda. Jamais tergiversa: é contra a lei do desarmamento (“Deixou os proprietários de terra vulneráveis aos ataques do MST”) e as cotas raciais nas universidades (“Uma boa educação pública no ensino básico faria com que todos competissem em pé de igualdade”); é crítico de políticas de transferência de renda como o Bolsa Família (“Deveria ser distribuída em casos extremos para não estimular a indolência”) e acaloradamente refratário a qualquer educação sexual nas escolas que aborde questões de gênero e homossexualidade (“Querem deformar a cabeça de nossas criancinhas”).

Bolsonaro é odiado. Pela esquerda, por parte da comunidade LGBT, pelo MST e por vários outros movimentos sociais. Na votação do processo de abertura de impeachment da presidente Dilma, levou uma cusparada do deputado Jean Wyllys, do PSOL, logo depois de ter dedicado seu voto à memória de Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido torturador de presos políticos na ditadura. Jandira Feghali, do PCdoB, não o cumprimenta. Maria do Rosário, do PT, quer vê-lo na cadeia. Na Câmara, ele se envolveu em discussões desrespeitosas com alguns de seus pares, filiados sobretudo a esses três partidos. Isso lhe valeu processos no Conselho de Ética da Casa e até no Supremo Tribunal Federal.

Bolsonaro é amado. Uma parcela da população se encanta com a ira do deputado. Seus modos e a apologia do regime militar – que ele transforma em sinônimo de ordem e autoridade, em contraponto à baderna que vê por toda parte – acabaram canalizando as frustrações de parte do eleitorado num momento marcado pela desmoralização dos políticos e pelo antipetismo exacerbado. É nesse ambiente e a partir dessa base social que o deputado fluminense espera fazer decolar sua campanha a presidente da República.

Em março deste ano, Bolsonaro se filiou ao Partido Social Cristão. Desde que entrou na política, em 1988, como vereador pelo Rio, já circulou por muitas legendas: PDC, PPR, PRB, PTB, PFL e, por fim, PP, do qual ele diz ter se apartado em razão do envolvimento de seus integrantes na Lava Jato. Quem lhe franqueou o acesso ao PSC foi o pastor Everaldo Dias Pereira, presidente do partido. “Nos reunimos e firmamos um acordo de que, se ele chegar em 2018 com 10% das intenções de voto, será oficializado candidato”, disse Everaldo. O que animou o PSC a aceitá-lo, de acordo com o pastor, foi o fato de Bolsonaro nunca ter sido envolvido em denúncias de corrupção. “Ele vai dar trabalho aos oponentes”, previu. O PSC foi um dos suportes do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, mesmo quando sobre sua cabeça já pesavam sérias denúncias de corrupção. O presidente da legenda se esquivou: “Não digo nada sobre o Eduardo Cunha. Tenho que esperar pela Justiça.”

Líder da Assembleia de Deus, Everaldo foi o idealizador da campanha “Homem + Mulher = Família”, encampada pelo PSC. Candidato à Presidência em 2014, advogou contra o aborto, a legalização das drogas e os direitos civis plenos para casais homossexuais. Bolsonaro – que é católico, mas foi batizado simbolicamente na religião evangélica, pelo pastor Everaldo, no rio Jordão, em Israel, junto com os filhos, no começo deste ano – encontrou na nova casa um campo fértil para suas pregações. A plateia o aplaude sempre que ele conclui seus discursos com o bordão: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos.”

 

A plataforma ultraconservadora garantiu ao deputado índices de aceitação surpreendentes, sobretudo para um candidato que nunca concorreu a cargo majoritário e não tem espaço cativo nos meios de comunicação. Apesar de neófito, Bolsonaro oscilou entre 7% e 8% das intenções de voto na pesquisa presidencial feita pelo instituto Datafolha em meados de julho. O político disputa a terceira colocação com os tucanos Geraldo Alckmin e José Serra – tecnicamente empatado com os dois veteranos em matéria de eleição presidencial –, só atrás de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, com 23%, e de Marina Silva, da Rede, com 18%. Na pesquisa espontânea, quando o entrevistado cita o nome que lhe vem à cabeça, ele se sai de maneira ainda mais inesperada: com 3% das intenções de voto, é superado apenas por Lula, que tem 6%, e Aécio Neves, com 4%.

Ao menos por ora, no entanto, Bolsonaro não é uma figura que tenha atraído a massa mais pobre e menos instruída da população. A preferência por ele cresce à medida que aumenta a escolaridade do eleitorado. Tem 13% dos votos de pessoas com nível superior (só perde nessa faixa para Marina). Em relação à renda, ocorre algo parecido: ele é pouco votado entre os pobres, mas lidera na faixa dos eleitores com renda familiar entre cinco e dez salários mínimos – atingindo 20% dos votos. Seu desempenho entre os que recebem mais de dez salários mínimos também é muito bom, na casa dos 16%, o que o coloca entre os líderes nesse segmento.

Na pesquisa anterior do Datafolha, realizada em abril, mesmo mês em que a Câmara aprovou a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff, o candidato do PSC aparecia como líder isolado na faixa dos eleitores mais ricos. Num dos cenários, chegava a ter espantosos 23% dos votos entre os que recebem mais de dez salários mínimos. O primeiro a perceber tal peculiaridade camuflada no mundaréu de números da pesquisa foi o cientista político André Singer, professor da Universidade de São Paulo e autor do livro Os Sentidos do Lulismo, publicado em 2012.

Singer observa o fenômeno com cautela. “O que essa opção por Bolsonaro vocaliza? Um antipetismo radical? O apoio à volta dos militares? Uma onda conservadora ligada à intolerância religiosa? O sentimento anticomunista? Sim, porque embora não exista comunismo, sabemos que o anticomunismo existe”, disse Singer, levantando hipóteses.

O cientista político não tem dúvida de que está em germe uma candidatura de extrema direita que não pode ser ignorada, mas sustenta que seria preciso refletir melhor se ela representa algo que se poderia denominar, conceitualmente, de fascismo.

André Singer não acredita que Bolsonaro tenha chances de vitória em 2018, longe disso. Mas chama atenção para a novidade da última pesquisa Datafolha: a faixa de renda familiar em que o candidato mais se destaca não corresponde à elite econômica nem à alta classe média. “Estamos falando de famílias que ganham algo entre 4,5 mil reais e 9 mil reais. Uma família padrão, com quatro pessoas, que vive com 5 mil reais por mês pertence à classe média baixa. Ou seja, Bolsonaro parece ter começado a despertar a simpatia em um público que não é exatamente aquele que protestou na avenida Paulista. A questão é saber como isso vai evoluir, já que a maioria das pessoas ainda desconhece o candidato”, disse Singer.

Uma coisa, segundo ele, é certa: “Uma parcela do eleitorado se radicalizou. A extrema direita entrou no cenário político eleitoral. Eles estão no jogo.”

A última (e talvez única) vez que uma candidatura presidencial de extrema direita teve certa expressão na política brasileira desde o fim do regime militar foi em 1994. Naquele ano, o cardiologista Enéas Carneiro, um ultranacionalista folclórico, concorreu pelo nanico Prona e chegou em terceiro lugar, atrás apenas de Fernando Henrique Cardoso, eleito no primeiro turno, e de Lula. Com mais de 4,6 milhões de eleitores (7% dos votos), o médico – que transformou a frase “Meu nome é Enéas” em bordão para driblar o pouco tempo de que dispunha na tevê – chegou à frente de lideranças tradicionais como Leonel Brizola e Orestes Quércia. Curiosamente, a eleição se deu dois anos depois do impeachment de Fernando Collor.

 

O militar reformado fala mais à imaginação dos homens: três de cada quatro eleitores seus são do sexo masculino. Além disso, ainda segundo o Datafolha, ele se sai bem entre os jovens – 65% dos que o apoiam têm entre 16 e 34 anos. Ciente disso, o deputado faz uso ostensivo das redes sociais. Grava diariamente um ou dois vídeos de poucos minutos e coloca para circular na internet. Embora conte com a ajuda de um auxiliar na parte técnica da produção, é ele quem controla tudo. “Imagina se vou deixar fazer qualquer coisa sem a minha aprovação. Uma coisa errada pode me arrebentar”, comentou, com a ênfase costumeira. Os números que ele alcança, de fato, arrebentam. Alguns vídeos chegam a superar 1 milhão de visualizações.

Com mais de 3 milhões de seguidores no Facebook, Bolsonaro está convencido de que foi graças à rede social que conseguiu ser tão votado no Rio de Janeiro. Também atribui à internet a vitória do filho Eduardo, eleito deputado federal em São Paulo pelo mesmo PSC: “A campanha do Eduardo foi toda pela internet”, falou, acrescentando ter feito apenas um rápido giro por algumas cidades do estado para promover a candidatura do filho, escrivão da polícia federal licenciado, cuja plataforma também se amparou em temas caros aos conservadores, como segurança, direito à propriedade e valores familiares. “Gastamos 52 mil reais e ele se elegeu com 82 mil votos”, gabou-se o pai.

A pesquisa do Datafolha ratifica a percepção do deputado sobre a importância das redes sociais, haja vista a atração que ele exerce sobre o eleitorado mais jovem. “Os jovens, de um modo geral, desacreditam mais dos canais tradicionais de participação política”, disse-me Alessandro Janoni, diretor do instituto. Ao mesmo tempo, explicou, eles são mais vulneráveis a temas como direito à posse de arma e ações intempestivas contra a criminalidade, a ladainha de Bolsonaro. “Eles acabam se agregando por meio de afinidades temáticas e as redes sociais potencializam isso.”

A despeito desses números, o diretor do Datafolha avalia que Bolsonaro é ainda um candidato de nicho. “Ele teria que mudar muito o seu discurso para atingir a maior parcela da população, que são os eleitores de menor renda”, disse.

 

Bolsonaro é um homem alto, de cabelos lisos, pele clara, olhos de um azul intenso e expressão permanentemente crispada. Traz as unhas polidas e revestidas de base transparente. Mantém a postura ereta de militar e o passo firme de quem foi treinado na marcha. Voltamos a nos encontrar na manhã seguinte à visita que fiz a seu gabinete. O resfriado tinha ido embora, parecia revigorado. Dessa vez me recebeu no gabinete do filho Eduardo, encostado ao seu. Uma mesa de reuniões, de madeira clara, ocupa parte do espaço, mais arejado que a sala paterna. Eduardo Bolsonaro passa a maior parte do expediente ao computador, postando vídeos e textos com recados dele e do pai.

Perguntei a Bolsonaro em que pé estava a ação penal movida contra ele pela deputada Maria do Rosário, do PT gaúcho, no Supremo Tribunal Federal. A queixa da ex-ministra dos Direitos Humanos de Dilma, endossada pela Procuradoria-Geral da República, que também moveu ação similar contra o deputado, refere-se a um enfrentamento entre os dois, no Salão Verde da Câmara, em 2003, e que foi relembrado pelo deputado em 2014.

A altercação começou quando ele concedia uma entrevista para a Rede TV!, na qual defendia a redução da maioridade penal para adolescentes que cometessem crimes hediondos. O alvo da polêmica era Champinha, o adolescente que em 2003, aos 16 anos, torturou, estuprou e matou uma jovem depois de ter assassinado o namorado dela. Champinha, que cumpriu pena em uma unidade prisional para menores, tem hoje 29 anos e continua internado numa unidade psiquiátrica.

Rosário, que esperava o deputado concluir sua participação para falar à mesma emissora, não se conteve com o que ouviu e reagiu à entrevista, dizendo que pessoas como Bolsonaro, pela agressividade de seu discurso, acabavam promovendo violências, como o estupro. Olhando para a câmara, Bolsonaro revidou: “Grava, grava aí. Ela está dizendo que eu sou estuprador.” Dirigindo-se então para a deputada, soltou a frase: “Jamais ia estuprar você porque você não merece.” Indignada, Maria do Rosário respondeu que lhe daria uma bofetada se ele tentasse algo parecido. Ele revidou dizendo que lhe daria outra, e a empurrou duas vezes, com o braço esticado. Rosário o chamou de desequilibrado, ele a xingou de vagabunda. Nervosa, ela repetia: “Mas o que é isso, o que é isso?” E retirou-se do ambiente aos prantos. Em 2014, Bolsonaro relembrou o caso no plenário da Câmara. Foi depois disso que Maria do Rosário entrou com processo contra ele no Supremo.

O STF acatou a denúncia da deputada e da Procuradoria e, hoje, Bolsonaro é réu por injúria e incitação ao estupro. Se condenado, terá o mandato cassado e perderá o direito de concorrer à Presidência da República. Ainda não há data para o julgamento.

“Por que me arrependeria do que disse?”, reagiu Bolsonaro, sentado à cabeceira da mesa e gesticulando com as mãos espalmadas quando o questionei sobre seu ataque à deputada. “Pergunte pra ela se ela se arrepende de ter me chamado de estuprador.” E continuou: “Se eu te dei um chute e você me deu uma cotovelada, você não é punida pela cotovelada. É ato reflexo.” Isso, ele fez questão de explicar, se chama “retorção”. “Quando eu digo que tem que reduzir a maioridade penal para crimes hediondos e ela é contra, quem está estimulando os jovens a estuprar, eu ou ela?” E então, adotando um tom choroso, me perguntou: “Você consegue imaginar uma pessoa estuprada? Já viu uma pessoa estuprada? Fica acabada física e emocionalmente. E ela me chamou de estuprador, poxa. Me comparou com o Champinha.”

Eduardo Bolsonaro tirou os olhos da tela para ouvir melhor a conversa. Perguntei-lhe se não achara exagerada a reação do pai. “Lógico que não. Maria do Rosário chama ele de estuprador, parte para cima dele e ele fica quieto e volta para casa?”, afirmou. “Se ele fizesse isso, eu ia chamá-lo de bundão”, disse o filho.

Eduardo, de 32 anos, é o caçula dos três filhos do primeiro casamento de Bolsonaro. (O deputado tem uma filha do segundo casamento e mais um filho de uma relação entre as duas uniões.) O pai o apelidou de Zero Três. Dos outros dois, Flávio, o mais velho, deputado estadual no Rio de Janeiro e candidato a prefeito da capital, é o Zero Um; Carlos, também vereador na cidade, o Zero Dois. Os três comungam das mesmas ideias do pai: abominam Fidel Castro, Hugo Chávez, Nicolás Maduro, Lula, Dilma Rousseff, o PT, o MST, Cuba, comunistas e qualquer pensamento ou ato que possa ser remotamente identificado com a esquerda.

Zero Três acusa os adversários de usar técnicas nazistas para desqualificar sua família. “Eles ficam bombardeando coisas até que vire verdade”, disse, referindo-se à imputação de que Bolsonaro faz apologia ao estupro. “Desgastaram tanto o meu pai que levaram o STF a tomar uma decisão esdrúxula de abrir processo contra ele, passando por cima da imunidade parlamentar prevista na Constituição.” Para Zero Três, não caberia ao Supremo controlar o que se fala no Parlamento. “Eu tenho o direito de falar a besteira que bem entender”, disse. “Quem tem que decidir se eu falei besteira é o eleitor e, dessa forma, não votar mais em mim.”

Ainda que a Constituição garanta aos parlamentares imunidade civil e criminal por opiniões, palavras e voto, existem alguns limites para o que se pode falar no Congresso. Fazer apologia ao racismo é crime passível de cassação de mandato, por exemplo. Por isso Bolsonaro foi rápido em se explicar ao Supremo quando o CQC, programa humorístico da TV Bandeirantes*, mostrou-o como racista. Num quadro do programa, a cantora Preta Gil, filha de Gilberto Gil, perguntou-lhe se ele se importaria que um de seus filhos casasse com uma negra. E ele teria respondido: “Preta, meus filhos foram muito bem educados e não fariam essa promiscuidade. Não foram criados num ambiente como o seu.” O caso virou um escândalo nacional. Bolsonaro nega que tenha dado aquela resposta: “Como eu posso ser racista se a minha segunda mulher é filha de Paulo Negão, que, como o nome diz, é um negro?”

A história, segundo a versão do deputado, se deu da seguinte maneira: à pergunta de Preta Gil, gravada previamente, o CQC teria colado a resposta que o deputado deu para outra questão, também gravada com antecedência – o entrevistado permitiria que um de seus filhos casasse com um gay? Ao fazer sua defesa no STF, Bolsonaro requereu a fita bruta da gravação, que, segundo ele, comprovaria que a resposta foi editada. O programa alegou que a fita fora destruída. Como a resposta de Bolsonaro supostamente não condizia com a pergunta de Preta Gil, e como o CQC não tinha como provar que o deputado realmente havia dito o que estava sugerido na gravação, ele ganhou a causa e o processo foi arquivado. Mas a pecha de racista o acompanha. “Isso me causou enorme prejuízo.”

A fama se retroalimenta em razão do posicionamento do deputado contra cotas para negros. “Escuta”, disse, novamente alterando o tom de voz: “Eu quero saber se você gostaria de ser operada por um médico que entrou na universidade pelo sistema de cotas.” O sistema de cotas, para o deputado, não é o caminho a ser trilhado: “O que vai garantir trabalho é uma boa educação que permita aos negros competir com os brancos.”

No auge da polêmica sobre racismo, Bolsonaro perguntou a um jornalista se Laura, sua filha de 5 anos do casamento com Michele, sua segunda mulher, teria direito a cota. O jornalista respondeu que não, dado o fato de a menina ser branca. “Pois ela tem direito sim, imbecil”, ele retrucou. “Porque ela é neta de um negro. Então, você acha isso justo?” E, voltando à tese de que a imprensa o trata mal, disse que a “mídia caiu de pau” em cima dele de novo quando ele comentou que Michele era mulata clara. “Não pode? Tem negro, branco e mulato, oras”, explicou-se. “E, entre os mulatos, tem a variação de claro e escuro.”

Por causa de episódios como esses, Bolsonaro raramente fala com a imprensa. Quando decide falar, ele grava. Naquela manhã, no gabinete do filho, quando eu iniciava minha entrevista, um assessor entrou na sala e ajustou a câmera, posicionando-a próxima a mim. Algum tempo depois, Bolsonaro me disse que a entrevista estava sendo filmada. “Agora é assim, tudo o que eu falo é gravado, para não ter risco de vocês deturparem minhas palavras.”

 

O discurso de fundo paranoico com frequência se volta contra o Partido dos Trabalhadores. “Eles contam as mentiras deles e eu vou lá com as verdades – e quando eu vou com as verdades, eles me atacam. Já que eles não podem me chamar de corrupto porque eu não sou igual a eles, inventam coisas. Dizem que eu faço apologia à tortura, por exemplo”, falou o deputado.

Um dos grandes embates de Bolsonaro com o PT e demais partidos de esquerda se deu durante os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade. Aprovada em 2011, no primeiro mandato de Dilma, a comissão tinha a tarefa de esclarecer a tortura, a morte e o desaparecimento de militantes de esquerda durante a ditadura militar e, ao mesmo tempo, apontar os culpados. Um acordo entre os militares, o governo petista e parlamentares que conduziram os trabalhos estabeleceu que os responsáveis, se denunciados, não seriam punidos.

O entendimento, para frustração de muitos grupos ligados aos direitos humanos, foi de que a Lei da Anistia, de 1979, perdoara todos os crimes, tanto os do regime como os praticados por seus opositores. Bolsonaro me disse que, durante os três anos em que os relatórios da comissão foram discutidos no Congresso, ele foi o único a agir, ferozmente, em defesa dos militares. “Eu mostrei o que a esquerda fez. Eles mataram gente nossa. Eles eram terroristas. Eles foram os primeiros a atacar quando colocaram uma bomba no aeroporto de Guararapes, no Recife, em 1966”, argumentou. E, agitado, completou: “O objetivo final da Comissão da Verdade era colocar no currículo das escolas que esses grupos de guerrilha, além de José Dirceu, Dilma Rousseff, Carlos Marighella, eram os heróis da pátria. Que eles eram os certos e nós, militares, os errados.”

Bolsonaro não aceita que se chame de golpe o que ocorreu no dia 31 de março de 1964 – quando o presidente João Goulart foi deposto pelas Forças Armadas. “Golpe dá uma pancada e assume a cadeira. Mas aqui no Congresso, no dia 11 de abril de 1964, houve eleição direta para eleger Castello.” Na verdade, tratava-se de eleição indireta. O que se passou no Brasil naquele período, segundo Bolsonaro, “não é o que a esquerda prega e a mídia reverbera. Tínhamos democracia, só não tínhamos eleição para presidente da República e para as capitais”. A comparação do regime militar com Cuba é um dos motes de seu discurso: “O que é democracia? Liberdade, não é? Pergunta para o teu pai se naquela época se podia sair do país. Podia. E em Cuba você não pode.” Quando falei que também havia no Brasil perseguição a sindicatos e opositores do governo, censura à imprensa e a produções culturais, prisões arbitrárias e tortura, ele reagiu mal. A declaração de que a ditadura torturou militantes de esquerda o enfurece de maneira particular.

O deputado saiu uma vez mais em defesa do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Morto no ano passado, o militar chefiou o Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-Codi, no II Exército, em São Paulo, transformado sob sua gestão num dos principais templos da tortura no país. Ustra, que usava o codinome Doutor Tibiriçá, foi acusado por presos políticos de comandar sessões de choque elétrico, pau de arara, afogamento, surras e tortura psicológica. Por seus atos, foi julgado e reconhecido como torturador pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Para Bolsonaro, se a prática existiu, não teria sido uma política de Estado, e sim uma decisão particular de alguns indivíduos ligados aos órgãos de repressão. O deputado cita com frequência o livro A Verdade Sufocada: A História que a Esquerda Não Quer que o Brasil Conheça, de Brilhante Ustra, no qual o autor justifica como autodefesa a repressão aos opositores do regime. Ustra não nega a tortura, embora não a cite abertamente. E não admite que a Convenção de Genebra – que estabeleceu que inimigos capturados em combate não poderiam ser torturados – se aplicasse a presos políticos brasileiros. Para ele, os guerrilheiros eram “terroristas” e “em nenhum lugar do mundo terrorismo se combate com flores”. Bolsonaro concorda: “Você acha que, se o Bin Laden fosse preso e a vida de milhares de pessoas estivesse ameaçada pela eventualidade de um atentado terrorista, os americanos não iriam usar a tortura para coagi-lo a falar? Ou iriam esperar que as pessoas morressem?”

 

O deputado estreou na política após ter sido mandado para a reserva por ter liderado um movimento em defesa do aumento do soldo dos militares. Em 1987, uma reportagem da revista Veja revelou que o então capitão Jair Bolsonaro planejara colocar bombas de baixa potência nos banheiros da Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, no estado do Rio, e na adutora de águas de Guandu, no Rio de Janeiro. As ações visariam denunciar os baixos salários da tropa. Bolsonaro teria contado o plano para a revista, mas negou tudo quando a história veio à tona. A publicação entregou ao general Leônidas Pires Gonçalves, então ministro do Exército, todo o material, inclusive um mapa desenhado pelo capitão, com os locais onde os artefatos seriam colocados. O general acreditou na versão da revista e Bolsonaro, aos 32 anos, foi para a reserva. Só não foi expulso porque o Superior Tribunal Militar considerou o material “inconclusivo”. “A Veja me levou para o olho do furacão”, disse, afirmando que “90% do que foi publicado pela revista não era verdade.”

Sua aproximação com o Exército se deu na adolescência, em Eldorado Paulista, no Vale do Ribeira, para onde sua família havia se mudado depois de deixar a pequena Glicério. Quando menino, ele ajudava o pai, dentista prático, a fazer dentaduras e próteses – “eu era muito bom em esculpir dentadura”. Aos 12 anos, já era independente financeiramente: ganhava dinheiro com pesca e extração de palmito.

Carlos Lamarca montou uma base de treinamento para combater o regime militar no começo de 1970, justamente no Vale do Ribeira. Foi quando Bolsonaro tomou conhecimento da movimentação do guerrilheiro pela região. “Ele passou por lá, feriu seis soldados, fez o tenente Alberto Mendes Junior de refém e depois o matou a coronhadas, covardemente”, disse. A partir daí, Bolsonaro e outros garotos da região começaram a colaborar com o Exército. “Eu conhecia tudo daquela mata e passava informações para os soldados sobre as características do lugar.” Lamarca seria morto no interior da Bahia, em setembro de 1971. Em 1972, Bolsonaro fez um curso por correspondência para se capacitar como técnico eletricista e logo depois prestou concurso para a escola preparatória do Exército. Aprovado para a Academia Militar de Agulhas Negras, cursou educação física em 1983 e foi promovido a capitão. Casou-se com Rogéria, uma loura alta de olhos azuis, com quem teve os três filhos mais velhos. Serviu no interior do Mato Grosso, voltou para a Vila Militar no Rio, e de lá seguiu para a reserva.

Logo depois se candidatou a vereador, tendo como bandeira a melhoria dos salários dos militares. Fez sua campanha com pouquíssimos recursos e conseguiu se eleger. Seu filho, Flávio, o Zero Um, contou que o pai comprava camisetas e ele mesmo pintava seu número e seu rosto. Às vezes usava a imagem do Recruta Zero, personagem de história em quadrinhos. “Ele fazia tudo sozinho”, contou Zero Um, sem esconder o orgulho. Lembrou que o pai tirava cópias dos santinhos de campanha – igualmente confeccionados por ele – na máquina de xerox que um conhecido lhe emprestava.

O primogênito ocupa um gabinete no 5º andar do prédio da Assembleia Legislativa, no Centro do Rio de Janeiro. Como o pai e os irmãos, é louro e tem olhos azuis. Seus modos, no entanto, são mais relaxados. Assim que cheguei, entregou-me o cartão de uma filial na Barra da Tijuca da loja de chocolates Kopenhagen, da qual ele é dono. “A gente nunca sabe quanto tempo vai permanecer na política e é importante ter um plano B”, explicou.

Zero Um é formado em direito (embora não tenha a carteira da OAB), fez uma pós-graduação lato sensu em políticas públicas e concorre à eleição para prefeito do Rio, em outubro. Durante o primeiro debate entre os candidatos à prefeitura, promovido pela Rede Bandeirantes, Zero Um passou mal e quase desmaiou no ar. O mediador chamou às pressas o intervalo. Nos bastidores, Jandira Feghali, formada em medicina e também candidata, se prontificou a ajudar o rapaz. Bolsonaro impediu que ela tocasse em Zero Um: “Ela vai dar estricnina para meu filho”, gritou. Feghali reagiu, chamando Bolsonaro de “fascista, réu por estupro”. “Você não vai ser estuprada, não”, ele replicou. Zero Um teve que sair do debate. O pai o consolou à moda da caserna: “Tranquilo, Zero Um. Paga umas flexões aí”, disse ao filho que se recuperava sentado na plateia. O rapaz depois agradeceu a Jandira.

Por ter conhecimento jurídico, Zero Um costuma ajudar o pai nos projetos da Câmara. Um deles foi o de castração química para estuprador, que prevê a utilização de drogas para reduzir a libido. Flávio Bolsonaro evita se classificar politicamente. Ele se diz “do lado certo, do direito”. Tenta uma definição: “Eu sou liberal, sou a favor do mercado e de que as pessoas parem de depender do Estado. Isso não tem nada a ver com insensibilidade social.” E reclamou que a esquerda não dê aos Bolsonaro sequer a chance de serem de direita. “No debate raso, nos colocam, de forma preconceituosa, como de ultradireita, por sermos contra o que está aí. Somos rotulados de radicais, de intolerantes, de nazistas”, reclamou, como quem repete um mantra.

Ele define o pai como uma pessoa tranquila, engraçada, amorosa na intimidade familiar, ao contrário do avô Geraldo, pai de Jair Bolsonaro, que, segundo Zero Um, era uma pessoa rígida com os filhos e tinha problemas de alcoolismo. “Meu pai sempre nos defendia quando fazíamos alguma arte. Minha mãe é que era mais durona.”

 

Jair Bolsonaro fala initerruptamente e emenda um assunto no outro sem pausa para um gole de água. Na manhã em que o encontrei no gabinete de Zero Três, em Brasília, tratou também de explicar sua posição em relação aos homossexuais, que lhe valeram a pecha de homofóbico. Do seu ponto de vista, a esquerda passou a acusá-lo depois que ele se posicionou contra o que ficou conhecido como “kit gay” das escolas. O enfrentamento começou em 2011, quando a secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação, então comandado pelo ministro Fernando Haddad, preparou um kit anti-homofobia para ser distribuído em 6 mil escolas de ensino médio da rede pública. Além de três vídeos, o kit incluía um caderno, uma série de seis boletins e uma carta de apresentação aos educadores. Os vídeos, que custaram 3 milhões de reais aos cofres do ministério, foram elaborados com o apoio de ONGs ligadas à causa LGBT. Um deles, “Torpedo”, mostrava a relação afetiva entre duas adolescentes; outro, “Encontrando Bianca”, narrava a história de uma transexual; o terceiro, “Probabilidade”, comentava as vantagens de se experimentar um relacionamento bissexual.

Alertado do material, Bolsonaro armou um banzé no Congresso, ganhando a simpatia e o suporte da comunidade evangélica. Para o deputado, por trás de tudo existiria uma trama ardilosa da esquerda – o governo do PT queria jogar os filhos contra os pais para “esculachar a família e doutrinar os jovens para serem militantes do Estado”. Quando os vídeos vieram a público, já haviam sido desautorizados pelo ministro Fernando Haddad. Foram barrados pela Comunicação Social do ministério, que os considerou “impróprios e de mau gosto”, como me contou Nunzio Briguglio, então secretário de Comunicação do ministro. Por causa de sua decisão, Briguglio se desentendeu com as ONGs envolvidas no projeto. “Aquilo foi uma tremenda dor de cabeça”, disse. A presidente Dilma se reuniu com a bancada evangélica e anunciou que o material seria vetado. Haddad foi chamado a se explicar e, apesar de dizer que o material não era oficial, o estrago já estava feito.

Bolsonaro ficou tão alterado ao falar do assunto que o filho precisou lhe pedir calma. Ele fez uma breve pausa e continuou. “Tô me lixando se é gay ou não. Eu não tenho um comando de caça aos gays. O que um pai não quer é ver o filho de 6 anos brincando de boneca por influência da escola.” E manteve o mesmo tom exaltado ao referir-se novamente ao objeto de seu maior ódio: “O PT se agarrou na teta da vaca feito berne.”

O assunto migrou para o MST, outro inimigo de Bolsonaro: “Se depender de mim, proprietário rural vai ter fuzil em sua propriedade para combater o MST.” Em suas viagens pelo interior do país, principalmente Goiás e Mato Grosso, onde o agronegócio – uma de suas bases – é mais expressivo, a plateia vai ao delírio quando o deputado grita outro de seus bordões: “Cartão de visita para marginal do MST é cartucho 762.” Ele não se preocupa em ser acusado de incitar a violência. “Me processem por apologia ao crime. Crime comete quem invade propriedade privada e não quem a protege.”

Bolsonaro acredita que as propostas da esquerda no Congresso visam atingir a propriedade privada. Cita a Emenda Constitucional 81, de 2014, que trata do trabalho escravo: o proprietário que adotar tal prática perde a propriedade. “Eu sou contra o trabalho escravo, mas não posso admitir a perda do bem, que acaba por punir toda a família pelo erro do dono.” Propostas como essas, segundo ele, criam enorme insegurança no tocante à propriedade privada, que na sua cartilha é sagrada. Por isso ele postula que “cada cidadão de bem tenha uma arma para se defender”.

O economista e cientista político Eduardo Giannetti, autor do livro Trópicos Utópicos, chama a atenção para o discurso do medo, típico da direita em todo o mundo, e aqui encampado por Bolsonaro. Ele elencou quais, em sua opinião, seriam os medos que acometem os cidadãos mundo afora. Na sua lista entram o colapso financeiro, a inflação, o desemprego, o terrorismo, a imigração, a mudança climática e a destruição dos valores familiares. Esses temores tenderiam a ser atiçados pelos candidatos da direita, que então se apresentam como garantia do conforto e da segurança de que as pessoas necessitam. É um discurso que mexe com o sentimento mais fundo do ser humano. “Quanto mais ameaçador o candidato pinta o futuro”, diz Giannetti, “mais fácil fica vender a ideia da ordem, da rigidez, da segurança, da polícia.” Ao estimular o medo de que os valores familiares estão por um fio, a segurança está ameaçada, a propriedade está em risco, esses políticos se apresentam como a salvação da pátria, o líder que evitará o esfacelamento do mundo ao redor. É o caso de Donald Trump nos Estados Unidos.

 

A atuação parlamentar de Bolsonaro no que se refere à aprovação de emendas é pífia. Em seus 26 anos na Casa, ele propôs e aprovou raros projetos, a maioria de pouca ou nenhuma relevância. O de maior repercussão e que lhe garantiu certa notoriedade foi o que determina a impressão em papel do voto da urna eletrônica. “É a única forma de os partidos controlarem a fraude eleitoral”, afirmou.

No entanto, quando circula pelos corredores do Congresso, o deputado ganha status de pop star junto aos visitantes. Qualquer que seja o trajeto, ele é interrompido inúmeras vezes para fotos ou vídeos. Homens e mulheres, sobretudo jovens, logo se aproximam e não se acanham em declarar sua admiração. Bolsonaro sorri, faz o sinal de positivo ou então o gesto que virou sua marca registrada, simulando empunhar um fuzil. Os jovens adoram a performance e a imitam nas fotos. Em suas caminhadas pela Casa, quase sempre tem a companhia de Eduardo, ou Bolsonarinho, como Zero Três é chamado pelos pares.

Naquela tarde de julho, após uma visita ao pastor Everaldo, o deputado foi abordado por um grupo de jovens da Igreja Nova Aliança, de Santa Catarina. Ele repetiu seu discurso contra a educação sexual que busca “perverter as crianças nas escolas” e se queixou do processo movido contra ele no STF por Maria do Rosário. “Querem me tirar de combate”, disse. Uma jovem sugeriu: “Estão com medo de 2018.” Elias Lisboa, líder do grupo, um rapaz alto e magro, propôs uma oração para pai e filho. Fizeram um círculo em volta dos dois e oraram para que todo o mal se afastasse deles. De lá, Bolsonaro e Bolsonarinho seguiram para uma festa junina organizada no gabinete da presidência do PTB, partido do qual Bolsonaro já fez parte.

 

Num sábado, no final de julho, Bolsonaro foi a Bangu, na Zona Oeste carioca, participar da convenção do PSC que referendou a indicação de Flávio Bolsonaro para concorrer a prefeito do Rio, e de algumas dezenas de candidatos a vereador. No palco do Bangu Atlético Clube, os candidatos a vereador se revezavam. O salão do clube, enfeitado com balões verdes e brancos, a cor do partido, estava lotado de famílias com crianças. O nome de Deus era evocado quase todo o tempo. Também se falou em resgate dos valores humanos, respeito às famílias e falta de segurança.

Quando a chegada de Jair Bolsonaro foi anunciada, a plateia vibrou. Ao se dirigir ao palco, ele foi agarrado e fotografado, ovacionado com o brado “mito, mito”, ou então “Bolsomito”, que é como seus apoiadores se referem a ele. Anderson Bourner, um rapaz gorducho e sorridente, candidato a vereador, estava atento aos movimentos do deputado. Ele havia me dito ser de direita e reclamou do autoritarismo da esquerda. “A esquerda quer dividir as pessoas entre pobres e ricos, brancos e negros, gays e héteros.” E completou. “Eu tenho amigos gays de direita que apoiam Bolsonaro. Essa história de homofobia é invenção para desmoralizá-lo.”

A cabeleireira Charlo Ferreson, uma mulher jovem, de cabelos louros encaracolados, estava eletrizada com a presença do deputado. Uma das líderes do movimento Revoltados Online, ela se diz “anti-PT” e contou ter ajudado na convocação das pessoas para apoiar o impeachment de Dilma. Durante as manifestações de 2013, Ferreson disse que participou do Ocupa Cabral, um movimento de jovens que acamparam em frente ao prédio do então governador do Rio, Sérgio Cabral, para protestar contra o seu governo.

Agora ela e seu grupo divulgam na internet as viagens do deputado pelo Brasil, o que ajuda a lotar o saguão dos aeroportos onde ele aterrissa. Perguntei por que ela apoiava o deputado. Ele era a voz da direita, disse, e tinha um discurso em defesa do trabalho, da família, do empreendedorismo, tudo o que ela supunha que a esquerda renegaria. “A esquerda nos olha com preconceito. Nos rotula de conservadores e despreza os nossos valores, como se só eles tivessem razão em tudo”, reclamou. Além disso, ela, assim como Bolsonaro, era contra a vitimização dos pobres. “Eles sempre acham que pobre é coitado.” E acusou o programa Bolsa Família de sustentar vagabundos.

No palco, Bolsonaro pegou o microfone. Em poucas palavras, afirmou que o Brasil era uma potência mineral, mas não aproveitava seus recursos, ao contrário do Japão e da Coreia, que não tinham nada e faziam tudo. Criticou a corrupção, disse que sua missão era ajudar a melhorar o país e se apresentou como candidato. “Ser presidente da República é uma missão, e não uma obsessão.” Encerrou o discurso sob aplausos ao dizer que “A esquerda pode me acusar de tudo, menos de…”. E a plateia respondeu em coro: “Corrupto!”

Chama atenção entre os seguidores de Bolsonaro a segurança com que se dizem de direita. Nos anos 60, Nelson Rodrigues, que se classificava como “o único reacionário do Brasil”, zombava dos compatriotas conservadores que se apresentavam como liberais. “O brasileiro só é de direita trancado no quarto e de luz apagada”, provocava o escritor. O historiador Daniel Aarão Reis Filho, sem a ironia de Rodrigues, segue a mesma linha. Para ele, a sociedade brasileira foi sempre muito conservadora, embora o pensamento de direita estivesse relativamente oculto. E isso em parte teria a ver com o fato de que, até pouco tempo atrás, ser de direita se associava à ditadura. Essa saída do armário, para Reis, não deixa de ser uma novidade. “As direitas, por aqui, sempre recusaram este rótulo. Esta negação distorcia a realidade e gerou, em muita gente, uma espécie de autossatisfação, a ideia de que a democracia no Brasil estava consolidada e de que a direitização da sociedade fosse coisa do passado.”

Outra razão para esses grupos se manifestarem tem a ver com o fracasso de algumas políticas de esquerda. “Ao abandonar as perspectivas reformistas, em particular a ideia de reforma política ao longo de catorze anos de poder, o PT e as esquerdas não ganharam a respeitabilidade almejada junto às elites sociais e políticas”, analisa Reis. Ao mesmo tempo, as esquerdas não implementaram mudanças profundas em áreas centrais como a saúde e a educação. Na visão do historiador, o PT perdeu a perspectiva reformista e se acomodou ao velho padrão da política corrupta.

À saída do evento no Bangu, Bolsonaro se dispôs a conversar comigo. Postou-se embaixo da marquise do supermercado em frente ao clube. Estava impaciente. Logo um círculo se formou a nossa volta e dois jovens do movimento Direita Já, de Minas Gerais, começaram a filmar a entrevista. Pedi que não divulgassem nada no blog deles. Um deles respondeu: “Não vamos publicar. A direita tem palavra.” Perguntei a Bolsonaro sobre seus planos para a economia, caso chegasse à Presidência. Em tom de discurso, ele discorreu sobre algumas de suas propostas. Falou da necessidade de redução da carga tributária, que terá o efeito de aumentar a produção, e defendeu a propriedade privada. Quando lhe perguntei sobre a taxa de juros, criticou o atual presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, por insistir em mantê-la alta. Atrapalhou-se com o nome dele. “O Goldchain, Gold, não sei falar o nome direito”, admitiu – e continuou. “Ele saiu de uma instituição ganhando 5 milhões de reais líquidos por ano e foi ganhar 33 mil por mês. E manteve a taxa em 14,25%”, falou, insinuando, dessa forma, que o comprometimento de Goldfajn com os bancos privados era uma das razões para ele não baixar os juros.

E o que o candidato pensava fazer sobre essa questão? Seria preciso conversar com a sociedade e não impor certas reformas, “como Temer quer fazer agora”, disse. Quando questionei se o ajuste nas contas não seria imperioso, irritou-se. “Você está numa linha de me colocar na parede, mas eu não vou entrar na tua linha.” Expliquei que minha intenção era saber como ele pretendia conduzir a economia caso assumisse a Presidência. O pastor Everaldo, que acompanhava a cena à distância, aproximou-se, preocupado com a alteração de humor do correligionário.

Sempre em tom de discurso, o deputado apresentou-me algumas soluções para o país. A exemplo de Israel, seria preciso dessalinizar águas marinhas para irrigar o sertão nordestino: “A transposição do rio São Francisco não vai dar conta de atender toda aquela população.” E encolher o Estado por meio de privatizações das estatais. Nesse momento, Everaldo o interrompeu, lembrando que nas últimas eleições, quando candidato, havia defendido a privatização da Petrobras. Bolsonaro não o acompanhou: não estava em seus planos privatizar a petroleira.

Sobre as dificuldades que teria, vindo de um partido pequeno, sem muita expressão no Congresso, em conduzir mudanças da magnitude de uma reforma tributária ou de um programa de privatização, Bolsonaro foi mais uma vez direto: “O povo que votar em mim vai ter que votar em candidato a deputado e senador com perfil semelhante para que as mudanças possam ser feitas.”

Ele voltou a se alterar quando o lembrei do elogio que dirigira a Eduardo Cunha na votação do impeachment de Dilma: “Eu falei, ‘pela forma como conduziu os trabalhos da Casa, parabéns, Eduardo Cunha’”, me corrigiu e, quase aos berros, continuou: “Tu ouviu o meu voto? Ou tu acha que se fosse o Arlindo Chinaglia ele teria despachado o pedido para uma comissão especial?” Chinaglia, deputado do PT, havia disputado com Eduardo Cunha a presidência da Câmara.

Um pouco menos agitado, disse que era preciso reconhecer o trabalho de Cunha também na PEC da Bengala, a emenda à Constituição que aumentou a idade de aposentadoria dos ministros do STF. Dessa forma, Dilma Rousseff se viu impedida de nomear novos ministros para as vagas que se abririam na Corte, suspensas após a aprovação da emenda. “Ela ia colocar mais três no Supremo. Imagina no Supremo Cardozão, Wadih Damous [1] e mais um, quem sabe a senadora Gleisi Hoffmann?”, disse. “Ia ter um Supremo pior que o da Venezuela. E você, jornalista, ia ser a primeira a perder o emprego porque a primeira coisa que as ditaduras fazem é calar a imprensa.” Por fim, sentenciou: “Vocês da mídia, em grande parte, são uma esquerda burra, porque não percebem que vão ser as primeiras vítimas dessas ditaduras.”

 

A sede do PSC ocupa um andar de um prédio antigo no Centro do Rio. No começo de agosto, Bolsonaro me recebeu na sala de reuniões de decoração espartana. Parecendo animado, chegou acompanhado de seu motorista e segurança, um ex-soldado paraquedista. Brincou que aceitara uma nova entrevista por ordem do pastor Everaldo. “Ele é pior que militar. Quase me obrigou a fazer quinze agachamentos.” Interrompeu a conversa para atender o celular. Cabeça, um de seus assessores (todos têm apelidos), enviava um vídeo sobre a participação do deputado numa cerimônia de entrega de espadas aos novos generais, no Clube do Exército, em Brasília, naquela manhã. Ao mostrar o vídeo recém-editado, ele apontou para o deputado pelo PT de São Paulo, Carlos Zarattini, ao lado dele, disparando mensagens pelo WhatsApp na hora da cerimônia. “Olha aí esse cara do PT, um imbecil.” Ligou para o assessor. “Não gostei, Cabeça. Bota aí mais imagens minhas com o [Raul] Jungmann e com o general Enzo [Peri] e tira um pouco as da cerimônia.”

O vídeo acabou dando ensejo a novos ataques à esquerda. Dessa vez o alvo era a “queridíssima secretária de Direitos Humanos Flávia Piovesan”, disse, sarcástico. “Essa aí está na cota da filha do Temer, que, dizem, é simpatizante do PT.” Segundo ele, Piovesan teria se manifestado a favor da revogação da Lei da Anistia e pela punição dos militares que durante a ditadura enfrentaram a guerrilha do Araguaia, um movimento armado organizado pelo PCdoB, no Pará, nos anos 70. “Olha que petulância”, ele comentou. Após a cerimônia matutina, Bolsonaro reclamou com Jungmann, o ministro da Defesa: a secretária havia se posicionado contra a medida que dava foro privilegiado aos militares que participavam da segurança da Olimpíada e que porventura se envolvessem em algum crime durante o evento. Ela propunha que eles fossem julgados pela Justiça comum, não a militar, o que Bolsonaro considerou uma sandice. “Imagina se acontece um tumulto e o militar dispara sem querer contra um civil. Vão querer julgá-lo na Justiça comum, ele vai ficar ao sabor da mídia e puxar trinta anos de cadeia.”

Ao retomar a pauta de seus projetos para a nação, Bolsonaro deixou claro que sustenta posições muito próximas às defendidas pelo regime militar. É favorável, por exemplo, à construção de hidrelétricas e à exploração dos minerais no subsolo brasileiro, alertando que reservas indígenas são um entrave às medidas: “Não se pode fazer uma hidrelétrica para beneficiar o estado de Roraima porque o rio está em área de reserva. Também, pelo mesmo motivo, não se pode explorar riquezas minerais no subsolo.” E empregou o discurso do medo. “Sabe o que vai acontecer? Como aquilo é território dos índios, daqui a pouco eles vão querer se separar do Brasil. E já tem um monte de estrangeiros mapeando nossas riquezas, travestidos de ONG” Fez uma ligeira pausa, como se refletisse. “Garanto que já vão me acusar de querer matar índio por causa das minhas ideias.”

Sem constrangimento, o deputado anuncia que todas essas restrições serão revistas caso ele seja eleito em 2018. “Nós tivemos que entubar o PCdoB no Ministério da Defesa”, disse, referindo-se ao período em que a pasta foi ocupada por Aldo Rebelo, um dos líderes do Partido Comunista do Brasil. “Mas, se eu chegar à Presidência em 2018, vou colocar nosso pessoal lá.” Na Defesa? “Não só na Defesa, mas no ministério todo. Não vai ter espaço para gente de outra ideologia. O PT nunca botou um general em lugar nenhum. Por que eu vou ter que botar alguém da esquerda no meu ministério?” E foi definitivo: “Não quero negociação com PT, PCdoB e PSOL. Eu espero que sejam varridos do mapa.” Uma vez na Presidência, não teria que negociar com todas as legendas? “O perfil do próximo Congresso vai ser mais à direita. E não vai ter filhinha de papai pedindo cargo para a amiguinha”, disse, afinando a voz.

 

Bolsonaro não abre um livro há muito tempo. Diz ler apenas os jornais. Também alega falta de tempo para ir ao cinema ou a eventos culturais. Sua preferência musical recai sobre Agnaldo Timóteo. “Gosto dele.”

Na política, tinha dois ídolos até pouco tempo atrás. A primeira-ministra alemã Angela Merkel era um deles, mas caiu no seu conceito quando abriu as fronteiras do país aos refugiados sírios. “Veja bem”, frisou, “não sou contra refugiados. Mas não se pode abrir as fronteiras indiscriminadamente, sem qualquer controle, porque entra gente de bem, mas entra também muita gente ruim.”

Voltou-se para o caso brasileiro. “Quem me garante que esses cubanos que estão aí são todos médicos? E se tiver terroristas entre eles? Qual o controle que nós temos? Nenhum, nem no que se refere à competência profissional, porque eles sequer passam pelo exame de revalidação do MEC.” Quando me contrapus a essa suspeita, alegando ser um exagero falar em terrorismo, Bolsonaro olhou para o motorista no canto da sala e, sorrindo e apontando o queixo para mim, recitou: “Se queres a paz, prepara-te para a guerra”, provérbio latino que serviu de mote ao fabricante da pistola Luger. “Temos que estar preparados para o pior.” Continuou desfiando suas preocupações com a imigração, dessa vez citando o caso dos haitianos que entraram em massa no Brasil. “Nós não temos condições de absorver todas essas pessoas, não temos emprego, não temos estrutura. Isso vai ser um problema.” Comentou que, ao tentar explicar seu ponto de vista durante uma coletiva, um jornalista o provocou dizendo que se os imigrantes fossem suecos ele não protestaria. “E algum sueco vai querer vir pra esse fim de mundo, idiota?”, foi a sua resposta. “Agora, se eu critico essas políticas, me chamam de xenófobo. Atenção, eu não sou contra imigrante, sou contra a entrada sem controle deles no país”, ressaltou.

Quanto a seu outro ídolo, o general Garrastazu Médici, Bolsonaro não tem reservas. “Ele foi um excelente presidente, fez quinze hidrelétricas e acabou com a guerrilha do Araguaia, evitando que se tivesse Farc na selva brasileira.”

 

No dia 6 de agosto, por volta das seis e meia da tarde, Bolsonaro rumou para Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, ao volante de seu Land Rover blindado. Naquele sábado o deputado participaria da festa de convenção do PMDB que anunciaria o candidato a prefeito do município de 800 mil habitantes. Dois dias antes, uma coligação de dezessete partidos, incluindo o PSC e o PT, fechara apoio ao nome do atual prefeito, Nelson Bornier, para se candidatar à reeleição. Além de Bolsonaro, viajavam no carro o sargento Hélio Lopes, vulgo Hélio Negão, candidato a vereador pela cidade, e o assessor de imprensa de Bolsonaro, Waldir Ferraz, funcionário aposentado da Marinha Mercante. Amizades da época de quartel.

Durante o trajeto, ele alertou o sargento, um homem negro, alto, forte e de jeito simples, sentado ao seu lado: “Se chegarmos lá e só tiver bandido, não temos que nos meter. Isso é problema deles. Meu objetivo é falar para as 3 mil pessoas que devem comparecer ao local. Vou falar ‘O Brasil tem jeito, tem cura’, e vou embora”, disse. Nelson Bornier é próximo ao deputado Eduardo Cunha e é investigado na Lava Jato.

O deputado não vê incoerência no fato de ser avesso à corrupção e, ao mesmo tempo, celebrar um candidato investigado pela Polícia Federal. “Se eu for escolher só os puros, não vou a lugar nenhum”, afirmou com pragmatismo. “É que nem procurar virgem em área de baixo meretrício. Na Câmara não tem santo. Se aparecer um, botam uma cruz em cima dele. Até eu tenho processo no Supremo.” Estacionou o carro na frente do centro esportivo de Nova Iguaçu e logo uma pequena multidão se aglomerou à sua volta, pedindo selfies. Um jovem deu suas razões para apoiar o deputado. “Ele não vitimiza bandido”, disse. “Eu sou da comunidade e não aguento mais tanto bandido aqui ameaçando a gente.” Outro rapaz, de brinco e cabelo comprido, postou-se ao lado do deputado, que se espantou com sua aparência. O jovem reagiu com bom humor. “O senhor acha que direita não usa cabelo grande?”

No meio da multidão, Bolsonaro foi saudado até pela neta de Leonel Brizola, Maria Inês, candidata a vereadora, que quis ser fotografada a seu lado. Ao ver a cena, Rodrigo Brasil, jovem empresário candidato a vereador e fã do deputado, não resistiu. “O Brizola deve estar se revirando no túmulo.”

Enquanto Bolsonaro era arrastado para o palco, Ferraz, seu assessor, um homem de cabelos brancos e malícia carioca, brincou: “Imagina quanto pão com mortadela não foi distribuído aqui hoje”, referindo-se aos cabos eleitorais convocados para ovacionar Bornier. Quando o deputado subiu ao palco, quase três horas depois de sua chegada, foi saudado novamente com o grito de guerra: “Mito, mito!”

Só conseguiu se desvencilhar da tropa de fãs e embarcar no carro às nove e meia da noite. Ligou o rádio que noticiava a crise de segurança no Rio Grande do Norte, causada por uma rebelião nos presídios do estado. Entrevistado, Raul Jungmann afirmava que as Forças Armadas haviam sido enviadas à capital para garantir a ordem. Bolsonaro não se conteve. “Quando a barriga tá doendo é que se lembra das Forças Armadas. Fora isso é ditadura, Araguaia.” O noticiário informou que dois homens que tentavam assaltar uma loja de celular em Natal tinham sido mortos pela polícia. “Agora começa a resolver a situação”, comentou em voz alta.

Bolsonaro parecia feliz com o evento daquela noite. Falou das suas chances de se eleger presidente. “O Lula vai ser preso, o Aécio está levando tiro político. Não que eu queira denunciar alguém. Já basta ter que votar pela cassação de Eduardo Cunha. Mas, com esse quadro, minhas chances aumentam.” Explicou por que se sentia preparado para governar o país. “Bota eu, o Lula e a Dilma numa sala e aplica a prova do Enem. Se eu não tiver uma nota mais alta que os dois juntos, não estou preparado.” E gargalhou.

O carro entrou na avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, àquela altura já cercada devido à programação dos Jogos Olímpicos. A cena o fez rememorar seus tempos de atleta, no Exército. Perguntei se sentia saudade. “Era gostoso, tinha companheirismo, amizade. Na política só tem crocodilo do teu lado.” Depois externou um pensamento que parecia preocupá-lo. “Se pegarem o Bornier na Lava Jato, a mídia vai cair de pau em cima de mim.” Bolsonaro parou o carro na guarita do condomínio de casas onde mora, à beira-mar, para que eu descesse. Despediu-se e fez um apelo. “Veja o que você vai escrever sobre mim. Por favor, não destrua um sonho de 25 anos.”

[1]  José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça de Dilma Rousseff e seu advogado na votação do impeachment. Wadih Damous, ex-presidente da OAB do Rio de Janeiro e deputado pelo PT do estado.

* Correção em relação à edição impressa