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    Lúcio Bolonha Funaro durante depoimento à sub-relatoria de fundos de pensão da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios, no Senado, em Brasília, em 2006 FOTO: FOLHAPRESS

questões da política

A origem da relação entre Lúcio Funaro e Eduardo Cunha

Malu Gaspar | 01 jul 2016_14h34
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Encontrei Lúcio Funaro em seu escritório, no Itaim, em São Paulo. No local trabalham dois ou três auxiliares numa pequena mesa de operações, além da secretária, do motorista e da mesma copeira que o atende desde o primeiro emprego, no início dos anos 90. Os ambientes são decorados com móveis e quadros modernos. Há câmeras espalhadas por toda parte, e as imagens são exibidas num monitor instalado ao lado da mesa de trabalho de Funaro, na sala ao final do corredor. Ali, uma máquina de picar papel ao alcance de sua cadeira é acionada sempre que ele acaba de fazer uma anotação – o que significa funcionar o tempo todo, já que ele tem o hábito de escrever enquanto fala.

Na sala de reuniões, onde Funaro me recebeu na primeira de duas longas conversas, não havia máquina para picotar papel. A cada anotação que fazia, ele rasgava as folhas com a mão. Ao final de uma manhã inteira, um bolo de papel picado com rabiscos a respeito dos Schahin, do mercado financeiro e do Congresso Nacional repousava sobre a mesa.

Reconhecido tanto pela inteligência como pelo temperamento explosivo, Lúcio Funaro é daqueles personagens que quase todos no mercado financeiro conhecem, mas raros fazem questão de admitir. Está por dentro das finanças de algumas das maiores fortunas do país e demonstra uma capacidade de articulação incomum. É capaz de, num único dia, ser atendido pelo dono do Grupo JBS-Friboi, Joesley Batista, almoçar com os rivais dele, os irmãos Bertin, e jantar com o ex-ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto. Fala regularmente ao telefone com políticos, empresários, especuladores e banqueiros.

O cabelo começando a rarear nas têmporas e os óculos de lentes grossas não desfazem a impressão de que ele parece ter menos do que seus 41 anos. A fala acelerada, entremeada por palavrões, e o forte sotaque à moda dos manos da Zona Leste de São Paulo reforçam sua aparência de garoto.

Quando Funaro tinha 16 anos, sua mãe percebeu que o filho não tinha paciência para os estudos. Colocou-o então para fazer estágio na corretora da família, a Plusinvest, em que eram sócios o pai e alguns tios (o ex-ministro da Fazenda de José Sarney, Dilson Funaro, é seu primo de segundo grau, mas conforme disse Lúcio, nunca participou do negócio). “Eu era hiperativo, mas naquela época não existiam esses diagnósticos de TDAH, DDAH, essas coisas. Eu não dava sossego para minha mãe, ela arrumou alguma coisa para eu fazer.”

Em 2005, quando apareceu pela primeira vez no noticiário nacional, Lúcio Funaro já tinha larga experiência no mercado financeiro e um patrimônio que ele mesmo avaliava em 15 milhões de dólares. Apontado pela CPI dos Correios como um dos operadores do mensalão e descrito como “doleiro chique de São Paulo” – aposto que odeia com a mesma intensidade que odeia os Schahin –, ele usou uma empresa registrada em nome de laranjas, a Garanhuns Empreendimentos, para repassar 6,5 milhões de reais do mensalão ao líder do PL, Valdemar Costa Neto. A CPI o incluiu ainda entre os responsáveis por operações de câmbio que provocaram perdas de mais de 300 milhões de reais a fundos de pensão de estatais. E concluiu que o fundo que mais teve perdas com a corretora de Funaro era a Prece, dos funcionários da Companhia de Água e Esgoto do Rio de Janeiro – área de influência do ex-governador Anthony Garotinho e do deputado Eduardo Cunha, então em seu primeiro mandato na Câmara. Na ocasião, a revista Época mostrou que Funaro pagava o aluguel do flat em que Cunha morava em Brasília.

No início, Funaro tentou driblar todas as acusações. Chegou também a tentar obter no STF um habeas corpus para não precisar depor. O então relator do caso, Joaquim Barbosa, não lhe concedeu o benefício. “Ali comecei a entender como funcionam as CPIs. Fui vendo que não tinha como eu sair bem daquele jogo. Eu ia perder de qualquer jeito. Minha melhor opção era falar.” Meses depois, ele se tornou o único delator oficial da hoje histórica Ação Penal 470, como ficou conhecido o processo do mensalão, ao admitir ter repassado o dinheiro para Costa Neto. O resto ele nega até hoje. (“Esse negócio de dizer que os fundos tiveram prejuízo comigo é coisa de quem não entende nada de mercado.”)

Funaro conhece Eduardo Cunha desde os anos 90, quando o presidente da Câmara era presidente da Companhia Estadual de Habitação do governo Garotinho. Na época, o operador trabalhava numa corretora no Rio e era próximo dos filhos do presidente da Assembleia Legislativa do estado, Albano Reis – o “Papai Noel de Quintino”, famoso entre os eleitores por distribuir na periferia presentes de Natal fantasiado de bom velhinho. Reis tinha o gabinete forrado de moedas. “O dinheiro sempre pisou em mim, agora eu piso nele”, costumava dizer, em alusão à origem pobre. Foi sobre o tapete de moedas que Funaro e Cunha se conheceram. Ao apresentá-los, Reis disse que o secretário de Garotinho estava destinado a ser um dos homens mais poderosos do Brasil. Morreu em 2004, sem ter visto seu vaticínio confirmado. Desde a sua profecia, no entanto, a relação entre Cunha e Funaro só se estreitou.

Trecho da reportagem “Em águas profundas”, de Malu Gaspar, publicada em agosto de 2015.

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