Que horas ela volta?
Que horas ela volta? – versão açucarada
Na casa com piscina do Morumbi, Barbara (Karine Teles) e Carlos (Lourenço Mutarelli) levam uma vida familiar estável. Fabinho (Michel Joelsas), filho adolescente do casal, está prestes a fazer o vestibular. Val (Regina Casé) trabalha para a família como empregada doméstica há mais de dez anos e, como ela mesma diz, “mora no serviço”. O núcleo, a princípio harmonioso, é desestabilizado com a imprevista chegada, vinda de Pernambuco, de Jéssica (Camila Márdila), filha de Val, com quem ela não falava há mais de três anos.
Na casa com piscina do Morumbi, Barbara (Karine Teles) e Carlos (Lourenço Mutarelli) levam uma vida familiar estável. Fabinho (Michel Joelsas), filho adolescente do casal, está prestes a fazer o vestibular. Val (Regina Casé) trabalha para a família como empregada doméstica há mais de dez anos e, como ela mesma diz, “mora no serviço”. O núcleo, a princípio harmonioso, é desestabilizado com a imprevista chegada, vinda de Pernambuco, de Jéssica (Camila Márdila), filha de Val, com quem ela não falava há mais de três anos.
A premissa dramática desse enredo é conhecida e já serviu a vários filmes antes de , escrito e dirigido por Anna Muylaert. Entre os mais famosos, e menos açucarados, está Teorema (1968), de Pier Paolo Pasolini, cujo teorema, ou premissa, descrito por Barth David Schwartz, em Pasolini Requiem, é que uma vez “confrontados com um poder que representa uma verdadeira liberação (necessariamente sexual) e seus valores se revelam falidos, os membros da família ‘enlouquecem’”.
Apesar das quase 5 décadas que separam Teorema de Que horas ela volta?, evocar o radicalismo de Pasolini, assim como a reação violenta ao filme de setores do Vaticano e da sociedade italiana da época, realça a feição anódina de . Mesmo tratando de tema social relevante, traço que o distingue e valoriza perante a atual produção brasileira, Muylaert evita de forma deliberada que seu filme vá ao fundo da própria questão que levanta.
Os diferentes destinos de Emília (Laura Betti) e Val, empregadas, respectivamente, dos filmes de Pasolini e Muylaert, sugerem uma pista segura para entender o que permite a fazer sucesso em diferentes quadrantes.
Em Teorema, a empregada da casa é salva do suicídio pelo personagem do Hóspede (Terence Stamp) que se dedica, em seguida, a ter relação sexual com cada membro da família – o filho, a mãe, o pai e a filha. Falando de seus personagens, Pasolini descreveu o Hóspede como sendo “uma mistura de Deus e do Diabo” e disse que para compor o grupo familiar “escolheu pessoas que não eram particularmente odiosas, pessoas que inspiram certa simpatia – elas são típicas da burguesia, mas não da pior burguesia”.
Conforme a descrição de Schwartz, depois de carregar a mala do Hóspede até o carro, beijar a mão dele e se despedir, Emília, a empregada da casa, volta à sua aldeia para se dedicar a uma vida estoica de meditação e penitência. Ela come urtigas cruas, fica sentada dias e noites sem falar, sujeitando-se a esse flagelo. Logo, o cabelo dela fica verde e ela levita, ascendendo acima da casa onde iniciou sua vigília. Maravilhados, os moradores da aldeia se reúnem embaixo para venerá-la. Ela volta então à Terra.
Emília chama uma velha camponesa (Susanna Colussi Pasolini, mãe de Pier Paolo) para segui-la. Elas se afastam caminhando da aldeia, da humanidade, e chegam a um lugar onde escavadeiras fizeram um buraco na terra. Emília deita e a camponesa começa a cavar. Logo, Emília está coberta de terra, menos seus olhos, dos quais correm lágrimas que se tornam uma poça, um riacho de água que dá vida.
Considerado “negativo e perigoso” pelo L’Osservatore romano, jornal da Santa Sé, Teorema foi acusado de “ofensivo à decência”, teve sua exibição proibida na Itália e foi submetido a julgamento. Argumentando perante o tribunal que o filme era “completamente simbólico”, Pasolini conseguiu evitar que a corte o considerasse “pornográfico” e Teorema acabou liberado.
E Val, em ‘’, o que acaba fazendo? Entra na piscina quase vazia da casa dos patrões, anda de um lado para outro e se diverte, espalhando a água. Depois, rouba um conjunto de garrafa térmica, bandeja e xicrinhas de café, e vai morar com a filha numa casa de periferia. São transgressões pueris que, ao contrário do que acontece em Teorema, não ofendem, nem inquietam ninguém. Ainda mais quando tratadas, em conformidade com o resto do filme, em chave humorística. Essa visão rósea parece ser o que propicia a boa receptividade de . Em consonância com os valores dominantes do nosso tempo, o filme apaga arestas, evita confrontos, aplaca conflitos.
O talento esfuziante de Regina Casé é o sustentáculo de . A força da sua presença, seu magnetismo e sua inteligência como atriz ofuscam o restante do elenco, além de tornarem inverossímil que Val tivesse sido tão submissa durante tanto tempo.
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Em uma entrevista recente (revista Sétima, edição 1), Anna Muylaert atribui o sucesso de ao fato de ser um “feel-good movie” (filme que propicia bem estar). Os espectadores “saem do filme muito felizes”. Segundo Muylaert, o filme tem um final de esperança, “um final positivo, otimista”.
Seria difícil explicação melhor e mais sucinta do que essa para o sucesso do filme. E nada tornaria tão nítida a diferença entre Teorema e Que horas ela volta?.
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