Não é à toa que o americano Quentin Tarantino admira tanto Chan-wook Park, diretor e co-roteirista coreano de A Criada. Há afinidades evidentes entre os dois, em especial nos filmes anteriores de Park, que contém doses maiores de brutalidade extrema e humor negro do que A Criada.
Em 2004, quando presidiu o júri do Festival de Cannes, Tarantino, fã confesso do diretor coreano, advogou em defesa da Palma de Ouro ser atribuída a Oldboy, dirigido por Park. Quem acabou recebendo o principal prêmio do Festival, porém, foi Fahrenheit 9/11, de Michael Moore, ficando o Grande Prêmio para o filme de Park, um honroso segundo lugar.
Uma jovem ladra, um vigarista que se faz passar por conde, um bibliófilo lascivo e uma herdeira esperta que quer aprender “o que um homem realmente deseja” são os principais personagens de A Criada. Com uma galeria de malfeitores desse quilate, Park encena um conto fantástico baseado no romance policial Fingersmith, da autora de best-sellers do País de Gales, Sarah Waters, publicado em 2002.
A julgar pela resenha de Fingersmith publicada no Guardian, Park encontrou no romance terreno fértil e familiar. “A Londres vitoriana de Waters”, escreve Julie Myerson, “é uma cidade onde os ladrões dizem ‘foda’ e ‘boceta’, onde os bebês são medicados com gim até adormecerem, onde meninos ‘afiados’ sentam em volta da fogueira cuspindo cascas de amendoim. Mais brutal, ousada e revigorante do que tudo, a cidade é um lugar onde pornografia, abuso emocional e estupro são parceiros naturais de ganância e desamor” – todos elementos preservados em A Criada, embora a ação seja transposta da Grã-Bretanha na era vitoriana para a Coréia na década de 1930, durante a ocupação japonesa.
Os personagens de A Criada furtam, enganam e oprimem uns aos outros. A estrutura narrativa, por sua vez, adota procedimento equivalente – também trapaceia o tempo todo, iludindo o espectador com habilidade. Conduzida com destreza pela direção de Park, as sucessivas reviravoltas no enredo mantém o espectador em dúvida permanente – qual é, se é que há, a relação entre o que está assistindo e a realidade dos eventos? As trapaças da narrativa como que refletem a vigarice geral dos personagens, o que constitui um dos aspectos mais interessantes de A Criada.
“Pelo menos vou morrer com meu pênis inteiro” é a última fala do falso conde depois de ter alguns dedos guilhotinados pelo bibliófilo lascivo. Há filmes célebres lembrados por sua frase final. “Ninguém é perfeito”, encerrando Quanto Mais Quente Melhor (1959), de Billy Wilder, é uma das mais famosas. No caso de A Criada, é difícil não pensar no dito popular “vão-se os anéis, ficam os dedos” em versão pós-moderna: “vão-se os dedos, fica o pênis.” É a ironia final do filme de Park, que não deixa de servir de consolo.