O pastor evangélico Paulo Marcelo Schallenberger tem quase 300 mil seguidores no Instagram e quase 100 mil no Twitter. Mas, convidado para a posse de Lula no Palácio do Planalto, no dia 1º, o religioso se viu praticamente sozinho, não fosse pela presença de sua esposa, Bianca. Sentado em cadeiras dispostas no térreo do Palácio, Schallenberger não conhecia quase nenhum dos quase 2 mil convidados, até avistar o pastor Ariovaldo Ramos, que chegara acompanhado de sua mulher, Eliana. Schallenberger cumprimentou Ramos, pediu para tirar uma foto com ele e elogiou o presidente Lula, cujo desfile no Rolls-Royce presidencial na Esplanada era exibido em telas no Palácio, enquanto os religiosos conversavam.
Os dois pastores estavam entre os raros representantes de igrejas evangélicas na posse de Lula no Palácio. Além deles, compareceram o pastor Henrique Vieira, deputado eleito pelo Psol, considerado uma voz progressista minoritária entre as agremiações evangélicas, e o Pastor Sargento Isidorio, deputado federal reeleito pelo Avante da Bahia e notório por andar pelo Congresso empunhando uma bíblia. Embora seja da Assembleia de Deus, Isidorio não é representante da bancada evangélica e nem fala em nome dos parlamentares ligados às igrejas. Tem atuação legislativa tímida, embora tenha atraído a atenção da opinião ao defender posições heterodoxas, como a possibilidade de haver uma “cura gay”, que ele diz ter, inclusive, experimentado, e a criação do “Dia do Hétero”. Deputado federal pela Bahia, estado que deu a Lula 72% dos votos, Isidorio fechou os olhos para qualquer orientação da igreja e desde o início da campanha declarou apoio ao petista. Estava no Congresso e no Palácio durante a posse.
O cantor gospel Kleber Lucas cantou durante a posse. Fez um show no Festival do Futuro, o evento organizado pela primeira-dama Rosângela Silva para animar os eleitores que compareceram a Brasília para a posse. À noite, tanto Lucas quanto Schallenberger, Ramos, Vieira e Isidorio foram convidados para a tradicional recepção no Palácio do Itamaraty, onde o presidente e o chanceler receberam as autoridades. Ao chegar ao local, Lucas foi tietado por fãs logo na entrada do prédio — tratava-se de funcionários da posse que eram cristãos e acompanhavam seu trabalho musical.
Nomes evangélicos que frequentavam ativamente as imediações palacianas no governo Bolsonaro não foram vistos na posse de Lula. Os pastores Silas Malafaia e Marco Feliciano são abertamente opositores do petista e trabalharam para que ele fosse derrotado. Não foram convidados. Marcos Pereira, deputado federal e presidente do Republicanos, partido da Igreja Universal, tampouco marcou presença nos eventos, embora tivesse sido chamado. Ficou em São Paulo para a posse de Tarcísio de Freitas como governador, de quem é aliado. O pastor Estevam Hernandes e sua esposa, a bispa Sonia, da Renascer em Cristo, eram presenças constantes no Palácio nos anos Bolsonaro, mas, como são críticos de Lula, não estavam na lista de convidados.
Schallenberger, que foi da Assembleia de Deus por mais de vinte anos, disse que se encontrou com o petista pelo menos quatro vezes durante a campanha e sugere que as pontes com os evangélicos sejam reconstruídas não por meio de grandes lideranças, como Edir Macedo, da Universal. O pastor acredita que o PT terá de fazer um trabalho descentralizado com os pastores, atuando diretamente nas igrejas. “Vamos apresentar um plano ao governo”, disse o pastor, que foi candidato a deputado federal em São Paulo pelo Solidariedade, mas não se elegeu. Já Ramos diz esperar que as relações entre governo e religião voltem a ser republicanas. “Eu, assim como tantos outros, buscamos uma relação republicana onde não só o nosso direito, mas o direito de qualquer fiel de qualquer expressão religiosa seja respeitado. E mantido num relacionamento de absoluta isonomia”, diz o pastor, que classificou a participação evangélica no governo Bolsonaro como “inusitada”. “O estado laico é uma vitória civilizatória. Nenhum de nós esperava que um governo tivesse o mínimo de cor religiosa. Mas lamentavelmente aconteceu, da forma mais antidemocrática, manipuladora e triste que existe.”
Durante a transição, chegou-se a discutir a criação de uma secretaria que tratasse da aproximação com a comunidade evangélica, mas a ideia foi descartada. Numa entrevista ao Estado de S. Paulo, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que “governo não pode ter recorte religioso, nem foco nisso”. Benedita da Silva, deputada federal pelo PT no Rio de Janeiro, chegou a trabalhar para tentar aproximar a campanha de Lula de algumas agremiações. Mas o que se viu durante o período foram eventos com poucos pastores e militantes ocupando o vazio deixado pelos fiéis, como ocorreu em uma visita de Lula a uma igreja em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, em que a maioria dos presentes não sabia cantar as músicas entoadas durante a celebração por não serem evangélicos. Ariovaldo Ramos acredita, no entanto, que a pacificação do país passará por entender essa parcela da população. “Esse grupo existe, é enorme, em dois anos será 50% da população e, nas próximas eleições, será maioria”, diz.