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    ILUSTRAÇÃO: PAULA CARDOSO

questões científico-comportamentais

84 milhões de distraídos conectados

Taxa de adultos com smartphones no Brasil salta de 15% a 54% em cinco anos, aponta pesquisa do Pew Research Center

Yasmin Santos | 26 jun 2018_16h20
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Assim que acorda, Marilza Gomes distribui mensagens de bom dia para os seus contatos no WhatsApp. Só ficam de fora os que não visualizaram a imagem ou vídeo do dia anterior. Depois que saúda a todos, larga o celular para começar o dia. Aposentada desde 2013, cuida da casa, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, e de seus pais, que moram em Paciência, bairro vizinho. Também toma conta do marido, Paulo César, e de Branquinho, o cachorro-xodó da família. As atividades domésticas ela exerce há anos, mas os hábitos digitais adotou mais recentemente. Em janeiro de 2016, seu celular anterior, sem internet, deu o último suspiro. Por sugestão de uma vendedora, voltou da loja da operadora para casa com um smartphone – e com uma nova rotina.

A funcionária pública aposentada faz parte dos mais de 84 milhões de brasileiros adultos acima de 18 anos que têm smartphone – o equivalente a 54% da população desta faixa etária. Em 2013, eram 15% dos adultos, de acordo com uma pesquisa divulgada na semana passada pelo Pew Research Center. A taxa quase dobrou a cada ano nos últimos cinco anos: em 2014, 24% dos brasileiros com mais de 18 anos possuíam celulares com internet, e, no ano seguinte, já eram 41%.

Com a popularização dos smartphones, vem também uma mudança nos costumes. Segundo o mesmo estudo, 90% dos brasileiros com idades entre 18 e 36 anos acessam “ocasionalmente” a internet. Entre pessoas acima de 37 anos, o volume é de 57%, segundo a pesquisa. O uso das redes sociais também aumentou entre adultos (acima de 18 anos) no país, de 36% em 2013 para 53%, no ano passado. Aos 60 anos, Marilza Gomes, por exemplo, gasta mais de oito horas por dia no celular – além do WhatsApp, passa boa parte de seu tempo de olho no feed de notícias do Facebook.

O crescimento reflete o avanço tecnológico dos aparelhos e do acesso à internet. Comprado em 2015, o notebook de Marilza Gomes só é ligado na primeira quinzena de cada mês, que é quando ela imprime boletos bancários. As receitas de guloseimas, antes buscadas pelo computador, hoje são consultadas via celular. E o modo de aprendê-las mudou. Se antes a procura era por texto, agora ela assiste a vídeos no YouTube.

Portáteis e mais baratos, os celulares estão tomando a frente dos computadores no país, como mostrou a Pesquisa Brasileira de Mídia de 2016, feita pelo Ibope. Segundo o estudo, o número de pessoas que acessavam a internet usando principalmente o computador caiu de 77% em 2014 para 25% em 2016. No mesmo período, o uso do celular disparou de 19% para 72%. A TIC Domicílios 2016, pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil sobre o uso de tecnologias de comunicação, mostrou que não mais de 10% das famílias com até um salário mínimo têm computador de mesa ou portátil em casa. No mesmo recorte, 84% têm telefones celulares – sem distinção entre aparelhos mais simples e smartphones. A diferença diminui entre famílias com renda superior a dez salários mínimos: 41% delas têm computadores de mesa, e 82% têm notebooks em casa. Dos domicílios desta faixa de renda, 99% têm celular.

A proporção de pessoas com smartphones em outros lugares da América Latina, de acordo com a nova pesquisa do Pew Research Center, é semelhante à do Brasil. Em um conjunto de seis países analisados (México, Chile, Venezuela, Peru, Colômbia e Argentina), 54% dos adultos têm celular com internet. Já em países mais ricos, como Canadá, Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido, são mais de 70% dos adultos. Na Índia, em contraste, o número de pessoas que possuem smartphones é de 22% e, em países da África subsaariana, não ultrapassa 35%.

Marilza Gomes ainda ouve o rádio pela manhã enquanto cuida de Branquinho e, à tarde, liga a televisão. Para se comunicar com o marido ou a comadre, passou a mandar mensagens. Ligação só em último caso. Ela não compra mais jornal impresso aos domingos, muito menos em dias úteis – um hábito que era quase sagrado. As reportagens que lê vêm por links no WhatsApp ou compartilhadas no Facebook. Os livros de caça-palavras que comprava nas bancas de jornal foram substituídos por um aplicativo no celular, no qual gasta mais de duas horas diárias. Em vez das revistas impressas, ela agora lê as fofocas sobre celebridades em um aplicativo. E as fotografias dos encontros familiares ficam todas arquivadas no celular, demoram a ser impressas – quando o são.

Entre uma atividade e outra, os olhos de Gomes se voltam para a tela de pouco mais de dez centímetros. É a sua distração dentro de casa. O pacote de dados 3G faz parte de seu plano pós-pago, mas ela raramente usa o celular na rua. Deixa-o guardado sempre na bolsa. Sentada na sala de espera de um consultório, prefere assistir à tevê ou entreouvir a conversa dos que estão ao redor. É desses momentos que se vale para argumentar que não pode ser considerada “viciada” em celular.

Muitas vezes, porém, mesmo que não busque ativamente o aparelhinho – assim como não o procurou na loja – não consegue evitá-lo. Por volta das 15 horas do último domingo, uma nova mensagem chegou ao seu WhatsApp. Sem abrir o aplicativo ou olhar o remetente, Marilza Gomes mostra a notificação para a repórter: “Tá vendo? Essas coisas ficam me fazendo parar e olhar. Toda hora uma mensagem.”

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