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Questões da Ciência

Os erros de Einstein

Físicos profissionais e jornalistas de ciência são procurados com espantosa regularidade por indivíduos que afirmam ter descoberto furos na teoria da relatividade ou na mecânica quântica e que juram de pés juntos serem capazes de desmascarar as fraudes de Einstein e outros ícones da ciência. A australiana Margaret Wertheim compilou recentemente num livro sensível e bem-humorado as histórias desses párias da ciência que ela colecionou ao longo de 15 anos.

Bernardo Esteves | 14 ago 2012_18h34
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Físicos profissionais e jornalistas de ciência são procurados com espantosa regularidade por indivíduos que afirmam ter descoberto furos na teoria da relatividade ou na mecânica quântica e que juram de pés juntos serem capazes de desmascarar as fraudes de Einstein e outros ícones da ciência.

São em geral físicos amadores – homens na maioria dos casos – que não têm vínculo com qualquer universidade ou centro de pesquisa. Ao abordar cientistas e jornalistas, eles buscam um atalho para apresentar as ideias que eles não encontram espaço para divulgar nos fóruns comumente usados pelos pesquisadores para apresentar suas ideias – as revistas e congressos científicos.

Um exemplo típico dessa fauna é o autor do cartaz retratado na foto abaixo. Por ocasião de um simpósio internacional no Rio de Janeiro, ele confeccionou um cartaz e passou o dia ao lado dele na frente do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), onde o evento era realizado.

“Preciso de ajuda e estou sendo discriminado”, dizia a introdução do cartaz, endereçado aos cientistas do CBPF e ao ministro da Ciência. “Fiz uma importante descoberta científica e tecnológica, e não me deixam mostrá-la. Ninguém acredita em mim. Descobri a maior fraude científica da história do conhecimento moderno. Preciso ser ouvido, avaliado e ajudado por estudiosos. Toda fraude um dia vem à tona e a de Einstein chegou ao fim.”

O texto seguia com mais detalhes dos “erros primários” de Einstein, numa caligrafia cada vez menor à medida que diminuía o espaço disponível no cartaz. O autor elencou as promissoras perspectivas de aplicação do seu achado na exploração espacial e concluiu com um apelo dramático: “Inteligências do Rio, onde estão vocês? Preciso de ajuda”.

Cientistas amadores que contestam resultados estabelecidos pela ciência são mais comuns do que se poderia imaginar: essa é a constatação a que se chega após a leitura do livro : Smoke Rings, Circlons and Alternative Theories of Everything, recém-lançado e ainda sem edição em português [‘Física na margem: anéis de fumaça, círclons e teorias alternativas de tudo]. Escrito pela física e jornalista australiana Margaret Wertheim, o livro reúne relatos de teóricos amadores que desafiaram alguns dos mais sólidos pilares da ciência nos últimos séculos.

Por mais de quinze anos, a autora colecionou histórias desses cientistas que atuam à margem do circuito formal da ciência. As mais de cem teorias alternativas acumuladas por ela ocupam duas prateleiras de sua biblioteca e se apresentam numa grande variedade de formatos – de artigos de poucas páginas a obras que se estendem por mais de um volume. Physics on the Fringe é uma narrativa povoada de “portões harmônicos”, “transações energéticas”, “partículas virgens” e outras entidades idealizadas para substituir os conceitos propostos pela física estabelecida.

Wertheim faz um apanhado histórico dos físicos marginais e mostra que sua existência está longe de ser um fenômeno contemporâneo. No século XIX, o matemático britânico Augustus de Morgan compilou dezenas de relatos do tipo no volume A Budget of Paradoxes. Naquele momento histórico, naturalmente, o objeto de contestação era outro: a moda era dizer que Newton e sua teoria da gravidade é que estavam errados.

A autora faz um apanhado abrangente das teorias alternativas atuais e mostra que hoje elas encontram abrigo institucional na Aliança da Filosofia Natural, uma entidade que reúne membros que têm em comum o fato de terem “estudado exaustivamente a ciência estabelecida e concluído que teorias como a relatividade, o Big-Bang e a tectônica de placas têm falhas fundamentais que precisam ser retificadas”.

O livro não cai na tentação fácil de tratar com desdém o trabalho dos cientistas amadores. Wertheim trata seus personagens com o mesmo respeito que os livros de divulgação científica costumam reservar aos cientistas reconhecidos – a começar por Jim Carter, físico amador que a autora encontrou pessoalmente em diversas ocasiões e cuja teoria dos círclons ocupa lugar central em sua obra.

Physics on the Fringese encerra com um relato da participação de Wertheim em uma conferência sobre a teoria de supercordas que reuniu alguns dos físicos mais conhecidos do planeta. Perturbada com as dimensões ocultas e outros artifícios teóricos pouco intuitivos a que os físicos recorreram em suas apresentações, ela concluiu: “A conferência de cosmologia de cordas foi de longe o evento de física mais surreal a que já fui, mais bizarro do que qualquer evento da Aliança da Filosofia Natural”.

Com uma escrita sensível e bem-humorada, Wertheim oferece ao leitor uma reflexão fascinante sobre os rumos da física e sobre o espaço ocupado pelos párias deixados de fora de sua narrativa predominante.

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