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    Apoiadores de Lula na frente do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo FOTO: ADONIS GUERRA_SMABC

questões político-judiciais

Noite em claro no sindicato

Melancolia e euforia durante a vigília nos Metalúrgicos do ABC contra prisão de Lula

Fabio Victor | 06 abr 2018_12h18
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“Não vai prender/Vai ter luta; Não vai prender/Vai ter luta.” O coro se espalhou pelo hall de entrada da sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC quando faltavam cinco minutos para as onze da noite desta quinta-feira, 5 de abril. No fim da tarde do mesmo dia, o juiz Sérgio Moro decretara a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que motivou a mobilização dentro e fora do prédio do sindicato, no Centro de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.

O grito de guerra foi cantado pela multidão de militantes que ocupava o térreo quando uma comitiva de políticos desceu do segundo andar, onde Lula ficou confinado a noite inteira, em direção ao carro de som estacionado em frente ao edifício. Dilma Rousseff, Guilherme Boulos, Lindbergh Farias, Gleisi Hoffmann e Luiza Erundina estavam no grupo. Dilma e Erundina foram as mais festejadas.

Lá fora, o discurso de resistência à prisão deu o tom do comício. O mestre de cerimônias era o deputado Paulo Pimenta, um dos mais inflamados parlamentares petistas do Congresso. Em seu habitual léxico tortuoso, Dilma levou certa serenidade ao ato. Defendeu a “resistência pacífica”. “Não somos um bando que só entende a linguagem da violência, das pedradas e dos tiros”, discursou a presidente deposta em 2016, que estava vestida de preto. Boulos falara duas horas antes. “A palavra de ordem nessa noite é resistência. Não vamos dar um passo atrás (…). A nossa orientação é não arredar o pé daqui, é garantir com nossa participação e mobilização que uma decisão injusta não possa se efetivar. A nossa disposição é não deixar prenderem o Lula”, disse o pré-candidato à Presidência pelo PSOL e líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, o MTST. Boulos conduziu ao ato centenas de militantes da Ocupação Povo Sem Medo, em São Bernardo, numa passeata do acampamento à sede do sindicato.

No calor do seu discurso, em que atacou Moro e a Rede Globo, Lindbergh distorceu a história: disse que em 1980, quando Lula foi preso pela ditadura pela sua liderança em greves, “o Exército teve a ousadia de entrar nesse sindicato” para prendê-lo. Na verdade, Lula estava em sua casa, na companhia de Frei Betto, quando a polícia chegou para prendê-lo. “Se tiverem coragem, vão ter que vir buscar ele aqui, como na ditadura”, esbravejou o senador petista pelo Rio de Janeiro. Gleisi, também senadora e presidente do PT, reforçou: “Moro não podia perder a oportunidade de tentar prender o Lula. Tentar, porque ainda vamos arrumar um jeito de reverter essa situação.”

Não parecia claro, àquela altura, se a mensagem de resistência a todo custo era bravata, um recurso retórico para manter a militância acesa durante a vigília, ou se os petistas de fato pensavam em tentar impedir a prisão determinada por Moro.

A menção ao nome de Erundina provocou uma explosão na plateia, que começou a gritar o nome da ex-prefeita petista de São Paulo e hoje deputada federal pelo PSOL. Lindbergh explicou que ela não tinha condições físicas de subir pela escadinha do carro de som – Erundina está com 83 anos. Minutos depois, Dilma se contorceu para enfrentar a precária estrutura e descer do carro.

Manuela D’Ávila, pré-candidata ao Planalto pelo PC do B, chegou mais tarde e também discursou. Ela e Boulos foram os únicos presidenciáveis na manifestação. Ciro Gomes, outro postulante que pode herdar votos de Lula, não apareceu. Publicou em redes sociais uma mensagem em que dizia acompanhar “com muita tristeza” o ocorrido com “o ex-presidente e meu amigo Luiz Inácio Lula da Silva” e fazia votos de que recursos judiciais pusessem o petista em liberdade.

Havia bastante gente na rua. Integrantes do Sindicato dos Metalúrgicos falaram em 5 000 pessoas. Parecia menos, no máximo 3 000 nos picos de frequência, concentradas em ruas estreitas ao redor do prédio. Não se via policiais. O público era formado por militantes de partidos e movimentos de esquerda. Sentados num meio-fio ao lado de um feixe de mastros de PVC, militantes do PCO (Partido da Causa Operária) preparavam bandeiras vermelhas do partido, como numa linha de montagem criada às pressas pela medida inesperada. Sindicalistas e sem-teto misturavam-se a estudantes e profissionais liberais de classe média. Um intrigante misto de melancolia com euforia dominava o ambiente.

O médico Jair Urbano, de 66 anos, estava com a mulher, Eliane Italiano, 40 anos, que faz cursinho pré-vestibular para medicina, e a filha dela, Sara Italiano, de 17 anos, que também tentará a carreira. Os três haviam saído da Vila Mariana, em São Paulo no carro da família (“botamos no Waze e viemos”, ele disse). Portavam cartazes improvisados num papel sulfite, com a mensagem “Lula inocente”.

A poucos metros dele, o metalúrgico aposentado Antônio Carlos dos Santos, de 71 anos, segurava um porta-retratos com uma foto em que aparece ao lado de Lula. Durante a entrevista, Santos chorou. “É bom chorar que passa.” Perguntei o que ele sentia e o que Lula representava para ele. “Para mim ou para o povo? Para mim representa muito, mas para os pobres, os que vivem na miséria, representa muito mais. [A prisão] é a coisa mais ruim que já vi no mundo”, disse.

A sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC é um espaço de imensa carga simbólica para Lula. Foi ali que ele começou sua carreira política, ao presidir a entidade nos anos 70. Foi lá que ele conheceu Marisa Letícia, com quem se casou e teve filhos. Foi lá que o corpo dela foi velado.

Na lojinha no térreo do prédio, camisetas com o rosto de Lula, a 30 reais, vendiam como pãozinho quente. Não havia nenhum controle na entrada nem tampouco no acesso aos quatro andares. No segundo andar, onde estava Lula, sindicalistas improvisados como seguranças filtravam o acesso a um espaço onde se concentravam militantes e jornalistas. O ex-presidente circulava entre outras salas menores, para cujo acesso havia outro bloqueio. Recebeu políticos, sindicalistas, amigos e parentes. Não desceu para a rua. Vez por outra, aparecia na janela que dava para a rua, acenava para a multidão lá embaixo e era ovacionado.

Por volta de uma da manhã, Lula saiu das salas para o salão maior do segundo andar. Foi cumprimentar os militantes que se espremiam sobre um cercadinho colocado pelo pessoal do sindicato. Abraçou uma jovem que se debulhava em lágrimas e lhe disse: “Fique tranquila que tudo vai dar certo. Os justos vencerão.” Outra moça, também chorando, balbuciou para ele: “Você jamais estará sozinho.” A um grupo mais adiante, Lula afirmou: “Eu quero provar é que eles é que estão cometendo um crime neste país. Então eu tô tranquilo, muito tranquilo, tenham certeza disso.” Ouviu mais um monte de mensagens ao pé do ouvido. De um senhor de barba branca: “Como a gente se parece, eu vou no teu lugar.” De outro barbudo, mais novo: “Entra com um sorriso no rosto, Lula. Mostre que você é forte.” De diferentes mulheres: “Lula, eu te amo.” E mais abraços, mais beijos, mais choro. Cinco minutos depois, o ex-presidente voltou à salinha onde estavam os mais chegados.

Àquela altura, a vigília na rua, mais murcha, com algumas dezenas de militantes, continuava, embalada por discursos de líderes sindicais e estudantis. Com a madrugada, o tempo esfriou em São Bernardo  do Campo.

Lula pernoitou no sindicato. Por volta de duas e meia, recolheu-se sozinho a outra sala preparada com esse fim, onde havia uma poltrona para seu descanso. No começo da manhã de sexta, novas levas de militantes começaram a chegar. Ainda não se sabia em que circunstâncias Lula sairia do prédio.

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