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    Responsável por 32% das emissões brasileiras de gases do efeito estufa, a agropecuária é o setor que mais contribui para o aquecimento global. FOTO: Kátia Goretti (CC 2.0 BY - SA)

Questões da Ciência

Novo inventário de emissões lança dúvida sobre meta brasileira

No apagar das luzes, o governo Dilma Rousseff divulgou o inventário das emissões brasileiras de gases do efeito estufa

Bernardo Esteves | 17 maio 2016_16h57
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No apagar das luzes do governo Dilma Rousseff, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação divulgou um dado há muito aguardado pelos ambientalistas: o inventário das emissões brasileiras de gases do efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. Os números não provocaram surpresa, mas tiveram efeito colateral polêmico. Ao usar um novo método de contagem, o Brasil recalculou as emissões do passado e ficou mais perto de honrar o compromisso firmado no Acordo de Paris.

Como signatário da Convenção do Clima das Nações Unidas, o país se comprometeu a calcular regularmente suas emissões de gases-estufa. O último inventário, de 2010, apresentou dados até 2005. O Brasil estimou então que, naquele último ano, havia emitido o equivalente a 2,19 bilhões de toneladas de gás carbônico (a reportagem “Contadores de carbono”, publicada na piauí 57, se debruçou sobre os números).

Os responsáveis pelo novo inventário alteraram o modo de calcular as emissões – os dois métodos são referendados pelo IPCC, painel de cientistas do clima da ONU. Ao rever as emissões de 2005, constataram que naquele ano o Brasil emitiu uma quantidade de gases 25% maior do que apontava o documento anterior (2,73 bilhões de toneladas de CO2eq). A redução expressiva do desmatamento na Amazônia – quase 80% desde 2004 – se refletiu na contribuição brasileira para o efeito estufa. As emissões de 2010 ficaram em torno de 1,27 bilhões de toneladas de CO2eq, uma queda de 53% em relação a 2005.

O novo inventário integra a Terceira Comunicação Nacional do Brasil à Convenção do Clima, publicada no início de maio no site do ministério. Cerca de 340 profissionais de mais de uma centena de instituições participaram da elaboração do documento – que levou mais de três anos, de acordo com Márcio Rojas da Cruz, especialista em bioética que coordenou o trabalho.

A discrepância entre os inventários não significa que o Brasil tenha errado na estimativa precedente. “O aumento indica que melhoramos conhecimento e somos capazes de calcular com maior precisão”, disse o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador de uma iniciativa que promove um cálculo das emissões brasileiras independente daquele feito pelo governo.

O grosso da diferença entre ambos diz respeito aos gases lançados na atmosfera pelo desmatamento na Amazônia. A equipe atual empregou fórmulas mais precisas para determinar quanto carbono está estocado na floresta, além de mapas atualizados da concentração de árvores, entre outras inovações. Chegou à conclusão que as emissões do desmatamento eram subestimadas, e que a floresta absorve da atmosfera menos carbono do que se acreditava.

Embora significativa, a disparidade dos números não surpreende: ela está dentro da margem de incerteza do inventário de 2010, que era de 32%. O número soa exagerado, mas reflete a natureza das emissões do Brasil naquele momento, derivadas principalmente do desmatamento. Como é mais difícil estimar quanto carbono há numa árvore do que em um litro de óleo diesel, a margem de erro da estimativa era justificável. Mas o perfil das emissões brasileiras mudou. Os gases lançados pelo desmatamento representam 27% das emissões, atrás dos setores de energia (29%) e agropecuária (32%). Consequentemente, diminuiu a margem de incerteza do novo inventário – agora é de 14%.

 

Como 2005 foi o ano-base que o Brasil escolheu para o compromisso de redução de emissões que registrou no Acordo de Paris, o novo inventário acabou se mostrando oportuno. O país se comprometeu a, até 2025, reduzir as emissões em 37%, tentando chegar a 43% em 2030. De acordo com o inventário de 2010, isso equivalia a emissões de 1,38 bilhões de toneladas de CO2eq em 2025. Os novos números deixam o Brasil em situação confortável: pode emitir até 1,72 bilhões de toneladas de CO2eq em 2025 e 1,56 bilhões de CO2eq em 2030, e ainda assim cumprir a meta.

Em ambos os casos, no cenário atual as emissões já estão abaixo da meta e poderiam aumentar na próxima década. Para Tasso Azevedo, o país deveria rever seu compromisso, considerando não mais o percentual, mas os números absolutos registrados em sua contribuição ao Acordo de Paris. “O ideal seria o governo reafirmar que o ponto de chegada em termos absolutos é de 1,3 bilhões de toneladas de CO2eq em 2025 e 1,2 bilhões em 2030”, afirmou. Para o engenheiro florestal, isso reforçaria a imagem do Brasil na diplomacia climática global. “Seríamos os primeiros a fazer a revisão da meta para cima.”

O novo inventário brasileiro estava pronto pelo menos desde meados do ano passado, mas só veio a público depois de revelado pelo Estado de S.Paulo, meses depois da Conferência do Clima de Paris. Em entrevista ao blog, Márcio Rojas da Cruz, diretor da Terceira Comunicação Nacional, atribuiu a demora do governo em aprovar o documento a “uma atitude prudente para evitar eventuais prejuízos decorrentes da divulgação dessas informações para outros atores no cenário da negociação internacional”. Mas Cruz frisou que “em nenhum momento essas preocupações interferiram nos dados que Ministério apresentou, que são os melhores disponíveis do ponto de vista científico”.

O governo foi criticado pela demora em publicar os dados. “O governo perdeu uma oportunidade de gerar confiança em suas decisões”, escreveu num artigo Natalie Unterstell, ex-negociadora do Brasil junto à Convenção do Clima. Para Unterstell, o país deveria aumentar sua ambição e se empenhar em “corrigir a discrepância entre os números apresentados no ano passado e o real significado da meta”.

Já para Gilberto Câmara, especialista em sensoriamento remoto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, não é necessário rever o compromisso brasileiro. “Embora seja possível rever as metas de emissões”, escreveu o pesquisador no site Direto da Ciência, “em termos diplomáticos isso não é necessário, pois as metas são consistentes com o Segundo Inventário, documento oficial do governo brasileiro que foi aprovado pela UNFCCC [Convenção do Clima] e continua válido.”

Rever ou não a meta brasileira para o Acordo de Paris está nas mãos do governo que acaba de ocupar o Executivo. Os ministérios envolvidos na decisão estão sob o comando de Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), José Sarney Filho (Meio Ambiente) e José Serra (Relações Exteriores). Se é pouco provável que a meta seja revista num futuro próximo, o novo governo poderia ao menos determinar que se atualizassem os dados de emissões com maior frequência. “Temos capacidade para fazer um inventário com qualidade todos os anos”, afirmou Azevedo.

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