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questões cinematográficas

Estados Unidos Pelo Amor – maltratos no fim do ano

Tentativa de assistir ao novo filme do diretor polonês Tomasz Wasileswski é frustrada pela precariedade das salas de cinema cariocas

Eduardo Escorel | 05 jan 2017_17h12
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2016 começou bem, mas terminou mal para o jovem diretor polonês Tomasz Wasileswski. Em fevereiro, seu terceiro longa-metragem, com o bizarro título Estados Unidos Pelo Amor (Zjednoczone stany milosci), chegou a ser considerado uma das joias do Festival de Berlim. E ainda recebeu o prêmio de melhor roteiro, atribuído pelo júri presidido por Merryl Streep.

Onze meses depois, porém, Estados Unidos Pelo Amor foi maltratado ao ser lançado no Rio com a temperatura rondando 40 ºC. Estreou na última semana do ano em duas micro salas, além de outra em Niterói. Mesmo condenado dessa forma a ter público reduzido, a primeira sessão de 30 de dezembro, às 14h50m, começou com espectadores da terceira idade ocupando quase todos os 64 lugares do cinema em Botafogo.

Atraídos talvez pelos aplausos do Bonequinho no caderno Rio Show d’O Globo, a plateia possivelmente não chegou a ler a crítica de Marcelo Janot que, embora favorável, adverte: “O que se vê […] é antes  de tudo um complexo e desolador cenário de sonhos e frustrações sentimentais, mostrando como os ventos de liberdade que sopram numa cidade polonesa em 1990 afetam a vida de quatro mulheres cheias de desejos reprimidos.”

Ainda menos provável é que o pequeno grupo de pessoas presente à sessão tenha lido o comentário mais ácido de Peter Bradshaw, no The Guardian: “Wasilewski exerce controle gélido da composição deste filme triste, estranho e desconcertante, sobre um quarteto de vidas imersas na obsessão tóxica e no anseio erótico frustrado. [O filme] conclui com uma estocada que eu só posso descrever como de horror e desespero. Este filme não está aqui para fazer você se sentir bem. Mas ele tem o atrativo operístico de uma novela.”

A plateia se manteve atenta, imóvel e silenciosa à medida que a projeção de Estados Unidos Pelo Amor prosseguia na última sexta-feira do ano, apesar do ar-condicionado deficiente e do aumento progressivo do calor. Passada cerca de uma hora da duração total de 104 minutos do filme, os espectadores começaram a ficar inquietos. Um plano fixo da diretora da escola Iza (Magdalena Cielecka), sentada na cama de perfil para a câmera, estava durando além do razoável, mesmo para uma personagem que momentos antes fora instada pelo amante a pular pela janela. Apenas um olhar mais atento pode ter percebido que a imagem se imobilizara na tela.

Quando a luz da sala finalmente foi acesa, alguns espectadores tiveram sensação de alívio – haviam sentido que o plano estava estava se estendendo demais, mas resistiram à tentação de protestar. Pacientes, aproveitaram a interrupção para explicar o enredo uns aos outros: “São duas irmãs infelizes. A mais moça, que trabalha na videolocadora, é apaixonada pelo padre. A mais velha, pelo viúvo. Uma amiga etc.”.

Acabou surgindo uma jovem para informar que a sessão estava suspensa, oferecendo a devolução do dinheiro do ingresso, oferta sem valor para quem pagou com cartão de crédito através do site ingresso.com. Não houve muitas reclamações, mas foi possível ouvir alguns comentários ácidos, desde “este cinema não tem jeito” e “não volto nunca mais nesta sala” até “o Rio não tem mesmo sorte. É Serginho, Pezão e cinema sem ar-condicionado”.

Depois de esperarem mais um pouco, na esperança vã da projeção ser retomada, todos foram saindo cabisbaixos. Não soube se as sessões, apesar do ar-condicionado precário, foram normalizadas naquele dia ou nos seguintes. Imagino que sim. Tampouco sei se aqueles espectadores frustrados tiveram energia suficiente para voltar ao cinema e assistir ao filme até o fim, o que seria prova de extraordinária tenacidade.

Segundo uma entrevistadora, “a empatia de Wasilewski por suas personagens pode ser sentida em cada fotograma à medida que elas atuam livrando-se da pressão para reprimir suas vidas emocionais”. “Eu não as ajudo”, diz Wasilewski. “Eu não quero ajudá-las. Se eu fizesse isso estaria dando respostas e eu só quero contar uma história e retratar a emoção. Eu realmente amo todas as minhas personagens, confie em mim, mas eu sei que não sou fácil com elas. Eu faço com que sofram, eu sei disso.”

Que as personagens sofram, vá lá. Mas passa da conta fazer os espectadores sofrerem de calor, perderem tempo e dinheiro, além de serem privados de assistir ao filme inteiro.

De qualquer modo, a lição valeu alguma coisa e pode servir de consolo para Wasilewski saber que não foi o único prejudicado no Rio. Pensando em assistir a Neruda, de Pablo Larrain, no dia 1º do janeiro, em uma sala do mesmo circuito, o espectador prevenido telefonou antes para confirmar se haveria sessão às 18h20m. Foi informado que sim, mas que o ar-condicionado estava deficiente. Com isso, ficou em casa no ar-condicionado, assistindo ao documentário O.J.:Made in America, dirigido por Ezra Edelman, no Watch ESPN.

2016 terminou mal para Wasilewski e 2017 não começou bem para Larrain. Para os espectadores que ainda se aventuram a frequentar certas salas do Rio, o fim do ano passado e o início deste deixaram muito a desejar.

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