minha conta a revista fazer logout faça seu login assinaturas a revista
Jogos
piauí jogos
A estrada da discórdia

    Trecho da BR-319, em imagem de 2021: só o anúncio de que o governo Bolsonaro queria asfaltar a estrada já aumentou o desmatamento, pois atraiu grileiros que apostaram na valorização de terras nos arredores e na futura anistia pela invasão CRÉDITO: ORLANDO K. JÚNIOR_ 2021

questões rodoflorestais

A estrada da discórdia

Asfaltamento da BR-319, que corta parte da Amazônia, opõe ambientalistas a moradores e políticos

Bernardo Esteves | 06 out 2025_08h50
A+ A- A

A BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, está no centro de uma polêmica que se arrasta há décadas. A rodovia de quase 900 km atravessa um dos últimos blocos de floresta intocada da Amazônia e é a única ligação por terra entre Manaus e as demais regiões do país. A estrada não é pavimentada em mais de metade da sua extensão, e fica em condições precárias durante a estação chuvosa. Seu asfaltamento é reivindicado por moradores, empresários e políticos de todo o espectro ideológico, mas faz gelar a espinha de cientistas e ambientalistas. Isso porque ele pode levar a uma explosão do desmatamento nas áreas em torno da rodovia, conforme relata na edição deste mês da piauí o repórter Bernardo Esteves, que percorreu a BR-319 em junho, no começo do verão amazônico.

A derrubada da floresta no entorno da BR-319 pode comprometer a formação de uma grande quantidade de vapor d’água que, transportado pelos chamados “rios voadores”, produz chuva que irriga lavouras no Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. Um levantamento exclusivo feito para a piauí pelo grupo da meteorologista Marina Hirota, da Universidade Federal de Santa Catarina, revelou que as árvores num raio de 100 km da rodovia são responsáveis por gerar todo ano nada menos que 242 trilhões de litros de chuva, o que equivale a 5% de toda chuva produzida pela Floresta Amazônica. É uma quantidade de água suficiente para encher 97 mil piscinas olímpicas ou para irrigar durante um ano uma área agrícola maior que todo o estado do Piauí.

Levado pelos rios voadores, esse vapor d’água se espalha para além da Amazônia e alcança áreas do Cerrado, Pantanal, Pampa e da Mata Atlântica. Os estados de Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo são os que mais recebem as chuvas da BR-319 – sem contar os estados amazônicos. “A área da BR-319 é importante para a reciclagem da água que sustenta inclusive a cidade de São Paulo”, disse à piauí o biólogo Philip Fearnside, um estudioso do impacto do desmatamento induzido pela rodovia. Fearnside – um americano radicado em Manaus que trabalha há quase cinco décadas no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) – lembrou que a capital paulista passou por crises hídricas sérias em anos recentes com a queda do nível dos reservatórios em função da falta de chuvas.

O desmatamento em torno da estrada pode degradar a floresta amazônica a um ponto além do qual ela não conseguiria mais se recuperar – o ponto de não retorno da Amazônia. Além disso, o carbono lançado na atmosfera não só impedirá que o Brasil cumpra suas metas de redução de emissões dentro do Acordo de Paris, como tornará muito difícil alcançar o objetivo central do acordo, que é manter o aquecimento global bem abaixo de 2ºC em relação ao período pré-industrial.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão responsável pelo licenciamento do asfaltamento da rodovia, nunca tinha autorizado a realização da obra, por entender que os empreendedores não haviam mostrado que ela não traria impactos significativos à floresta e às comunidades tradicionais que vivem no entorno da estrada. Até que veio o governo Bolsonaro, eleito com um discurso que estimulava o desmatamento e o crime ambiental. O então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas – hoje governador de São Paulo –, dizia que a pavimentação da rodovia era uma prioridade do governo. Em 2022, o Ibama emitiu uma licença prévia para a pavimentação, apesar dos pareceres técnicos contrários feitos pelo próprio instituto. A licença foi anulada pela Justiça, mas a novela jurídica em torno da questão está longe de terminar.

No fim do ano passado, houve um entendimento entre o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério dos Transportes e a Casa Civil para a elaboração de uma avaliação ambiental estratégica a fim de investigar os impactos da obra sobre toda a área de influência da estrada. Mas não há previsão para a divulgação dos resultados desse estudo e do plano que vai propor políticas públicas para a proteção da floresta e de seus habitantes.

A reportagem completa pode ser lida aqui.

Assine nossa newsletter

Toda sexta-feira enviaremos uma seleção de conteúdos em destaque na piauí