Sexta-feira, 6 de novembro, 6h30, hora de Brasília: a CNN anuncia que Joe Biden passou à frente de Donald Trump na Geórgia, estado que vinha elegendo candidatos republicanos desde 1996. Horas depois, Biden também superou Trump na Pensilvânia, onde o atual presidente venceu, em 2016, a então candidata democrata Hillary Clinton.
Sábado, 7 de novembro: Biden mantém a liderança no Arizona e em Nevada, além da Geórgia e da Pensilvânia, já tendo assegurado 253 votos do total de 270 necessários para ser eleito pelo colégio eleitoral. É razoável supor, portanto, que o candidato do Partido Democrata será o 46º presidente dos Estado Unidos a partir de janeiro do próximo ano, apesar da incerteza que permanece no momento em que escrevo.
A expectativa de os Estados Unidos se livrarem do bufão irresponsável e mentiroso que os preside há quase quatro anos é uma esperança de que a decência irá prevalecer à frente do poder Executivo americano. A tarefa de Biden, confirmada sua vitória, será, porém, imensa – em primeiro lugar, reverter o descontrole da pandemia que alcançou mais de 10 milhões de casos nos Estados Unidos, passando de 125 mil por dia, e ultrapassando ao todo 238 mil óbitos. Isso, sem negligenciar a necessidade urgente de recuperar a economia.
No Brasil, cogita-se que um novo presidente americano poderá influenciar a política externa e do meio ambiente do desgoverno federal, levando você sabe quem a substituir os ministros das duas pastas. Cético a esse respeito, não creio que essa eventual troca faça tanta diferença assim. Cabe a nós elegermos, por nós mesmos, um presidente da República que não seja, ele também, um bufão irresponsável e mentiroso com menos poder do que o seu ídolo, mas ainda assim capaz de fazer grandes estragos.
Dados disponíveis no sábado de manhã (7/11) indicam mais de 162 mil mortes e de 5,6 milhões de casos diagnosticados de Covid-19 no Brasil, sem incluir boletins de cinco estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Amazonas, Santa Catarina e Amapá). A média móvel de óbitos teve redução de 24%, chegando a 353 nos últimos sete dias, indicando tendência de queda, enquanto a média móvel de casos caiu 28%, atingindo 16.140 por dia, igualmente em tendência de queda. Esses números não indicam, porém, que a pandemia esteja controlada no país, devendo-se manter a cautela e seguir os protocolos recomendados.
Sábado, 7 de novembro, 13h24, hora de Brasília: Wolf Blitzer, da CNN Internacional, anuncia que “Joseph R. Biden Jr. está eleito 46º presidente dos Estados Unidos”. A notícia é baseada na projeção de que ele ganhará na Pensilvânia. A vitória no estado em que nasceu lhe dará 273 votos, três a mais do que o necessário para ser eleito no colégio eleitoral. Ou seja, Biden acaba de ser proclamado presidente da República por um canal de televisão, prática usual por lá, mas nem por isso menos extraordinária.
Van Jones, comentarista da CNN, chegou às lágrimas enquanto seus colegas, em geral mais comedidos, manifestaram júbilo contido pela vitória de Biden. A exceção foi o ex-senador Rick Santorum, que perdeu para Mitt Romney o lugar de candidato do Partido Republicano à Presidência em 2012. Santorum defendeu com lhaneza sua posição conservadora e não deixou ninguém esquecer que Trump teve mais de 70 milhões de votos na eleição popular (cerca de 4 milhões a menos do que Biden) – número espantoso, incompreensível mesmo, tanto quanto o índice de bom e ótimo do governo do ocupante provisório do Palácio da Alvorada, acima de 40%, em pesquisa recente. Seguiram-se buzinaços e comemorações efusivas nas ruas de várias cidades americanas que seguiram noite adentro.
A celebração da vitória na Praça Black Lives Matter (Vidas Pretas Importam) e em torno da Casa Branca, verdadeira catarse coletiva, suscitou a lembrança dos protestos no mesmo local, há cinco meses, contra o assassinato de George Floyd por um policial de Minneapolis. As manifestações contra a brutalidade da polícia e a discriminação racial ficaram conhecidas com o apelo final de Floyd – “Eu não consigo respirar” – e devem ter contribuído para a derrota de Trump na eleição presidencial.
Cura (dos Estados Unidos) e união (dos americanos), temas de campanha que Biden repetiu em seu discurso no sábado à noite, só chegarão a bom termo quando o racismo arraigado e a desigualdade social da sociedade americana deixarem de ser predominantes – encargo fora de alcance até mesmo de um político bem-intencionado.
A persistência do racismo estrutural e da desigualdade socioeconômica, fatores básicos da crise americana, fica patente ao assistir a 17 quadras (2019), de Davy Rothbart, exibido na recente 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em que foi escolhido melhor documentário e recebeu o Troféu Bandeira Paulista. As quadras do título se referem à distância que separa a região sudeste de Washington DC do Capitólio dos Estados Unidos, local de reunião do Congresso, sede da Câmara dos Representantes e do Senado – apenas dezessete quarteirões, cerca de 4,5 km que podem ser percorridos em 60 minutos a pé, ou em 20 minutos de metrô, mas que mantêm representantes e senadores distantes das dificuldades de moradores pobres da capital. Foi nesse bairro que quatro gerações da família Sanford começaram a ser gravadas e a fazer algumas gravações de si mesmas, em 1999. Primeiro com uma câmera de vídeo, depois com equipamento digital, emprestados por Rothbart. Das mil horas registradas de modo intermitente até 2018, o diretor e a montadora Jennifer Tiexiera escolheram 1 hora e 36 minutos que acompanham a vida cotidiana de Cheryl e seus três filhos, Denice, Smurf e Emmanuel. Ao longo de vinte anos, 17 quadras faz a crônica da história familiar dos Sanford, incluindo um assassinato, envolvimento com drogas, um estupro coletivo no Rock Creek Park, a vontade de ser um policial, e os tormentos da matriarca.
No final do documentário, antes dos créditos, legendas informam que a família de Emmanuel, assassinado em casa por um assaltante em dezembro de 2009, dedica o filme às vítimas de homicídios em Washington DC que perderam a vida após a morte dele. Segue-se a extensa lista dos nomes.
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Estreou nesta segunda-feira, 9 de novembro, no Canal Brasil, às 17h30, Amores Cubanos, série de treze episódios, de Alice de Andrade. A reprise do primeiro episódio pode ser vista amanhã (12/11), às 13h35, ou sexta-feira (13/11), às 7 horas.
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A Febre, de Maya Da-Rin, estreia amanhã, quinta-feira, 12 de novembro, após uma carreira triunfal, no ano passado, em festivais mundo afora, tendo recebido diversos prêmios de melhor filme e melhor direção, além de outros. O filme estará disponível ao mesmo tempo no streaming (Net Now, Vivo Play e Oi Play). Estão programadas atividades voltadas para o público indígena, coordenadas pela curadora Naine Terena. Exibições remotas serão feitas em algumas aldeias. Haverá tambémum ciclo de conversas com pensadores indígenas e não indígenas debatendo o filme e assuntos correlatos.
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Na próxima terça-feira, 17 de novembro, às 11 horas, Piero Sbragia, Juca Badaró e este colunista conversam ao vivo, no canal 3 em Cena, com Orlando Senna, diretor, roteirista e professor que se prepara para oferecer uma oficina virtual dirigida a contadores de histórias. O acesso à conversa de terça-feira, dia 17 de novembro, às 11 horas, que versará também sobre a filmografia de Senna e novas formas de desenvolver narrativas, poderá ser feito através do link https://youtu.be/BswBDEgSa-M .
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O Forumdoc.bh, um dos mais importantes festivais de cinema do país, terá lugar de 19 a 28 de novembro, integralmente online e gratuito. A programação completa está para ser divulgada breve no site do Festival.