Receitas também seguem moda. Hoje não passa pela cabeça de (quase) ninguém abrir uma lata, esquentar o conteúdo, arrumar em um prato e comer ou servir para os convidados. Mas houve época em que fazer uma coisa dessas era considerado o auge da modernidade. Em 1897, quando a Campbell começou a
1 lata de sopa condensada de creme de galinha + meia lata de leite. Misturar a lata de sopa com a meia lata de leite, aquecer em banho-maria e servir. Quem quiser pode passar a mistura pela peneira antes de servir, mas não é necessário.
O curioso é que fazer um bechamel tradicional nem é tão trabalhoso. Comparem:
Receita de Béchamel de Paul Bocuse:
Ingredientes:
100g de manteiga
50g de farinha peneirada
1/2 litro de leite
1 colher de chá de sal
1 pitada de pimenta
1 pitada de noz-moscada.
(tenha um pouco de caldo de galinha na reserva)
Derreta a manteiga em fogo baixo (sem deixar escurecer), adicione a farinha e misture até colorir um pouquinho. Adicione então o leite quente, o sal, a pimenta e a noz-moscada ralada. Misture bem. Prove e corrija os temperos a gosto. Mantenha em fogo médio, sempre mexendo, até ferver e engrossar (se tiver um fuet, use. A mistura fica mais leve). Se achar que o molho ficou espesso demais, dilua com o caldo de galinha que você deve pingar aos poucos até chegar no ponto que você gosta.
Com esse molho você pode fazer um excelente croque monsieur, aquele bauru francês cremosão. A receita está no pé deste post.
Essas receitas-relâmpago deixavam a cozinheira livre para se entregar a atividades mais interessantes, como assistir TV ou ver um filme em um drive-in. Epara cúmulo da conveniência, em 1954 foi lançada a primeira refeição completa congelada (TV dinner) que dispensava inclusive o trabalho de lavar pratos, e em 1956 apareceu o primeiro abridor de latas elétrico, uma maravilha criada para simplificar mais ainda o esforço de cozinhar.
Era o pós-guerra, uma época de euforia, grande afluência e de industrializacão pesada. As pessoas podiam se divertir e ter coisas que durante a guerra nem em sonhos. As cozinhas, com seus eletrodomésticos de desenho arrojado, ganhavam destaque e importância na casa, mas não por que alguém pretendesse cozinhar nelas. Serviam de show-room da modernidade e afluência da família. Escolher, limpar, picar, pesar e preparar uma comida com ingredientes frescos era para quem não tinha nada melhor para fazer. Em 1954, o número anual de nascimentos superou pela primeira vez os quatro milhões e se manteve nesse patamar até 1965, quando quatro em cada dez pessoas nos Estados Unidos tinham menos de vinte anos: o baby-boom estava acontecendo.Fast forward.
Recentemente, o restaurante dinamarquês Noma desbancou as espuminhas do catalão El Bulli e foi votado melhor do mundo pela academia da S Pellegrino World’s 50 Best Restaurants. A comida servida pelo jovem chef René Redzepi é, lógico, nórdica, mas a diferença fundamental é que a maioria dos ingredientes usados é catada nos parques, bosques e nas áreas costeiras ao redor de Kopenhagen – foraging é o nome dessa prática. E nada de ingredientes convencionais ou grandes molhos, a comida do Noma é super minimalista e os ingredientes são estritamente dinamarqueses. O restaurante conta com catadores profissionais mas René Redzepi (foi estagiário no El Bulli) diz que para fazer parte de sua brigade é obrigatório começar o dia na floresta ou na praia, recolhendo ingredientes. Ele mesmo já catou muito e acredita que ver como uma planta cresce, provar o gosto in situ molda o chef e ensina como deve ser o gosto dos pratos, que apesar do conteúdo catado não são baratos.
A filosofia orna com esta época de recessão e com o sentimento coletivo de culpa pelos estragos ecológicos (o preço deve ajudar a redimir a culpa), é uma moda que tem tudo para se espalhar e acabar chegando aqui. O cupcake, por exemplo, entrou na moda nos Estados Unidos em 2000 ao aparecer em um episódio de Sex and the City mas só chegou aqui em 2009, o que sugere que ainda dá tempo de cuidar da paisagem ao redor das nossas grandes cidades para não matar algum cliente quando chegar a hora de sair foraging. Cabe observar que no Tripadvisor o Noma é votado como segundo melhor restaurante de Kopenhagen. O primeiro lugar é do restaurante Fuego, uma churrascaria argentina.
Quem quiser ler mais sobre o restaurante Noma e foraging, a arte de catar ingredientes:
http://www.guardian.co.uk/lifeandstyle/2010/apr/18/rene-redzepi-noma-foraging
http://www.smh.com.au/entertainment/restaurants-and-bars/nordic-exposure-20111022-1md5n.html
http://www.newyorker.com/reporting/2011/11/21/111121fa_fact_kramer
Quem quiser ler mais sobre moda e cozinha, o livro é interessante e divertido:
Fashionable Food, Sylvia Lovegren
Quem quiser ver Carrie Bradshaw comendo cupcake:
Quem quiser comer o cupcake da Carrie Bradshaw:
Magonolia Bakery – 401 Bleecker Street – metro 1 e 2, Chistopher Street + Sheridan Square
Quem quiser usar o Béchamel do Paul Bocuse para fazer Croque Monsieur:
Ligue o forno em temperatura média. Passe manteiga em uma fatia de pão de forma e coloque em uma forma com o lado da manteiga voltado para baixo. Cubra o lado sem manteiga com queijo (Emmental ou Gruyère), sobre o queijo uma bela fatia de presunto cozido. Cubra com outra fatia de pão e sobre ela espalhe uma boa camada de bechamel (se escorrer, melhor). Polvilhe com queijo ralado (Emmental ou Gruyère), e leve ao forno já quente até dourar. Voilá. Sirva com batata frita e salada.
Quem quiser um sanduiche mais rico pode acrescentar uma camadinha de bechamel entre as fatias de queijo e presunto.
Fundo musical para refletir sobre o tempo e as modas: