O russo Vladimir Nabokov é autor de alguns dos mais importantes romances do século XX, mas somente despontou para a fama mundial em 1955, com o enorme sucesso e considerável escândalo provocado pela publicação de seu romance em inglês. A história de um homem de meia idade apaixonado por uma adolescente quase impúbere talvez não passasse hoje pela peneira estreita do politicamente correto, e a moral de seu tempo só aceitou o romance por sua avassaladora qualidade literária, que o alçou quase que imediatamente à condição de clássico.
Nabokov escreveu inicialmente em russo, mas tornou-se também um estilista na língua inglesa (além de escrever com facilidade em francês). Deixou a Rússia adolescente, com a Revolução de 1917, e viveu na Europa e nos Estados Unidos, até escolher a Suíça para passar seus últimos anos. Além da literatura, onde firmou-se como um dos mestres incontestes da prosa do século passado, Nabokov era apaixonado por borboletas, assunto sobre o qual era respeitado como grande especialista. Tinha imenso prazer em caçá-las em várias partes do mundo, e estudá-las tornou-se para ele uma paixão dominante.
A carta reproduzida nesta página é assinada por Nabokov com um minúsculo desenho colorido de uma borboleta, assim como o grande escritor fazia às vezes para pessoas muito próximas. Batida à máquina e também assinada por sua mulher Vera, com quem esteve casado por mais de quarenta anos, a carta é dirigida ao pintor húngaro Peter Kemeny em 1972, três anos antes da morte de Nabokov. Vera diz a Kemeny que seu marido trabalha intensamente em seu romance Transparências ( publicado naquele mesmo ano). Dá noticias de seu filho Dimitri, baixo que cantava óperas em vários países, e emite um interessante juízo sobre o grande escritor americano, John Updike, quase quarenta anos mais jovem que Nabokov: “Com relação ao ‘Coelho’ de Updike, V.N. sempre encontra milhões de coisas que lhe agradam nos livros de Updike. Para ser sincera, eu não tive o mesmo entusiasmo .Acho que ele é um escritor bom demais para ter que usar alguns recursos mais crus, como é hoje moda….”.
Além dos comentários literários, aquilo que torna a carta especialmente interessante é naturalmente a diminuta assinatura V. N., acompanhada do micro-desenho da borboleta. As cartas e manuscritos de Nabokov não são comuns e têm sido constantemente procurados por admiradores e colecionadores do mundo inteiro.