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    ILUSTRAÇÃO: KLEBER SALES

despedida

Os pretos, os brancos, os amarelos e as verdinhas

O mundo colorido de João Havelange

Daniela Pinheiro | Edição 120, Setembro 2016

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Naquele maio de 2011, Zurique, sede da Fédération Internationale de Football Association, a Fifa, estava mais uma vez infestada de cartolas. Dali a poucos dias, dirigentes esportivos do mundo inteiro concederiam um quarto mandato à frente da instituição para o suíço Joseph Blatter – ainda que em meio a um burburinho envolvendo denúncias de compra de votos. Os donos do futebol lotavam o luxuoso hotel Baur au Lac, mas João Havelange, o homem que mandou na organização por ininterruptos 24 anos, de 1974 a 1998, que fez de Blatter seu sucessor e transformou a arte do gramado num negócio bilionário e duvidoso, preferia o discreto Savoy Baur en Ville – sem o bafafá da imprensa e sem vista para o magnífico lago que leva o nome da cidade. “Aqui ninguém me incomoda. O ruim é que não tem piscina”, me disse numa sala sem graça do hotel, bebendo água com gás. Falávamos de seu ex-genro Ricardo Teixeira, então mandachuva da Confederação Brasileira de Futebol, a CBF, sobre quem eu escrevia um extenso perfil. Àquela altura, apesar dos prognósticos contrários da mídia, Havelange não tinha dúvidas: “Vai ser o próximo presidente da Fifa.”

O velho cartola conservou, ao longo do encontro, uma aura distante e misteriosa – impessoal e imprevisível, como a de um clérigo. Altíssimo e metido num elegante terno escuro, tinha os olhos muito azuis, a boca rasgada para baixo, as mãos de dedos compridos salpicadas de pintas, a memória prodigiosa e a voz rouca e pausada, própria de quem já disse tudo. Sem contar uma indefectível mania de falar por sofismas, fazendo perguntas para as quais já possuía as respostas, de modo que o interlocutor corroborasse sua conclusão por conta própria. Ele estava com 95 anos. Eu, com 38. Ainda assim, insistia em me chamar de “senhora”. Quando disse que dispensava a cerimônia, respondeu que preferia mantê-la. O pronome de tratamento lhe era útil. A distância que o termo nos impunha acabaria imprimindo o tom de toda nossa conversa.

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