Há pouco mais de dois anos, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, declarou que "quando uma partida é decidida nos pênaltis, o futebol perde sua essência". E completou: “Talvez Franz Beckenbauer, com o grupo de trabalho , apresente propostas de soluções para isso". Na ocasião, Beckenbauer presidia uma espécie de comitê criado para discutir ideias que pudessem deixar o futebol ainda mais bacana.
João Saldanha tinha um argumento sofisticado para justificar sua aversão às disputas de pênaltis. Dizia o mestre: “Não aceito que uma partida seja decidida por meio de penalidades que nenhuma das duas equipes cometeu.” É surpreendente que Saldanha e Blatter concordem em algo, e eles têm razão.
Uma das mais antigas lendas do futebol é a que cita uns tais velhinhos da Fifa, que demorariam demais para propor ou aceitar mudanças. Os velhinhos são falados desde que sou criança, o que significa que já morreram. Talvez por isso algumas coisas estejam acontecendo com mais rapidez. A discussão sobre a Goal Line Technology começou a pegar fogo na Copa de 2010, quando uma bola chutada pelo inglês Lampard bateu no travessão e quicou meio metro dentro do gol alemão, mas o juiz mandou o jogo seguir. Quatro anos depois, temos a tecnologia.
A solução que vejo para a disputa de pênaltis é radical: acabar com ela e fazer com que a prorrogação dure até sair um gol vencedor. (É diferente do Gol de Ouro, que tinha um limite de trinta minutos, após os quais lá vinham os infartantes pênaltis.) É claro que o lado físico dos jogadores precisa ser preservado, mas esse papo de que alguém pode morrer em campo é conversa pra boi dormir. Em janeiro de 2012, quatro meses antes da declaração de Blatter, Djokovic e Nadal ficaram cinco horas e meia seguidas na quadra, disputando a final do Aberto de Tênis da Austrália, e os dois estão aí, vivinhos da silva.
Ouso até afirmar o contrário: com uma regra semelhante à do sábio “primeiro gol acaba” das nossas peladas, a maioria das prorrogações duraria menos que hoje. Primeiro, porque ninguém se acomodaria diante da possibilidade de empurrar a decisão para as cobranças. Depois, porque o cansaço diminui a capacidade de marcação, provoca erros defensivos de lado a lado e proporciona chances de gol.
É óbvio que uma proposta como essa encontraria resistência em vários médicos e fisiologistas, e a opinião deles teria que ser ouvida. Por outro lado, aposto que, se consultados, os cardiologistas não hesitariam em recomendar a extinção imediata da disputa de pênaltis. Falo por mim: no jogo de sábado temi que minha mulher tivesse um troço, e não tenho a menor intenção de ficar viúvo.
Mas há solução para a questão física dos jogadores, e não é nada complicada. Já houve um tempo em que não se permitiam substituições durante uma partida de futebol. A regra evoluiu, e passaram a ser aceitas duas trocas mais a do goleiro. Pouco depois, chegou-se ao atual formato das três substituições, independentemente de uma delas ser ou não do goleiro. Uma proposta simples seria dobrar – ou quem sabe ilimitar – o número de substituições permitidas em jogos que fossem para a prorrogação.
Além de não ser bem-vinda pelo laboratório fabricante do Isordil, certamente interessado na manutenção da fórmula atual, essa ideia sofreria resistência de algumas emissoras de tevê, por interferir de um jeito imprevisível em suas grades de programação. Ora, ao menos em tese, uma disputa de pênaltis também não está livre de se tornar interminável. E do mesmo modo que acontecerá com a Goal Line Technology – que não tem como ser acionada em todos os jogos de futebol oficiais e acabará restrita aos estádios milionários –, o “primeiro gol acaba” pode valer apenas em Copas do Mundo, quando até as mais resistentes emissoras de tevê topam mexer na programação habitual para transmitir as partidas.
Decidir jogos nos pênaltis, ainda segundo Blatter, é uma tragédia. Procede. Na última Copa América, disputada em 2011 na Argentina e vencida pelo Uruguai, o Paraguai chegou à decisão sem vencer uma partida sequer. Depois de empatar as três da primeira fase, empatou em zero a zero com o Brasil e ganhou nos pênaltis, empatou em zero a zero com a Venezuela e ganhou nos pênaltis, e foi à final. Isso não é futebol, é uma aberração. Nos quatro primeiros jogos das oitavas dessa Copa – escrevo antes das partidas de segunda – dois se definiram nos pênaltis.