Em dezembro do ano passado, o site do Estadão informava que o jogador Cícero, do Santos, ganhava 200 mil por mês, acabara de ter seu salário aumentado para 250 mil, mas, insatisfeito e mesmo com um contrato por cumprir até o final de 2014, pressionava o clube para passar a ganhar 500 mil. Ainda segundo a reportagem, alguns dos motivos que sustentavam a pretensão de Cícero eram os 400 mil reais pagos mensalmente a Arouca e os 500 mil de Montillo.
Ano passado, o Flamengo contratou o atual reserva e renegado Carlos Eduardo por 500 mil mensais. O ex-centroavante rubro-negro Deivid, que chegou a ter seu nome gritado em coro pela torcida do Vasco, ganhava algo entre 400 e 450 mil. Estamos falando de gastos do Flamengo, que disputa resignadamente o falido campeonato carioca e cuja partida contra o Bonsucesso, na quarta-feira de Cinzas, teve 375 pagantes. (Aqui entre nós: eu, Jorge Murtinho, já joguei no Campeonato de Pelada do Jornal dos Sports, defendendo o vibrante Aperta e Bate da rua Lauro Muller, com muito mais gente assistindo.) Como é que um futebol que se dobra aos mais mesquinhos interesses políticos – como os da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro – e é dirigido com tamanha falta de profissionalismo pode pagar 400, 450, 500 mil reais por mês a jogadores medianos? Sim, porque nenhum dos até agora citados chega perto da condição de craque.
É claro que as exceções têm que ser respeitadas e qualquer que fosse o salário que o Santos pagava ao Neymar, era pouco. Um amigo do trabalho, palmeirense, costuma dizer que Neymar salvou o futebol brasileiro; antes dele, nossos jogos estavam chatos toda vida. Em casos como o de Neymar, compreende-se. Mas, no geral, perdemos a noção e o controle.
E não me venham com o surrado papo de que a carreira do jogador de futebol é curta. O argumento servia quando salários semelhantes a esse aí, do qual Cícero reclama, eram impensáveis e a vida útil de um jogador profissional durava menos que compromisso de político brasileiro. Nada entendo de investimentos ou economia pessoal, mas não tenho dúvida de que, mesmo com as cacetadas do Imposto de Renda etc., um salário de 250 mil permite a qualquer um se aposentar com suficiente conforto após cinco ou seis anos de carreira. E também não adianta dizer que isso vale somente para 1% dos jogadores profissionais: o que o post quer discutir são os desvarios administrativos dos nossos grandes clubes.
Aí a gente vê o Flamengo renegar o seu passado de time de massa e cobrar o ingresso mais caro do país. O Botafogo grudar na camisa a marca de uma empresa proibida de atuar no mercado brasileiro. O Vasco perder um time inteiro – o time campeão da Copa do Brasil e vice-campeão brasileiro – em pouco mais de um ano. O Fluminense, historicamente cioso de sua autonomia, tornar-se dependente de um patrocinador que atua na base do “eu posso, eu mando, eu quero”. O Santos recorrer aos serviços de Renato Duprat, que apresentou Kia Joorabchian ao Corinthians, para contratar Leandro Damião. Clubes com metade do elenco pertencente a uma empresa esportiva ou um agente. E por aí vai. E não fica só nisso. E ninguém sabe aonde iremos parar.