São tão impressionantes os relatos de entregas de dinheiro em caixas de sapato e malas nos gabinetes no Senado, assim como o infinito acréscimo de milhões ao inventário das propinas, que parece um detalhe de menor importância o fato de ex-executivos da Petrobras envolvidos nos crimes da Lava Jato declararem que, ao mesmo tempo em que roubavam, buscavam eficiência nos negócios e realizavam investimentos que faziam sentido para a estatal. Sérgio Machado diz isso na delação divulgada nesta semana. Segundo ele, eram duas as suas metas: “Extrair o máximo possível de eficiência das empresas contratadas pela estatal, tanto em qualidade quanto em preço, e extrair o máximo possível de recursos ilícitos para repassar aos políticos que o garantiam no cargo”, disse. Nestor Cerveró, ex-diretor internacional da Petrobras, falou basicamente a mesma coisa com outras palavras, ao sugerir que a compra da refinaria de Pasadena fazia sentido para a estatal, no mesmo depoimento em que confessa ter desviado 15 milhões de dólares do dinheiro pago pela refinaria de Pasadena. Vários outros delatores, em algum momento, tentaram passar mensagens parecidas: a de que roubaram, sim, mas como executivos procuravam atuar de forma profissional. É uma nova versão do velho “roubei, mas fiz”.
O absurdo da coisa é evidente. Fica difícil considerar boa para a Petrobras a compra de uma refinaria obsoleta que nem processa o óleo produzido pela estatal, para depois planejar gastar muito mais do que ela vale reformando tudo; ou ser eficiente encomendando navios de um estaleiro cujo dono está enfronhado em rolos financeiros, e que quebra antes mesmo de entregar a encomenda. Mais impossível ainda é justificar a decisão de construir refinarias que os técnicos da empresa sabiam serem grandes micos, só porque era preciso agradar parceiros políticos. A única eficiência que existiu nesses negócios foi a da arrecadação. Essa funcionou com organização e método, e empregou gente qualificada – como os experientes doleiros uruguaios de Nestor Cerveró ou o filho de Sérgio Machado, que exercia o papel de financista da propina ao mesmo tempo em que comandava equipes engravatadas na filial brasileira do Credit Suisse.
Machado, Cerveró e Costa poderiam estar apenas tentando apontar algo de positivo na lama em que suas vidas se transformaram nos últimos tempos. Mas é mais do que isso. O que o discurso deles revela é que, no fundo, não reconhecem o estrago que fizeram na Petrobras e no Estado brasileiro. No íntimo, acham que só faziam o que todo mundo sempre fez, antes que todos começassem a ser pegos. É comum que, depois de fechar o acordo com a Justiça, delatores passem a se considerar heróis. Por escrito, nos depoimentos e nas conversas com amigos, advogados e procuradores, eles gostam de dizer que estão ajudando a limpar o país. Não tardará, alguns passarão a ser cumprimentados na rua e a serem requisitados para selfies em restaurantes. Sérgio Machado andou dizendo que pretende escrever um livro para contar a sua história e mostrar que foi uma vítima do sistema. No depoimento ao MP, ele diz que o “esquema ilícito de financiamento de campanha e de enriquecimento ilícito desvendado pela Lava Jato ocorre desde de 1946 e este é um momento de se alterar essa realidade, sendo esta uma das razões pela qual decidiu colaborar”.
As delações são importantes para o avanço da Lava Jato, e a operação é fundamental para limpar a política nacional. Mas o que tem de vir depois é muito mais difícil: uma profunda mudança na forma de agir e de falar dos agentes do Estado e dos próprios cidadãos. Pode existir o honesto incompetente, mas a figura do desonesto competente é uma falácia. Competente para quem e para quê? Para os interesses públicos ou do país? Não há bom delator, bom bandido, bom corrupto. Enquanto houver delatores que se dizem eficientes ao mesmo tempo em que saqueiam o Estado, e os criminosos se considerarem vítimas de um sistema impessoal, sem nome, sobrenome ou responsabilidade, não será possível falar em limpeza de verdade.