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    Com o colapso da política local, a vereadora Inês Weizemann virou a "Designated Survivor" do Paraná FOTO: JEAN OLIVEIRA

questões brasileiras

Não sobrou ninguém

Como uma ex-vendedora da Mary Kay ocupou quatro cargos – até o de prefeita – em Foz do Iguaçu em apenas dois dias

Roberto Kaz | 09 maio 2017_15h14
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A vereadora Inês Weizemann, do Partido Social Democrático do Paraná, poderia constar do livro dos recordes. A façanha alcançada por ela – uma neófita na vida política nacional – é exclusivíssima. Em apenas dois dias, ela ocupou quatro cargos públicos em Foz do Iguaçu,  que foi arrasada por um escândalo de corrupção sem precedentes. Na segunda-feira passada, dia 1º de maio, passou de prefeita para presidente da Câmara. Na terça, renunciou à função e voltou a ser vereadora. “Foi quando fui nomeada secretária de Saúde. Era a vaga que eu almejava”, comentou por telefone.

Weizemann é um personagem improvável, cuja história remete à do personagem vivido pelo ator Kiefer Sutherland em “Designated Survivor”. Na série americana, disponível no Netflix, Sutherland vive um ministro sem importância, à beira da demissão, até que um ataque terrorista ao Capitólio mata o presidente, o vice, o presidente do Congresso e todos os outros ministros dos Estados Unidos. Por ser o único membro da cúpula federal ausente do Capitólio, Sutherland é obrigado a assumir a presidência do país. (Uma curiosidade: a figura do “designated survivor” – sobrevivente designado – de fato existe na política americana; a cada ano o presidente nomeia um ministro para ocupar o posto no dia em que todos os membros do governo se reúnem no Capitólio).

Em janeiro, Inês Weizemann se tornou a sobrevivente designada com toques de jabuticaba nacional. O atentado terrorista, no caso, era um escândalo de corrupção que resultara na prisão de um ex-prefeito e doze dos quinze vereadores da legislatura anterior. Como se não bastasse, o prefeito eleito, Paulo Mac Donald, do PDT, teve a candidatura impugnada depois de vencer o pleito municipal. O resumo da ópera era que Foz do Iguaçu começava 2017 sem prefeito e sem um terço dos vereadores (aqueles que, apesar de reeleitos, continuavam encarcerados).

Foi assim que ela acabou eleita presidente da Câmara Municipal – cargo que, na falta de um alcaide, a promovia automaticamente ao comando interino da cidade. Ou seja: em 1º de janeiro de 2017, Weizemann foi empossada ao mesmo tempo vereadora, presidente da Câmara e prefeita de Foz do Iguaçu – e tudo isso sem jamais ter sido eleita a um cargo público antes.

Tive dor de cabeça, fiquei assustada”, disse-me em fevereiro, quando escrevi uma reportagem para a piauí. “Eu não queria nem função na Mesa Diretora, por medo das negociações, do histórico de corrupção na Câmara.” A inexperiência, ironicamente, acabou por gabaritá-la ao cargo. Como era desconhecida até entre os vereadores, Weizemann foi a única a ter rejeição zero durante a votação de quem presidiria a Casa.

Antes de ingressar na vida política, ela foi auxiliar de enfermagem – o que lhe rendera o nome de guerra “Inês da Saúde”, usado por ela durante a campanha. Nos últimos tempos, no entanto, dedicava-se a vender cosméticos da marca Mary Kay. Durante uma conversa, ela havia me confidenciado que seu sonho era ganhar um carro rosa – bonificação da marca às vendedoras mais eficazes. “Em Foz do Iguaçu tem oito”, acrescentou. O sonho foi adiado para que assumisse a prefeitura.

Quando estive na cidade, Weizemann acabara de completar um mês de mandato. “Nunca almejei estar onde estou”, disse, no plenário da Câmara, durante a sessão de abertura do ano legislativo. “Mas tenho trabalhado em torno de vinte horas por dia. E faço um pedido: não me deixem errar.” Seu caso parecia ter um quê de Forrest Gump, para quem as coisas aconteciam não por obra dele – mas apesar dele.

Durante quatro meses, Weizemann ocupou a prefeitura. Desde 1º de maio, Foz do Iguaçu passou a ser comandada por Chico Brasileiro, escolhido numa eleição extraordinária realizada um mês atrás. Dias depois, telefonei para Weizemann, para saber como ela via sua rápida passagem à frente do executivo. “Deleguei muito, e nomeei muito funcionário de carreira”, disse. “Procurei não atrasar nem um dia o pagamento dos servidores. E não renovei contratos que tinham sido questionados pela auditoria.” Um levantamento com 700 pessoas realizado pelo instituto Paraná Pesquisas mostrou que ela tinha 50,3% de aprovação no final de março.

Weizemann saiu do susto de ter que assumir uma cidade complicada como Foz do Iguaçu – na fronteira do Brasil com o Paraguai, por onde passam drogas, armas e outros tráficos – à tranquilidade de quem “passou a acreditar mais em si”. “No primeiro dia eu estava assustada, inclusive com repórteres. Tinha um medo muito grande da imprensa, mas agora lido tranquilamente com isso”, respondeu, confiante. “Eu tinha um trabalho tímido, a minha votação era pequena [ela fora eleita vereadora com 1 486 votos]. Mas cresci muito em termos pessoais.” A transformação, disse, tinha também um dedo divino. “Deus tinha um propósito, e o propósito Dele se cumpriu. Pode escrever que Deus não escolhe os capacitados, mas Ele capacita quem Ele escolhe. E Deus me honrou naquele lugar.”

A curta carreira da prefeita relâmpago alçou seu nome às cabeças da próxima eleição, em 2018. O PSD cogita lançá-la a deputada. “Não sei se federal ou estadual. Pedi a eles que esperem eu realizar meu trabalho na secretaria, e que façam uma pesquisa no ano que vem.” Levando em conta a página no Facebook de seu correligionário, o ex-deputado Ratinho Junior, a espera será breve. “Pessoal, hoje estive em Foz do Iguaçu para a posse do novo prefeito Chico Brasileiro”, ele escreveu no dia 1º de maio. “E tive a honra de participar da despedida da prefeita interina, Inês da Saúde. Até a primeira dança para abrir o baile de despedida foi comigo, rsrs…” O relato vinha acompanhado de um vídeo da dupla dançando. Ao que tudo indica, o carro rosa vai ter que esperar.

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