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Nascimento, vida e morte de um factoide

A entrevista de Gleisi Hoffmann à Al Jazeera: de “ameaça terrorista” ao fim de investigação por falta de o quê investigar

Camila Zarur | 27 abr 2018_23h48
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Logo que a senadora Gleisi Hoffmann, presidente do Partido dos Trabalhadores, publicou em seu Facebook uma entrevista que concedeu à emissora Al Jazeera, na tarde de 17 de abril, milhares de usuários antipetistas dedicaram-se a propagar na rede uma outra versão falsa – do que ela havia dito. No vídeo de pouco menos de 3 minutos postado em sua página, Hoffmann falou sobre a “prisão política do ex-presidente Lula”, “um grande amigo do mundo árabe”, afirmou. A reação veio na manhã seguinte: páginas como a do Movimento Brasil Livre, do Movimento Contra a Corrupção e do Movimento Avança Brasil acusavam a petista de “ameaçar a segurança nacional” ou, segundo um post do MBL visto por 1,1 milhão de pessoas e compartilhado por 21 mil, de “convocar o ‘mundo árabe’ a se juntar na luta pelo bando do PT”. Nascia ali, em meio a posts islamofóbicos e extremistas, um factoide que permaneceria na rede durante dez dias, até finalmente desaparecer.

O auge da notícia falsa no Facebook veio nos dias seguintes à entrevista da petista, entre 18 e 22 de abril. Só o MBL dedicou seis posts ao tema da “convocação” ao mundo árabe, compartilhados por 51 mil pessoas. Em uma das postagens, o youtuber do grupo, Arthur “Mamãe Falei”, expõe o que seria o “motivo” para Hoffmann aparecer na emissora do Catar. “Você acha que ela tá pedindo o que indo ali? Um abraço? Ou ela está sugerindo que grupos terroristas armados dêem um jeito na nossa soberania nacional?”, disse, no vídeo publicado em 20 de abril. O ex-ator pornô e ativista político Alexandre Frota, que costuma replicar as postagens desses grupos, publicou um vídeo – compartilhado 62 mil vezes – em que o locutor diz “humilhar” Hoffmann, ao tratar da prisão de Lula. Já em uma publicação do Movimento Avança Brasil também vista 62 mil vezes, o integrante do grupo Bruno Joseen afirma que para se ter voz na Al Jazeera “é preciso ter uma forte ligação com grupos terroristas”.

No dia seguinte à postagem da entrevista da presidente do PT, a versão extrapolou a rede social e foi parar no Congresso, pelas mãos de parlamentares oposicionistas. Em sessão do Senado no dia 18, a senadora Ana Amélia (PP-RS) acusou Hoffmann de violar o artigo oitavo da Lei de Segurança Nacional, que proíbe cidadãos de “entrar em entendimento ou negociação com governo ou grupo estrangeiro para provocar guerra ou atos de hostilidade contra o Brasil”. A postagem da acusação de Ana Amélia chegou a 640 mil visualizações no Facebook.

Outro senador a falar do caso na rede foi Ronaldo Caiado (DEM-GO). Transmitindo ao vivo uma entrevista no Congresso, sua publicação foi a mais popular entre políticos que se manifestaram sobre o tema replicada pelo MBL, chegou a 464 mil visualizações. “Acho de uma irresponsabilidade ímpar de uma pessoa que se acha no direito de pedir a intervenção de outros países sobre uma democracia consolidada”, diz o parlamentar, no vídeo. “O que eles queriam é imaginar que podiam amanhã entrar aqui com seus cubanos, que hoje praticam os assassinatos de todo grau de violência contra o povo venezuelano”.

A essa altura, a interpretação da entrevista de Hoffmann já era ridicularizada por grupos contrários aos antipetistas. “Al Jazeera = canal de tevê; Al Qaeda = grupo fundamentalista; Al Fafa = alimento para quem confunde os dois”, foi um dos deboches que viralizaram na rede. Alguns políticos também zombaram. “Senadora, deixe sua islamofobia de lado e não confunda a Al-cione com a Al Qaeda, por favor”, escreveu Robério Paulino, do PSOL do Rio Grande do Norte.

Veículos de comunicação, por outro lado, tratavam o factoide como notícia. “Senadora critica vídeo do PT à TV árabe e provoca discussão no Senado”, publicou O Globo. “Após vídeo para TV do Catar, Gleisi e Ana Amélia trocam acusações”, escreveu o Estadão. Um roteiro de repercussão de factoides que se repete e, à medida em que se aproximam as eleições, tende a tornar a acontecer.

Animado com a popularidade da versão falsa, o deputado federal Major Olimpio (PSL-SP) foi além e protocolou uma representação contra a petista na Procuradoria-Geral da República, afirmando que o PT “colocava o Brasil em risco”, já que a “Al Jazeera é veiculada onde há muitos grupos terroristas”. O vídeo em que Olimpio anunciava a ação na PGR foi visto por 246 mil pessoas.

A investigação da Procuradoria foi aberta na quarta-feira, 18 de abril, e levou oito dias até, finalmente, nesta quinta-feira, 26, ser arquivada. “O que foi dito pela presidente do PT, senadora, é um discurso político, em legítima manifestação de seu pensamento e de sua opinião. Sua manifestação não caracteriza conduta típica, punível e culpável, em nenhuma das inúmeras hipóteses veiculadas nas normas supra transcritas. Nem em qualquer outra norma”, escreveu o vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia. O boato, por fim, começava a receber sua pá de cal.

Uma análise na ferramenta Google Trends, na tarde desta sexta-feira, revela os últimos momentos do factóide. As buscas com os termos “Gleisi Hoffmann” e “Al Jazeera” atingem o ápice em 19 de abril. No dia seguinte, já sofrem uma queda de 85%. O último suspiro da notícia falsa foi dado nesta sexta-feira, dia 27, quando os jornais publicaram o arquivamento da representação na PGR. Em um post de revolta à rejeição da Procuradoria, Alexandre Frota comentou: “Você acha que a PGR trata os políticos do PT da mesma forma que os de outros partidos?” Até a publicação deste texto, o post havia sido compartilhado por apenas 81 pessoas míseros 0,13%, na comparação com a postagem de Frota feita no auge da propagação do factoide.

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