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    No guichê, anunciamos que pretendíamos chegar à Patagônia. O atendente franziu o cenho e arrancou as passagens da impressora com um rasgo. “Vocês já estão na Patagônia”, respondeu FOTO: WWW.ANDYLEE.COM

ficção

Patagônia

Um relato de viagem

Alejandro Chacoff | Edição 136, Janeiro 2018

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Por muito tempo, achei que eu escreveria diários e relatos de viagens. Foi isso que eu disse ao meu chefe quando, aos 28 anos, pedi demissão do emprego. Eu vivia em Londres e ganhava um dinheiro bom (mas não tão bom quanto a minha família achava); de resto, era como qualquer outro emprego. Eu nunca havia escrito uma linha sequer. Precisava encontrar alguma abstração pretensiosa para me tranquilizar. “Vou escrever um romance” era uma frase cômica e, na Inglaterra, um clichê (qualquer idiota com meio diploma de Oxford queria secretamente fazer isso). Certa vez, num evento do escritório, eu disse, com tranquilidade fingida e concisão cínica (mas com um orgulho pomposo e verdadeiro): “Irei escrever.” Até os mais bêbados no Queen’s Head me olharam com pena; depois, a aniversariante – pálida e com manchas rosadas no pescoço, efeito da bebida – sugeriu, em tom jocoso, que já há algum tempo ela planejava escrever as suas memórias de prostituta na infância.

O meu chefe tinha uma papadinha no lugar do queixo, e as suas abotoaduras, que brilhavam histericamente nas camisas discretas de tom rosa pálido, sempre me davam um sentimento difuso de tristeza. Alguém me havia dito que desde a Carta Magna a sua família era dona de metade da Escócia. Dado o fetiche inglês por subestimar as coisas, suponho que ele tinha ainda mais terras. Quando eu me demiti e disse que escreveria “diários e relatos de viagens”, experimentando essa nova expressão abstrata da qual eu começava a gostar cada vez mais, ele não enrubesceu como de praxe. Apenas mexeu as sobrancelhas e perguntou, num tom ansioso: “Você já conseguiu um agente?” Talvez ele também quisesse escrever.

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