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    FOTO: PEDRO LADEIRA_FOLHAPRESS

questões da política

O dia seguinte

Depois da overdose de cenas de corrupção explícita, o país será forçado a decidir que tipo de democracia quer ser

Malu Gaspar | 12 abr 2017_11h51
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Depois de meses de suspense, boatos, balões de ensaio e vazamentos, finalmente o país começa a conhecer os detalhes das delações dos “77 da Odebrecht” (há um 78º delator da empresa, que negociou à parte). Os próximos tempos serão de intenso abalo em Brasília. A partir de hoje, os vídeos dos depoimentos aparecerão pelas redes como em uma série do Netflix, sobrepondo a cada história escandalosa uma nova história, ainda mais impressionante. O saldo previsível da overdose odebrechtiana será a consagração da já repisada verdade de que, no Brasil, a corrupção sempre foi a regra do jogo. O imprevisível, porém, é justamente o que mais preocupa quem já conhece todas as histórias.

É a partir de agora que vai se saber, de fato, o que a sociedade brasileira e suas instituições farão com o retrato que os inquéritos abertos pelo ministro do STF Edson Fachin lhes apresenta. “O legado definitivo da Lava Jato começará a ser formado no Supremo e no Congresso”, foi o que me disse, há alguns dias, um dos investigadores mais enfronhados nas negociações com a Odebrecht. É neste novo momento da operação que estremeceu a República que as cortes superiores irão escrutinar, por meio dos inquéritos envolvendo autoridades com foro privilegiado, as teses jurídicas produzidas em Curitiba. A mais nevrálgica dessas decisões dirá respeito ao significado do caixa dois de campanha.

Caixa dois é corrupção? Dinheiro não contabilizado para campanhas políticas configura propina? Ao longo de 2016, o impasse entre Odebrecht e Ministério Público quanto às respostas quase inviabilizou um acordo – mesmo concordando em colaborar, muitos executivos da empresa consideravam que dar dinheiro “por fora” para campanhas não era necessariamente um ato de corrupção. E se recusavam a apontar as vantagens dessas doações às escuras: elas nada mais seriam do que um gesto em troca da boa vontade dos homens públicos, ou ainda uma forma de evitar terem seus pleitos rejeitados por políticos não contemplados. Pagava-se a todo mundo sem exigir contrapartida porque essa era a regra do jogo, defendiam os executivos.

As cifras milionárias que a Odebrecht depositou nas campanhas tornam esse conto menos singelo. Se a empresa dava dinheiro a quase todos aqueles com uma caneta poderosa entre os dedos, em todos os partidos, sem que os cidadãos soubessem dessa relação financeira, e se ela doava a um dos candidatos a presidente um volume absurdamente maior do que o doado ao segundo colocado, essa empresa não estaria distorcendo o resultado das eleições? Uma eleição disputada nessas condições é justa? Até que ponto uma democracia submetida a isso é democracia pra valer?

Em depoimento recente ao Tribunal Superior Eleitoral, Marcelo Odebrecht disse que “inventou” a campanha de Dilma em 2014. “Os valores (de doações) foram definidos por mim”, disse ele. Mais de uma vez, durante as conversas para sua delação, Odebrecht disse ter criado a “conta-corrente” de onde saiu a maior parte do dinheiro para as campanhas do PT. Teria feito isso para ter controle sobre os gastos e evitar negociações no varejo. Já os políticos de outros partidos, que não tinham cartão de fidelidade na empresa, tinham que entrar na fila para conseguir o seu quinhão, pedindo dinheiro como se fossem ao caixa eletrônico mesmo que a eleição estivesse longe. Nas conversas informais com o MP, um dos executivos da Odebrecht disse que o esquema só atingiu escala industrial por causa dos enormes custos das campanhas.

Com as vísceras do poder expostas em praça pública será possível aprovar uma reforma política que sustente campanhas sem doações de empresas? Seria aceitável que esses mesmos donos dos partidos – que receberam dinheiro das empreiteiras por gerações – escolham os próximos eleitos em listas fechadas de candidatos, como querem muitos deles? Fará sentido manter o foro privilegiado para tanta gente? O caixa dois continuará sendo um crime menor, pelo qual poucos são presos? As penas para os corruptos serão mais severas na era pós-Lava Jato? São questões recorrentes, que vêm patinando há muito no debate público. A partir de hoje, não será mais possível evitá-las.

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