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    Michel Temer com representantes das escolas de samba do Rio, após reunião no Palácio do Planalto: convite para assistir ao desfile na Sapucaí ganha ares de negociata política FOTO: MARCOS CORRÊA/PR

questões político-carnavalescas

Sambalelê

Para barrar denúncias de corrupção e fortalecer o combalido PMDB carioca, Temer libera 8 milhões de reais para o Carnaval do Rio

Bruno Filippo | 15 set 2017_15h16
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Por volta das cinco e meia da manhã da última terça-feira de julho, um avião decolou do Rio de Janeiro rumo a Brasília levando parte da nata das principais escolas de samba da cidade. Estavam a bordo os representantes das seis mais bem colocadas no desfile de 2017, todas filiadas à Liga Independente das Escolas de Samba, a Liesa. O objetivo era buscar ajuda financeira para superar a crise iniciada havia um mês e meio com o anúncio, feito pelo prefeito do Rio, Marcelo Crivella, de que cortará metade da verba pública destinada às escolas de samba para o Carnaval do próximo ano. Depois de uma reunião com o presidente Michel Temer no Palácio do Planalto, os representantes das escolas – metade delas comandada por contraventores – voltaram ao Rio com uma promessa: o governo federal ajudaria a cobrir o rombo e daria apoio milionário às agremiações do Carnaval carioca.

Agora o valor que se aventava nos bastidores foi confirmado pelo Ministério da Cultura: 8 milhões de reais, que virão da Caixa Econômica Federal, via Lei Rouanet. Essa quantia, que não completa os 13 milhões cortados por Crivella da subvenção do município, ainda pode aumentar. A pasta da Cultura – comandada pelo jornalista carioca Sérgio Sá Leitão, ex-diretor da RioFilme na gestão de Eduardo Paes – estuda outras formas de financiar o Carnaval carioca. O cronograma do repasse e os valores por escolas, informou o ministério, serão definidos até o fim deste mês.

A crônica político-carnavalesca que levou à árida Brasília os rodopios da relação entre poder público e Carnaval, e fez o governo de Michel Temer envolver-se em assunto de esfera municipal quando sua permanência como presidente estava em xeque, é permeada de intrigas palacianas, traições e estratégia para manter-se no poder. Com a festa como pretexto, o que estava em jogo era barrar a denúncia de corrupção contra Temer no Congresso, além de fortalecer o PMDB carioca, bombardeado pela Lava Jato. Tudo muito distante da Sapucaí.

Seis dias antes da chegada dos sambistas a Brasília, às seis e meia da tarde da quarta-feira 19 de julho, Temer recebeu em seu gabinete, no Palácio do Planalto, a deputada federal pelo Rio de Janeiro Cristiane Brasil, do Partido Trabalhista Brasileiro. Estava acompanhada do pai, o ex-deputado Roberto Jefferson, presidente nacional da legenda. Ela fora a única parlamentar fluminense a votar a favor de Temer na Comissão de Constituição e Justiça, na semana anterior. E como o governo buscava reconstruir sua base no Congresso para evitar que o presidente fosse processado, favorecendo aliados, Cristiane tentava articular sua indicação para o Ministério da Cultura. Ela era a mais cotada para a pasta, vaga havia dois meses, desde que Roberto Freire demitira-se na crise provocada pela delação dos donos da JBS.

À mesa com o presidente, perguntou-lhe se o nome dela estava confirmado. “Já me comprometi com outro nome, senão eu a indicaria”, respondeu ele. “É o Sérgio Sá Leitão”, completou. Cristiane assentiu, afirmando tratar-se de uma pessoa com experiência em gestão cultural, mas não disfarçou o desapontamento. Em seus planos para o ministério estava o apoio financeiro ao Carnaval carioca para superar a crise iniciada com o corte de verbas por Crivella. Mesmo descartada, ela fez a sugestão a Temer. “Presidente, vou lhe dar uma dica. Marque um gol de placa. O Carnaval é uma das maiores festas da cultura. E o prefeito, por motivos religiosos, resolveu que não vai pagar a subvenção para o Carnaval”, disse a Temer, que concordou com o que acabara de ouvir. Às sete da noite, Cristiane Brasil e Roberto Jefferson deixaram o Palácio do Planalto. Na manhã seguinte, Sá Leitão foi confirmado como novo ministro da Cultura, e tomou posse no dia 25.

Os dirigentes das escolas de samba chegaram à capital federal naquele mesmo dia e, antes de comparecer à cerimônia que empossou o ministro, conseguiram uma audiência com Temer. Um parlamentar os acompanhava, e não era Cristiane, excluída do encontro, e sim Pedro Paulo, do PMDB-RJ. “O Baleia Rossi [deputado federal por São Paulo e líder do PMDB na Câmara] ligou para o Pedro Paulo e pediu a ele que participasse da reunião. Ele precisava agradá-lo para ganhar o voto no Temer [pelo arquivamento da denúncia contra o presidente]. Quando soube disso, eu briguei. Disse que a ideia tinha sido minha, que eles não tinham o direito de fazer isso comigo”, afirmou Cristiane Brasil. Pedro Paulo não respondeu aos contatos da piauí.

Além da necessidade de conter a crise, havia outro motivo para Pedro Paulo marcar presença. Derrotado no primeiro turno no pleito municipal de 2016 – ele chegou em terceiro lugar –, tinha mais necessidade de mostrar força contra quem o impediu de tornar-se alcaide. Pedro Paulo era o candidato de Eduardo Paes – e tinha o apoio do mundo do samba. No segundo turno, entre Marcelo Crivella e Marcelo Feixo, os dirigentes do Carnaval declararam apoio ao bispo licenciado, mas se arrependeram com o corte de verbas.

O Palácio do Planalto cercou-se de cuidados para que Michel Temer não repetisse, em nível federal, o que seu atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Moreira Franco, fizera vinte e seis anos antes, quando se preparava para deixar o cargo de governador do Rio. Em 5 de fevereiro de 1991, Moreira recebeu, no Palácio Guanabara, sede do governo estadual, os principais capi da contravenção carioca a pretexto de discutir a cessão de um terreno para o Museu do Samba. No dia seguinte, o Jornal do Brasil estampava na primeira página foto do então governador abraçado a um deles, enquanto os outros sorriam. “Aos cem anos do jogo do bicho (…), os principais próceres desse ramo no Rio perpetraram ontem seu mais espetacular feito, até agora, em matéria de reconhecimento, ao serem recebidos, com todas as honras, no Salão Verde do Palácio Guanabara, pelo governador Moreira Franco”, noticiou o JB.

Para que o espetacular feito não subisse de hierarquia de palácio, do Guanabara para o Planalto, os contraventores foram substituídos na reunião com Temer. Mesmo assim, basta conhecer a configuração das escolas para saber que metade delas é comandada por contraventores, com extensa folha corrida. A Mocidade enviou seu vice-presidente no lugar de Rogério Andrade, sobrinho de Castor de Andrade, o mais famoso e folclórico bicheiro do Rio de Janeiro, morto, por causas naturais, em 1997. Rogério foi condenado, em 2006, a dezenove anos e dez meses de prisão pelo assassinato de Paulinho de Andrade, filho de Castor, em disputa por pontos de jogo do bicho, e está solto por um habeas corpus. Já a Beija-Flor, comandada pela família Abraão David – cujo patrono, Anísio, foi condenado em 2016 a vinte e cinco anos de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção ativa – foi representada por Almir Reis, que ocupa a vice-presidência. Na Grande Rio o comandante Jayder Soares – cujo filho, Yuri Soares, conhecido como “filho do dono”, foi envolvido em 2012 em operação contra o jogo do bicho – tem o cargo de “presidente de honra”, de modo que o presidente de direito, Milton Perácio, figurou sem constrangimento. Portela, Salgueiro e Mangueira levaram seus presidentes, sem envolvimento em contravenção: Luis Carlos Magalhães, Regina Célia e Francisco de Carvalho, o “Chiquinho da Mangueira”, deputado estadual pelo PMN. Pela Liga das Escolas de Samba embarcou, além do presidente, o empresário português Fernando Horta, da Unidos da Tijuca. O trio Anísio Abraão David, Capitão Guimarães e Luizinho Drumond, que dá as cartas na liga – sobretudo os dois primeiros, condenados diversas vezes por envolvimento com jogos de azar –, foi convenientemente excluído da comitiva. Era preciso cuidado com a forma, enfim, ao se tratar com um governo repleto de acusados de corrupção, por mais que boa parte da comitiva tivesse raízes na contravenção.

 

Com um número grande de participantes, a reunião com o presidente da República durou cerca de vinte minutos. Começou às dez e meia da manhã. Temer estava acompanhado do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. O presidente abriu o encontro com palavras protocolares. Sucedeu-lhe o presidente da Liesa, Jorge Castanheira, com exposição de cinco minutos sobre a importância da reunião para o futuro do Carnaval. Milton Cunha então convidou-o a assistir aos desfiles no Sambódromo. Em tempos mais amenos, seria uma gentileza própria à formalidade do encontro. Em tempos de incertezas e crise política, a oito dias de um fato que poderia tirá-lo da cadeira em que se sentava, soou como uma aposta política pragmática. “Fico honrado com o convite”, respondeu Temer. Minutos depois, a comitiva acompanhou o presidente na posse de Sá Leitão, no auditório do Palácio.

Foi nesse momento, quando o tornava oficialmente ministro, que o presidente proferiu, em seu discurso, a frase que os homens do Carnaval queriam ouvir: “E aproveito desde já, viu, Sérgio? Você sabe que o Carnaval faz parte da cultura brasileira. Da cultura e do turismo. Ainda há pouco eu recebia os senhores presidentes das escolas de samba. Ajude-os. É preciso ajudá-los com o apoio do governo, trazidos que foram pelo deputado Pedro Paulo e pela Cristiane Brasil, que é entusiasmada pelo tema”, disse Temer. A menção a Cristiane Brasil foi proposital. Ela fizera sua mágoa chegar a Temer.

Nada passava ainda de promessa, sem prazos, valores, contrapartidas. E, principalmente, de onde viria o dinheiro. O próprio Sá Leitão, em entrevista coletiva, disse ser precipitado antecipar informações. No mesmo dia, com repercussões da promessa de apoio em redes sociais, a imprensa começou a noticiar que governo federal daria 13 milhões de reais às escolas de samba, como se fosse decisão tomada – um valor que ainda não se confirmou. Pedro Paulo era a fonte mais citada.

Mas o agrado à base – assim como as emendas do orçamento liberadas aos aliados – mostrou-se eficaz dias depois. A maioria da bancada peemedebista do Rio votou pelo arquivamento da denúncia contra Temer no Supremo Tribunal Federal (STF). Dos onze deputados, sete apoiaram o presidente, com uma ausência. Cristiane Brasil, dona da ideia do apoio federal ao Carnaval carioca e que acabou preterida, também votou pelo arquivamento.

Com o clima político mais calmo, Brasília começou, aí sim, a formalizar a ajuda ao Carnaval – com Moreira Franco como um dos seus principais articuladores. Para dar ao apoio um verniz mais social e econômico e vinculá-lo ao pacote de ajuda ao Estado do Rio, o ministro montou uma equipe com as pastas do Turismo, da Cultura, do Esporte e com a Embratur para estudar formas menos impopulares de dar suporte às escolas de samba. Caberá às agremiações justificar a captação dos recursos. E aos órgãos de turismo e esporte montar calendários de eventos até dezembro de 2018.

Enquanto isso, no Rio, tudo indica que o próximo desfile terá forte conotação política. O enredo da Mangueira para 2018, intitulado “Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco”, do carnavalesco Leandro Vieira, critica o corte de verbas. Isso não impediu que dois membros de destaque da administração Crivella participassem do concurso de samba-enredo da escola. Índio da Costa, secretário de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação, possível candidato ao governo do Rio em 2018, e Daniel Pereira, assessor de imprensa do prefeito, criaram samba-enredo para a Mangueira, e disputam para que seja o escolhido. Pereira tem experiência no assunto: já ganhou dezenas de sambas em blocos e, por muito tempo, foi cronista de Carnaval do jornal O Dia. “Quem manda é o povo/E não há quem possa/A Sapucaí é nossa”, aponta trecho da letra. O prefeito soube com antecedência da participação dos asseclas. E não se opôs.

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