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    “Sempre colocarei o interesse dos americanos em primeiro lugar. Mas 'América primeiro' não significa América sozinha”, disse Trump no fórum promovido pelas mil maiores transnacionais do planeta FOTO: REPRODUÇÃO

questões geopolíticas

Trump minimiza protecionismo para conquistar Davos

Em um ambiente de ostentação tão familiar quanto o de seu clube de golfe, o presidente dos Estados Unidos empenhou-se em afastar a aura de isolacionista radical

Roberto Lameirinhas | 26 jan 2018_20h14
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Em um ano à frente dos Estados Unidos, Donald Trump provavelmente se converteu no símbolo de alguém que o restante do mundo gostaria de evitar. Assim como o Fórum Econômico Mundial – promovido e financiado pelas mil maiores transnacionais do planeta, em Davos, na Suíça –, ele simboliza o “capitalismo selvagem” para dez entre dez grupos de ativistas antiglobalização e antissistema. Mas, símbolos remetem a imagens que quase nunca resistem à realidade.

No discurso desta sexta-feira no resort suíço, Trump empenhou-se como nunca para desfazer-se da aura de isolacionista radical e de adversário das práticas de liberdade de mercado que nortearam a fundação dos Estados Unidos em 1776. “Creio nos Estados Unidos e sempre colocarei o interesse dos americanos em primeiro lugar. Mas ‘América primeiro’ não significa América sozinha”, discursou diante de uma plateia normalmente crítica a ele por suas decisões contrárias ao multilateralismo econômico e político. Entre essas práticas estão as que retiraram Washington do protocolo comercial da Parceria Trans-Pacífico (TPP, pelas iniciais em inglês) e do Acordo de Paris sobre o Clima, de 2015, destinado a reduzir os efeitos do aquecimento global.

É muito provável que, se pudesse escolher, Trump não gostaria de se dirigir a esses críticos. A aversão do magnata republicano a opiniões que contrariam sua visão de mundo é notória e se fez presente mesmo em Davos, quando, na sessão de perguntas, acusou a imprensa de ser “desagradável”, “perversa” e “falsa”. Foi vaiado. Ele se referia a uma reportagem do New York Times, segundo a qual cogitou a possibilidade de demitir Robert Mueller, o promotor especial que investiga a participação da Rússia em sua campanha eleitoral de 2016.

Mais provavelmente ainda, a maior parte dos líderes globais que participaram do encontro preferiria dar as costas a ele. Mas tanto o mundo quanto Trump e sua trupe têm de enfrentar o que a mídia americana passou a chamar de “dilema de Davos”. Ou seja, nem Trump pode fechar os Estados Unidos a ponto de transformá-los numa espécie de Coreia do Norte equipada com Disneylândia, nem o restante do mundo pode ignorar a maior economia do planeta. Assim, com suas idas e vindas, segue o minueto retórico.

“Apoiamos o livre-comércio, mas os Estados Unidos não seguirão ignorando práticas comerciais injustas”, discursou Trump em um dos pontos do morde-e-assopra. Ele justificava a suspensão da participação do país em tratados globais de redução de tarifas alfandegárias e defendia a adoção de “acordos bilaterais equilibrados”. “Quando os Estados Unidos crescem, o mundo cresce. E o crescimento americano já criou e continuará criando empregos em todo o mundo.”

 

Odiscurso de Trump foi o primeiro de um presidente americano em Davos desde 2000, quando Bill Clinton esteve por lá defendendo iniciativas políticas e comerciais globalizadas e de “terceira via” – nem estatizantes nem completamente desregulamentadas. No caso do atual líder de Washington, o discurso se dirigia menos ao que se convencionou chamar de “grandes linhas gerais” e mais particularmente para desconfiados dirigentes de potências europeias, como a alemã Angela Merkel e a britânica Theresa May. Com ambas Trump chegou a trocar farpas pelo Twitter por questões relacionadas às políticas europeias de segurança e imigração.

O pronunciamento do republicano se deu num ambiente familiar a ele, como apontou a New Yorker. O cenário do resort suíço lembraria a atmosfera de luxuosa ostentação de seu clube de golfe de Mar-a-Lago, na Flórida. Por ali Trump poderia transitar mais à vontade entre alguns representantes dos shitholes, como se referiu duas semanas antes a países como Haiti e El Salvador, em uma reunião em Washington sobre questões de imigração.

Para o Brasil – ainda não se sabe ao certo se o país está incluído ou não na lista de shitholes de Trump –, o discurso do líder norte-americano muda pouco a realidade das relações entre os países. Como não há nenhum pacto de comércio bilateral entre Brasília e Estados Unidos (membros do Mercosul só poderiam firmá-lo no âmbito do bloco), dificilmente se reverterá a tendência de a China se manter como principal parceira comercial do país. O mercado chinês absorve 21,8% das exportações brasileiras, enquanto os Estados Unidos compram 12,3% dos produtos ofertados pelo país.

Aparentemente, nem mesmo o otimismo do presidente Michel Temer – que atribuiu a seu discurso em Davos a alta da Bovespa e a queda do dólar, no dia 24 (mesmo dia da confirmação da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva) – deve atrair a atenção de Trump para o Brasil. “Diplomatas brasileiros não sabem nem mesmo a quem se dirigir em Washington”, diz um funcionário do Itamaraty. “O problema maior não é nem a dificuldade de diálogo, mas a total ausência de interlocutores.”

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