questões literárias
O grau zero da linguagem
Como resistir às fake news
Salman Rushdie
“Que é isso? Estás louco?”, Falstaff pergunta ao príncipe em Henrique IV (Parte I) de Shakespeare. “A verdade não é a verdade?” A piada, claro, é que Falstaff vem mentindo descaradamente, e o príncipe está prestes a desmascará-lo.
Numa época como a atual, em que a própria realidade parece estar sob ataque por toda parte, a noção dúbia que Falstaff tem da verdade parece ser compartilhada por muitos líderes poderosos. Nos três países com os quais tenho me importado ao longo da vida – a Índia, o Reino Unido e os Estados Unidos –, com frequência falsidades criadas por interesse próprio são apresentadas como fatos, ao passo que à informação mais confiável confere-se a pecha de fake news. Os defensores do real, no entanto, na tentativa de conter a torrente de desinformação que nos inunda, muitas vezes incorrem no erro de engrandecer o passado, saudosos de uma época de ouro na qual a verdade era inconteste e universalmente aceita – e argumentam que precisamos retornar a esse bem-aventurado consenso.