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poesia

Nove poemas em prosa

Airton Paschoa | Edição 81, Junho 2013

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POUSADA
Você sofria de amor, quem não via? Casta e recatada como a ilha em face da pousada, você lia, você sofria, você amava. Ou quem sabe nem amava mais, tão exausta andava, mal caminhando até a praia. Com o mar a morrer-lhe aos pés, você não lia, não sofria, não amava. Você pousava.

 

PONTO PACÍFICO
A gente vai até certo ponto. Além dele, tem a esquina, você sabe, e vai cada um do seu lado. E isso não é bom, ou talvez seja, quem sabe. Porque sempre voltamos. E isso é bom, dependendo do ponto de vista. Só que tem vezes que a gente quer ir desesperadoramente mais longe, não sei por que raio, e sai um arrastando o outro, sem olhar de lado. Isso não é bom. Ou vai ver que é, sabe Deus. O fato é que voltamos sempre um pouco mais desapontados. E isso pelo menos parece pacífico.

 

ENTRE AS PERNAS
De afeição não é, tampouco de desejo, nem sequer de simpatia, é de pura aferição. O olhar alheio constata simplesmente nosso ridículo essencial e incontornável. As calças, como se sabe, não servem a fim distinto. Boa parte dos semelhantes ocultam-no; parte boa, no mínimo, insinuam-no. É o que nos une e divide. Todos o temos, e nossa condição deve muito a sua condução. Flanqueado ou franqueado, ele está no meio de nós. O tato me dita mantê-lo entre as pernas… Falo do velho rabo, não me entendam mal. Mesmo nas horas incômodas que escrevo sobre ele.

 

EMPREENDEDORISMO
Sim, acordou com ela ou ela a acordou, sabe Deus, uma ideia pequena, sim, pequena, mas pequenas ideias, grandes negócios! e atira a manta como quem tira o manto e mete o pé cama afora como quem dá um passo gigantesco para a Humanidade. Foi quanto bastou. A coluna travou na hora, e o gigante mal pôde se achar no chão. Ela tinha razão em lavar as mãos. Precisava levar mais a sério o pilates.

 

DIREITO DE RESPOSTA
Exato, com este carro! Não obstante o veículo, dos mais módicos da praça, por sinal, não temos dinheiro. Quero dizer que não detenho numerário bastante a ponto de poder distribuí-lo por todos os faróis da cidade, ora! Custoso de entender? Não tinha entanto tempo de explicar-lhe. O farol abriu. E nem sei também se daria pra abrir-lhe a cachola. Fundi-la-ia – escandidamente. Talvez as pernas apenas, contando que não estivessem tão imundas como a cara.

Tamanha atrocidade só me passou pela cabeça, não pelo corpo, claro, que se manteve frio, limpo e coberto.

 

ATV
Foi assim de repente, desculpem-me, acho que vendo o jornal da noite. Travou. Acham que foi AVC e não a tevê. E não destrava mais. Fiz de tudo. Pensei até em plástica, mas o próprio médico, não sei como dizer, sorriu. A solução final, também cogitei, mas só de pensar no que podiam fazer com o meu rosto… É só por isso, por favor, não sorriam, só por isso que sorrio.

 

DADO
Não deu. Não sei exatamente por quê, mas não deu. Não sei se foi impossibilidade minha, impossibilidade exclusivamente pessoal, medo de me atirar e pronto. Não sei se foi impossibilidade de jogar, rolaram tantas coisas! impossibilidade histórica e ponto. Não sei se foi metafísica – a Impossibilidade. Não havia cartada decisiva. A manga estava vazia. (Como vazia está a praça, a página.) O fato é que não deu. E podia ter dado.

 

MIMESE
Escorre-lhe da cara e pinga na página. O poeta, enjoado, corre na janela e gospe. Não mudando de direção o vento, torna a sentar, a cara mais escarrada do mundo.

 

VATICANO
Depois do cânon e do subcânon e do anticânon, temos fé que finalmente raiará o dia de juízo nosso, – dos pobres de espírito que se fiaram na prosa e entraram pelo cano.