Com dinheiro contado e atividades mis, Leonardo integra uma equipe que transporta presos na região do Recife. Entre missões que emperram por bagunça administrativa, ele conseguiu casar e operar o apêndice na mesma semana FOTO: BETO FIGUEIROA
De veterinário a agente
O chato de ser agente penitenciário é ter que ficar escutando os presos se vangloriando dos crimes que cometeram
Leonardo Ferreira de Lira | Edição 31, Abril 2009
Não é todo dia que um agente penitenciário – como passaram a ser conhecidos os antigos carcereiros – se habilita a escrever um diário. Mas LEONARDO FERREIRA DE LIRA, de 31 anos, costuma fazer várias coisas inusitadas ao mesmo. Apesar de formado em veterinária, ele prestou concurso na área de segurança pública, e trabalha há nove anos como agente penitenciário. Desde 2006 faz escolta e transferência de presos da capital de Pernambuco para todo o Brasil. Também dá aulas de jiu-jítsu, faz pós-graduação em segurança pública e participa de um programa para bolsistas do governo
SEGUNDA-FEIRA, 26 DE JANEIRO
6:00H_O celular da minha noiva, Paula, desperta com uma voz dizendo aos berros: “Vamos levantar, escovar os dentes.” Fico um pouco mais na cama. Fui dormir tarde ontem porque queria rever na televisão os melhores momentos do meu time, o Náutico. Vamos nos casar dentro de nove dias.
Esse é o nosso terceiro final de semana morando juntos, no apartamento que ela financiou pela Caixa Econômica. Antes, morávamos com minha mãe e minha avó. Meu pai mora com minha irmã e meu cunhado.
Meu carro está no conserto desde o mês passado, quando dois bandidos me roubaram. Era madrugada. Paula e eu tínhamos saído para comer um sanduíche perto de casa. O carro foi achado poucas horas depois, com uma batida do lado direito. A minha pistola, que pertence ao Estado, estava escondida embaixo do banco. Foi localizada no dia seguinte em um terreno abandonado. Recuperamos a arma graças a informações obtidas dentro do presídio.
7:40H_Estou escrevendo da Gerência de Operações de Segurança (GOS). Minha escala de trabalho é de 12 por 60: trabalho 12 horas e folgo as 60 horas seguintes. Existe uma escala extra, opcional, de mais 96 horas a serem distribuídas dentro do mês, incluindo um fim de semana.
Sempre que temos alguma missão logo cedo, somos avisados na véspera. Ontem eu estava no culto evangélico quando me avisaram por celular para chegar bem cedo. Fui verificar a viatura, uma Mercedes Sprinter, com um xadrez onde cabem oito detentos e tem lugar para mais seis agentes.
Hoje seria dia de levar um preso do Presídio Professor Aníbal Bruno, a oeste do Recife, para uma audiência na comarca de Itapissuma, no litoral norte do estado. Peguei o cinto com minha algema e o coldre, minha camisa preta com o nome da GOS e meu colete. O chefe do plantão avisou que à tarde teríamos outra missão: levar ao fórum os integrantes de um grupo de extermínio do agreste. Peguei uma pistola Taurus calibre ponto 40, conferi o seu número e a munição, assinei o livro, carreguei a arma, deixando uma bala na agulha, e depois recuei o cão com a trava de segurança. Dois da nossa equipe (somos quatro) vieram com metralhadoras e coletes à prova de bala.
9:00H_Justo quando chegávamos em frente ao presídio, fomos avisados da mudança de planos: deveríamos, antes, levar outro preso até o aeroporto de Recife para embarcá-lo no vôo das 10:30h. Geralmente quando um preso é transferido para fora do estado ele viaja em avião de linha comercial. Para sua escolta é reservada a última fila de três poltronas juntas. O preso fica algemado o tempo todo, com um pano cobrindo as algemas.
Enquanto esperávamos pelo detento, cruzei com um homicida que a imprensa daqui tinha tornado famoso. No fundo, ele é só um criminoso qualquer, não o monstro descrito pelos jornais. Muitas vezes a propaganda que a mídia faz de certos criminosos é de interesse múltiplo: ganha o detento pela fama de bandidão, ganha a polícia por ter prendido “o cara mais perigoso do pedaço”, ganham os jornais que vendem barbaridade, e ganha a população, que fica aliviada com a ilusão de que não tem mais bandidos nas ruas.
Nosso preso, de seus 45 anos, foi condenado por tentativa de homicídio. Ele era do sertão, tinha ido morar no Rio, e acabou se envolvendo numa briga com um desafeto que tentou agredi-lo com uma foice. Só que foi ele quem acabou enfiando a foice no sujeito. Na época, o delegado carioca garantiu que ele responderia ao processo em liberdade, e que não se preocupasse, porque as testemunhas estavam todas a seu favor. Ele não acreditou e fugiu para Pernambuco. Isso foi há dezenove anos. Três meses atrás, quando foi comprar uma terrinha e puxaram a documentação para fazer o financiamento, descobriram a ordem de prisão.
Voltamos ao presídio para buscar o detento que deveríamos ter apanhado logo cedo, mas ele não foi localizado: segundo o banco de dados, já tinha sido transferido para outra prisão, em Igarassu.
HORA DE ALMOÇO_Igarassu tem uma das melhores comidas do sistema carcerário daqui. Só perde para a do presídio de Limoeiro, no norte do estado. Antigamente, a melhor era a de Caruaru – uma agente penitenciária de lá chegou a levar quentinhas do presídio para jantar em casa. Entrei no portão de Igarassu dizendo Open the door!, com voz de trovão. Os agentes já sabem que sou eu e se divertem. Justo quando nos sentamos para almoçar, recebemos a informação de que nossa missão havia sido cancelada por falta de escolta. Temos um déficit abissal no quadro de agentes penitenciários. Somos menos de 800 homens para mais de 18 mil presos.
Fomos transportar o grupo de extermínio para a capital. Como os detentos eram três homens e uma mulher, e o nosso efetivo era só de quatro homens, precisávamos de reforço. Quando a mesma quadrilha foi presa e levada pela primeira vez ao fórum, tivemos o apoio de um helicóptero, grupos de elite da Polícia Civil e até a Polícia Federal deu suporte. Na época o caso teve cobertura maciça da imprensa, que apresentou o bando como um dos maiores grupos de extermínio de Pernambuco, com possível envolvimento com o PCC. Para sair na tevê, todo mundo se coloca à disposição. Mas depois que a mídia vai embora, deixam os caras com a Gerência de Operações de Segurança mesmo, como se a periculosidade dos indivíduos tivesse acabado.
No fim das contas, nos providenciaram mais uma viatura-furgão com cinco agentes.
12:40H_A audiência estava marcada para as três da tarde; tínhamos algum tempo. Segui a recomendação de Sun Tzu – coma quando puder e se puder descansar, descanse, pois nunca se sabe quando surgirá nova oportunidade – e fui para o alojamento dos agentes. Consegui um colchão no chão.
Depois fui à cantina dos presos comprar chocolates. Passei no meio deles sem demonstrar medo. Alguns me cumprimentam, outros ficam meio de lado, mas nenhum me encara. É diferente de quando comecei no sistema. Eles tentam amedrontar os novatos, encarando a gente como predadores. No começo me sentia desconfortável, mas com o tempo você vai se adaptando. Comprei três chocolates por 2 reais, achei barato. Geralmente na cadeia as coisas são superfaturadas.
Antes de seguir para o fórum, passamos na colônia penal para apanhar a mulher que fazia parte do bando. Ela foi colocada na mesma viatura, isolada no xadrez da esquerda, na presença de uma agente penitenciária feminina, como manda a lei. O desembarque foi rápido e tranquilo, só que fomos informados de que a audiência tinha sido suspensa porque o juiz estava em outra vara.
Os presos são trazidos de volta e um deles reclama por ter sido algemado com as mãos para trás. O cara é empresário e está preso por contratar os serviços do grupo de extermínio. Esses criminosos de colarinho-branco, que não fazem, mas mandam fazer, não querem saber de usar algema. Eu não sou juiz e tenho que seguir o que determina o ofício com o nome dele e o aviso “Reforço”.
16:20H_De volta à unidade, aproveitei o computador e consegui fazer minha inscrição nos cursos do Pronasci. É um programa do governo federal que bonifica em 400 reais por mês, durante um ano, profissionais da área de segurança que fizerem um dos cursos à distância oferecidos. Eu mesmo fiz dois cursos em 2008 e já recebi a segunda parcela da bolsa. Escolhi os temas “Uso Progressivo da Força” e “Criminologia”. Já fiz “Formação de Formadores” e “Direitos Humanos”.
Voltei de ônibus para casa. Quando desci na padaria, minha noiva estava esperando para voltarmos juntos. Combinamos duas coisas na nossa rotina: não jantar assistindo tevê e não ter televisão no quarto.
TERÇA-FEIRA, 27 DE JANEIRO
6:35H_Hoje dou aula de jiu-jítsu bem cedo, no horário conhecido como “Treino da Remela”. Sou faixa-preta e pratico há mais de dez anos. Desde 2006 dou aulas num tatame atrás da casa da minha mãe.
11:00H_Saímos para buscar no Centro de Triagem um preso que deveria ser apresentado em Ipojuca, no litoral sul. Quando chegamos para apanhá-lo, soubemos que a audiência tinha sido cancelada.
Seguimos então para o presídio de Igarassu, onde um preso considerado de alta periculosidade estava agendado para apresentar-se à Justiça de Jaboatão, no litoral sul. O calor estava insuportável e de colete parecia pior. Jaboatão tem o pior fórum de Pernambuco. A cela de lá não tem cadeado, é preciso fechar a grade com uma algema, e os presos também são obrigados a permanecerem algemados. O chato é ter que ficar escutando as conversas deles, em códigos, se vangloriando dos crimes que cometeram.
Como as testemunhas de defesa não chegaram, a audiência do nosso preso acabou não acontecendo.
17:10H_Cheguei em casa, lavei a louça, passei uma vassoura e fui tomar banho. Depois peguei meu laptop e entrei na internet. Tenho um HP com 80 gigabytes de memória. Dei uma olhada no Orkut, e-mail e abri os blogs que mais gosto.
20:00H_O tatame estava lotado, com mais de 30 pessoas num espaço de 5 por 4 metros. É quase inviável treinar assim. No ano passado, vários de meus ex-alunos, hoje instrutores, brilharam – um ganhou o Pan, outros dois o Mundial, três saíram vencedores no Brasileiro e vários trouxeram medalhas de segundo e terceiro colocados.
QUARTA-FEIRA, 28 DE JANEIRO
Estou precisando de uma impressora, mas vou deixar passar a correria do casório. Se o novo plano de cargos e salários anunciado pelo governo sair em maio, ou eu for chamado para a Polícia Civil, tento dar uma atualizada no meu computador e comprar a impressora. Preciso muito dele por causa dos concursos e da minha monografia de pós-graduação em Gestão e Políticas de Segurança Pública, paga pelo governo federal.
14:00H_Preparei eu mesmo um macarrão instantâneo, um ovo e bebi um refrigerante. Depois fui estudar e tentar terminar um trabalho para ser entregue dia 30.
18:00H_Fui de ônibus pegar minha filha, Alice Helena, de 4 anos, para jantarmos na casa da minha mãe.
QUINTA-FEIRA, 29 DE JANEIRO
5:50H_Treino da Remela às sete da matina. Depois fui direto para o banco pagar umas contas. A da internet (99,90 reais) estava atrasada. Restituí também 200 pratas na conta da caderneta de poupança, que tinha usado para pagar o plano de saúde, além de 150 reais da contribuição mensal para a minha igreja, a Episcopal Carismática do Brasil. Sempre mantive o hábito de pagar o dízimo. Quando eu dôo a décima parte do que ganho, parece que meu dinheiro rende mais. Acredito na prosperidade por meio da oferenda.
Na GOS ganho 1 400 reais líquidos, além dos 400 da bolsa de formação e outros 300 reais das aulas de jiu-jítsu. O governo paga uma escala extra para quem estiver de folga e trabalhar no Carnaval. São 75 reais por 12 horas de serviço. Em três dias, dá mais de 200 reais. Além disso, sobra uma noite para brincar no Recife Antigo, um Carnaval de rua tranquilo e bem familiar. Vou mascarado, porque não quero ser surpreendido por nenhum desafeto em meio à folia.
Como veterinário eu conseguia ter um rendimento razoável, mas não poderia juntar o bastante para minha aposentadoria. Por isso resolvi voltar a estudar e prestar concurso. De vez em quando, ainda hoje, alguns antigos clientes me pedem para examinar, vacinar e até fazer cirurgia nos animais que acompanhei desde filhotes.
Passei no concurso da Polícia Civil em 2007. Estou esperando ser chamado a qualquer momento. Já tentei concursos para a Polícia Rodoviária e para a Polícia Federal, mas não tive sucesso. Nesse intervalo, surgiu a pós-graduação em Gestão e Políticas de Segurança Pública. São quarenta bolsas. Estou gostando muito e já penso em começar um curso de direito ainda este ano.
10:00H_Recebemos duas missões para hoje: levar um preso do Centro de Triagem para fazer uma avaliação pós-cirúrgica no Hospital da Restauração, e depois levar três detentos até a cidade de Goiana, perto da divisa entre Pernambuco e a Paraíba. No caminho, fizemos uma rápida parada na minha casa para eu pegar meu colete à prova de balas. Nunca o trago comigo no ônibus, pois não dá para sair por aí mostrando que eu sou um agente penitenciário.
Quando chegamos ao Centro de Triagem, fomos informados de que o preso já tinha sido transferido para o presídio de Igarassu, que fica no sentido oposto ao nosso destino. Lá fomos nós e o encontramos na enfermaria. Como nos pediram empenho máximo na missão, pensei que ele devia ser algum bacana. Só que o preso era mulato e magro, não tinha pinta de quem tem grana. Trazia uma cicatriz enorme na barriga e outra menor nas costas. Se todo preso mulato, pobre e de baixa periculosidade acionasse a GOS para ir a um hospital, teríamos que triplicar nosso efetivo e só viver disso. Estranho.
No hospital, outra surpresa. Havia um recado do médico nos aguardando: o leito do preso estava reservado no 7° andar. Leito? Reservado? Estávamos em cinco e com três metralhadoras. Trazê-lo para uma avaliação médica é uma coisa, mas interná-lo num hospital onde há déficit de leito, é outra. Devia ser caso de conhecimento ou influência de alguém de fora. Como ele ia ficar internado, ligamos para a GOS solicitando uma escolta para ele, pois ainda tínhamos outra missão pela frente. Nos sugeriram que dividíssemos a equipe: metade ficaria no hospital, metade seguiria para Goiana. Negativo.
O médico confirmou que o preso teria de ser internado. Puxamos um banco do corredor e sentamos do lado de fora do quarto, com visão perfeita do leito. Algemamos o sujeito à cama para garantir a segurança dos outros pacientes. A GOS ligou dizendo que logo uma equipe viria nos render.
19:30H_Cheguei atrasado na aula de pós-graduação, dada quinzenalmente às quintas e sextas à noite, e aos sábados o dia todo. Quando comecei o curso, minha bagagem na área de humanas era bem limitada. A primeira vez que ouvi o nome de Michel Foucault foi no filme Tropa de Elite. Na classe de hoje, uma delegada defendeu alguns clichês. Definiu os presídios como curso de pós-graduação para o crime, e acusou o Judiciário de soltar os bandidos que ela prende.
SEXTA-FEIRA, 30 DE JANEIRO
Finalmente entregaram meu carro roubado, um Fiat Uno que eu chamo de Bodinho. É o meu primeiro carro zero, economiza na manutenção. Na concessionária eu dividi a franquia do seguro em seis vezes, com entrada de 236 reais. Depois fui apanhar Paula no trabalho. Tínhamos encontro com o pastor da minha igreja para tratarmos do casamento.
Fui educado em colégio evangélico e em boa parte da minha adolescência fui membro de uma igreja batista. Já Paula, apesar da formação católica, nunca se apegou, mas agora está satisfeita com nossas idas à igreja. Não sou nenhum fanático, apenas acredito que os valores defendidos no evangelho de Jesus edificam a humanidade. Percebi que muitos presos usam o evangelho para adquirir certas regalias e, quando voltam para a rua, se esquecem de tudo e retornam ao crime. Mas também vi mudanças de vidas dignas de roteiro de filme.
Quando o pastor nos atendeu, fui direto ao assunto. Perguntei quanto custaria para ele nos abençoar durante um coquetel simples. Ele nos deixou à vontade para contribuirmos com o que fosse possível.
Fomos comprar minha roupa da festa. Encontrei um terno por 199 reais. Comprei sapato, cinto, meia, gravata e duas cuecas, tudo pela pechincha de 300 reais, divididos em quatro vezes no cartão. Depois fui até a Caixa Econômica sacar os 400 reais do Programa Bolsa Formação. Cinquenta reais foram direto para a poupança da minha filha e o restante para quitar contas.
Estamos cortando gastos de todos os lados para fazermos uma festinha legal, só para os mais chegados. Os bonequinhos do bolo custam a partir de 120 reais, dependendo dos detalhes. Ficamos na dúvida em como caracterizar o meu boneco: eu queria um quimono, algemas, maleta de veterinário, livros de concurso e um símbolo do Náutico. Paula reclamou que assim não ia sobrar espaço para ela no bolo. Por conta do preço, ficou assim: eu e ela algemados, um bóton do Náutico no meu terno e um quimono enrolado numa faixa preta na minha outra mão. Paula fica só com um celular em uma das mãos e flores na outra.
DOMINGO, 1 DE FEVEREIRO
Fui à igreja com minha noiva e minha filha, que mora com a mãe. Quando entramos, o culto já havia começado. Hoje também foi dia de clássico no campeonato pernambucano: Náutico x Santa Cruz. O jogo foi na sede do Náutico. Peguei minha camisa, enrolei a bandeira na cintura e fui para o estádio.
Viramos o placar (2 a 1), mas cedemos ao empate. O dia terminou com uma sessão de cinema: O Curioso Caso de Benjamin Button.
SEGUNDA-FEIRA, 2 DE FEVEREIRO
Uma dor abdominal começava a me incomodar. Fui para casa, não estava muito bem. Antes de voltar para o trabalho, passei em um hotel e acertei a noite de núpcias. Pechinchei e fechei um pacote de doze horas, com direito a champanhe, sushi, lençóis de cetim, sais de banho etc. Tudo por 180 reais.
Como meu chefe tinha entrado em reunião, ainda aproveitei para pegar as alianças que eu tinha deixado no joalheiro. A dor de cabeça tinha aumentado brutalmente.
TERÇA-FEIRA, 3 DE FEVEREIRO
O meu mal-estar evoluiu para um quadro de febre. Deixei Paula no ponto de ônibus e fui para o hospital. O médico me colocou no soro com analgésico a manhã inteira, colheram meu sangue para exame e, por volta das 11 horas, fui liberado. Só que quando cheguei ao cartório com minha noiva para assinar a papelada do casamento marcado para o dia seguinte, a dor abdominal se juntou a uma sensação de febre e muito frio. As extremidades dos meus dedos estavam roxas.
Voltei ao hospital e, quando viram o meu semblante, me internaram na hora. Uma dor insuportável contraía meu abdômen. Era apendicite. Expliquei que estava de casamento marcado para o dia seguinte. O médico me olhou admirado e disse que chamaria o cirurgião para ver o que iam fazer. Era caso de operação de urgência. Paula começou a chorar. Para piorar, o chefe da cirurgia foi fazer gracinha dizendo que não se preocupasse, porque havia muitos substitutos para o noivo.
QUARTA-FEIRA, 4 DE FEVEREIRO
Deu tudo certo e os médicos ainda tiveram o cuidado para não cortar a pele em cima da minha tatuagem, um dragão que vai da cintura até a perna. Soube que conseguimos adiar tudo por uma semana: salão de festa, bufê e aluguel do vestido. Só ficou faltando o hotel, que seria uma surpresa para a Paula.
12:00H_Fui para a casa da minha mãe, com uma licença médica de quinze dias. Paula foi ao fórum sozinha para falar com o juiz, e quando estivesse tudo pronto, ela me chamaria. A caminho do fórum, parei para comprar meia dúzia de rosas vermelhas. Cheguei ao corredor central me arrastando. Sentamos um pouco e esperamos o juiz. Depois foi tudo muito rápido e ele nos declarou, finalmente, marido e mulher!
SEGUNDA-FEIRA, 2 DE MARÇO
Voltei a trabalhar no plantão, só não posso dirigir.
TERÇA-FEIRA, 17 DE MARÇO
01:30H_Eu e um colega fomos escalados para transferir um detento para São Paulo, com vôo previsto para as 6:05h. Quando o motorista da GOS ligou, pedi que me trouxesse um par de algemas. Evito usar as que tenho para não ter de desinfetá-las depois do uso.
2:00H_Chegamos no presídio Aníbal Bruno onde os presos haviam passado a noite. Entramos de armas em punho, como de praxe. Por estarmos descaracterizados, sem uniforme, ficamos com medo de sermos confundidos por algum policial da guarita. Nenhum PM da entrada do presídio se ofereceu para nos acompanhar.
2:50H_No aeroporto, deixamos os detentos no xadrez da Polícia Civil e pedimos aos demais agentes que ficassem lá enquanto adiantávamos o check-in. Embarcar com preso e armado é quase sempre complicado. Depois, fomos até a Polícia Federal para desmuniciar as armas e pegar a autorização de viagem.
Uma viatura da Infraero nos deixou próximos à aeronave e embarcamos pela porta traseira antes dos outros passageiros. Os assentos à nossa disposição são sempre os últimos, sendo que o do meio é para o detento. Ele vai algemado, com um pano cobrindo as algemas durante o trajeto. Peço para ele falar conosco apenas o necessário. Não pega bem passageiros e tripulantes verem um policial de conversa mole e risadas com um detento.
“A frota mais moderna do país” dispõe de assentos apertados, principalmente nas cadeiras irreclináveis da última fila. O serviço de bordo melhorou com o fim das barrinhas de cereais, mas ainda deixa a desejar, principalmente num vôo às seis da madrugada, quando estamos famintos. Pedi mais um sanduíche (que tem o diâmetro de uma mordida esfomeada). O detento exala um odor característico de toda cadeia, um cheiro úmido de mofo. Para passar o tempo, eu trouxe uma revista, uns textos de estudo e um sudoku.
Chegando em Guarulhos, desembarcamos pela porta traseira, depois de todos os passageiros. Na delegacia fui falar com o Batata, o chefe do departamento, gente boa. Preso confirmado, documentação conferida e assinada, fomos para o hotel garantir os quartos.
Quero aproveitar a cidade. Na vez anterior que estive em São Paulo fui visitar o MASP e vi a Paulista enfeitada para o Natal. Desta vez, fui conhecer o Museu do Futebol, que é maravilhoso, um show de tecnologia. À noite fomos a um boteco na esquina do hotel.
QUARTA-FEIRA, 18 DE MARÇO
Temos o dia todo para aproveitarmos a cidade. Fomos à rua Santa Ifigênia, a meca dos eletrônicos. Aproveitei para comprar um pen drive. Os colegas pareciam crianças dentro de uma loja de brinquedos e alertei-os de que após o meio-dia a diária do hotel vira. Depois fui com um deles ao Museu da Língua Portuguesa, que me surpreendeu. Nunca tinha visto a nossa língua por essa ótica. Na saída, recebemos um Guia da Reforma Ortográfica.
Fechamos a conta do hotel, fomos atrás de uma faixa preta de jiu-jítsu para mim, e ainda passamos na rua 25 de Março, onde comprei uma bolsa para a Paula.
Chegamos no Recife e minha maior aflição era saber se o Náutico tinha passado para a próxima fase da Copa do Brasil. Assim que pisei em terra firme o motorista confirmou: “Passou. Ganhamos de 2 a 0.”
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