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    FOTO: LO POLITI (5.JUN.2010)_DIVULGAÇÃO

questões da política

A era dos supermarqueteiros

A prisão de João Santana reorganizará o mercado das campanhas eleitorais, que já opera de sobreaviso desde a proibição, no ano passado, do financiamento empresarial

Julia Duailibi | 24 fev 2016_16h18
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A prisão de João Santana reorganizará o mercado das campanhas eleitorais, que já opera de sobreaviso desde a proibição, no ano passado, do financiamento empresarial. Profissionais com experiência em disputas estão recusando trabalho nas eleições municipais deste ano, que consideram grandes roubadas. Alegam “criminalização” da profissão e ausência de recursos na praça para remunerá-los, já que em 2016 os comitês não poderão passar o chapéu pelas empresas. Com os exemplos recentes de João Santana e Duda Mendonça, que em 2005 admitiu ter recebido do PT por fora e lá fora, ninguém quer se aventurar no caixa-dois. Pelo menos por ora.

“O pessoal do PCC montou uma agência de marketing político. Virou atividade de risco”, brincou um marqueteiro que atuou na campanha de 2014 e resolveu ficar distante desta eleição. Referia-se à prisão, na terça-feira, de Santana, acusado de receber da Odebrecht e de um lobista recursos em contas não declaradas no exterior, na 23ª fase da Operação Lava Jato, a Acarajé. A Justiça diz haver indícios de que o dinheiro procede de serviços prestados para campanhas do PT, e a sua origem seria a corrupção na Petrobras.

Ainda que não estivesse enrolado com a Justiça, Santana não atuaria na campanha de 2016. Ele já estava afastado do Brasil desde o ano passado, não porque andasse atarefado com campanhas no exterior, como se disse, mas porque sabia que o cerco se fecharia e que ele era alvo. Preferiu discrição e distância, assim como Duda Mendonça, que recentemente fez campanhas para o PMDB. No mercado, avalia-se que não haverá dinheiro suficiente para compensar o risco inerente à função, que é virar foco de investigações e teste de pontaria dos inimigos.

Desde a redemocratização, o peso dos marqueteiros nas eleições foi aumentando numa correlação direta com o custo das campanhas. Isso se explica, em parte, pela importância da televisão e do rádio como meios de informação dos brasileiros, e a consequente capilaridade do horário eleitoral gratuito. O marqueteiro tornou-se o dono da bola na medida em que o palanque eletrônico se sofisticou e passou a ser a principal ferramenta de convencimento do eleitor – e embora haja uma legião de “especialistas” no tema, a verdade é que ninguém sabe ao certo como a internet funciona. Nas campanhas majoritárias, o marqueteiro define não só o que o candidato deve falar, mas quais valores deve defender e até qual vice escolher. Nos anos 90, o governador paulista Mário Covas já traçava prognósticos negativos a respeito do poder desses profissionais e dos custos das campanhas, reclamando da submissão da política ao marketing.

Apesar de muitos analistas apontarem um provável aumento de caixa-dois com a extinção do financiamento privado, a tendência é a prática se rarefazer, pelo menos neste ano, em razão das implicações da Lava Jato. Um presidente de partido comentou com a piauí não acreditar na entrada de “recursos não contabilizados” significativos em 2016 porque os profissionais da prática, os que realmente detêm a tecnologia, estão presos em Curitiba.

Na última eleição municipal em São Paulo, em 2012, enquanto ainda existia uma enxurrada de dinheiro das empreiteiras, os comitês estipulavam o custo da campanha em 10 reais por eleitor. Na eleição daquele ano, Santana declarou ter recebido 39 milhões de reais de um total de 68 milhões gastos pela campanha de Fernando Haddad (PT). Hoje as contas estão mais modestas: avalia-se que o custo por eleitor cairá pela metade. Se os orçamentos de fato sofrerem esses cortes em 2016, os programas na tevê terão de ser menos hiperbólicos (em 2012, PT e PSDB disputavam quem tinha a câmera mais moderna, ambas importadas de Hollywood), e o poder dos marqueteiros estará reduzido.

O jornalista Luiz González, que trabalhou para o PSDB em duas campanhas presidenciais e na campanha municipal de 2012, em São Paulo, preferiu se retirar do jogo de 2016. Chegou a ser sondado por tucanos e por Haddad, mas não se animou. Os tucanos trabalham agora com diferentes nomes, que serão escolhidos após a prévia que definirá o candidato do partido em São Paulo – a ser realizada neste domingo, com possibilidade de segundo turno, no dia 13 de março. Participam do pleito o empresário João Dória, o vereador Andrea Matarazzo e o deputado Ricardo Tripoli, este com menos chances. Se vencer, Dória, apoiado por Geraldo Alckmin, tenderá a ficar com o marqueteiro oficial do governador, Nelson Biondi, veterano no meio, mas com menor influência que Santana ou Duda. Matarazzo tem no radar Renato Pereira, marqueteiro do prefeito carioca Eduardo Paes e do govenador do Rio, Luiz Fernando Pezão. Primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto, o deputado Celso Russomanno (PRB) sonda jornalistas: Alexandre Oltramari, ex-Veja, e Chico de Góis, ex-Globo e ex-Folha. O PMDB, da senadora Marta Suplicy, deve continuar com Elsinho Mouco, que fez os recentes comerciais do partido e é amigo de Michel Temer, presidente da sigla.

Para a campanha de Haddad, o PT testa Edson Barbosa, o Edinho, que trabalhou dez anos com Eduardo Campos e fez o filme do partido que ontem foi ao ar, em cadeia nacional de rádio e tevê. O profissional já trabalhou com Haddad quando o prefeito era ministro da Educação. Em tempos de prudência, ele refuta o rótulo de marqueteiro: “Tem que decretar pena de morte à palavra. Partido político que se respeita não contrata marqueteiro. Contrata profissionais de marketing, de comunicação.”

Edinho admite ter divergências conceituais com Santana, mas critica a maneira como foi decretada a prisão do colega, sem que ele pudesse ter acesso aos autos da investigação, embora tivesse entrado com três pedidos e se colocara à disposição da Justiça. “Estamos à beira de uma situação que pode ficar muito grave. Não gosto do João Santana. Temos uma diferença de método e de estilo. Nego pode não gostar do Patinhas (apelido de Santana) por vários motivos. Mas ninguém acha que ele é escroto ou ladrão”, comentou.

Após a eleição de 2016, o financiamento privado deve voltar a ser discutido no Congresso, que pode aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição para legalizá-lo. Até lá, com as confissões de Duda Mendonça e a prisão de Santana, a figura do supermarqueteiro permanecerá no limbo.

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