Nascida numa época em que o conceito não existia, pode-se dizer que Rose Bertin (1747-1813), responsável por muitos dos trajes da rainha Maria Antonieta, foi a primeira estilista, no sentido moderno da palavra. Modistas, houve muitas, pois desde sempre a realeza quis vestir-se com luxo. Mas quem fazia as roupas não gozava de nenhum protagonismo: eram meros executores e o ingrediente criativo entrava na conta do simples artesanato. Não sobrou sequer registro do nome dos costureiros e costureiras que realizavam as caríssimas vestes de cerimônia dos reis europeus.
Quem quebra esse paradigma é uma francesa rechonchuda que muitos consideram a primeira estrela da alta costura. Não por acaso, Rose Bertin compartilha muitas das características dos grandes estilistas do século XX, que atenderam com modelos exclusivos à clientela mais endinheirada do planeta. Temperamental e grande celebridade em sua época, La Bertin cobrava fortunas e comportava-se, senão como uma diva, pelo menos como uma comandante à frente de um exército de talentosas artesãs.
Mas sua maior façanha talvez tenha sido escapar ilesa à Revolução Francesa, o que parecia quase impossível para alguém tão envolvido com os desperdícios da odiada rainha. Maria Antonieta tornara-se de fato o bode expiatório de toda uma população que comparava suas misérias à futilidade e indiferença da rainha nascida na Áustria.
O recibo assinado por Bertin – uma raridade, já que tais documentos não costumados ser conservados pelos clientes – é particularmente significativo, pois não trata das despesas de qualquer aristocrata, mas da célebre Madame du Barry, amante do rei Luís XV, que morrera quatro anos antes da data firmada. O rei era agora Luís XVI, seu neto, mas a Du Barry continuava riquíssima. As 4 mil libras que Bertin lhe cobra aqui representavam mais que o salário anual conjunto de dez operários.
?