Convocada pela Agência Nacional do Cinema – ANCINE, será realizada na próxima sexta-feira, 6 de dezembro, reunião sobre a chamada cota de tela, percentual reservado à exibição de filmes brasileiros que deverá ser seguido pelos cinemas em 2014. Ícaro C. Martins, cineasta e membro da diretoria da Associação paulista de cineastas – APACI, divulgou no sábado (30/11/2013) pela internet, através da lista da Associação, seus comentários sobre as questões a serem debatidas, que vão reproduzidos a seguir. (EE)
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Como sempre acontece, quando há melhora ocasional nos índices do cinema brasileiro e se aproxima a data de fixar a cota de tela para filmes nacionais do ano seguinte, surgem declarações dos que se opõe à regulação do mercado, alegando que nosso cinema está em processo de consolidação e avança de vento em popa. De fato, desde 2000 nosso mercado cresceu de forma significativa mas, ao contrário do que dizem, a efetiva participação do cinema brasileiro não aumentou.
A verdade é que o desempenho dos filmes nacionais nesse mercado é tudo menos regular. Parece a de quem sobe e desce, acima e abaixo da linha d’água, situada numa faixa próxima dos 13% de participação de público. Em 2000, estava com 10,6%, afundou até 8%, em 2002, saltou para 21,4% no ano seguinte, mergulhou progressivamente para 9,9%, até 2008, de onde saltou para 19%, em 2010, para voltar a cair a 10,6%, em 2012, e este ano a estimativa é que terá subido para 18%.
Esses dados mostram que a fatia de espectadores do cinema brasileiro oscila bastante, mesmo quando o cenário é de expansão e que a política da Ancine tem sido incapaz de assegurar crescimento estável de público para a produção nacional.
A novidade de 2013 foi que o Brasil não produziu nenhum estouro de bilheteria – filmes que ultrapassassem 5 milhões de espectadores – e teve maior número de produções com cerca de 500 mil. Isso logo suscitou comentários de que a melhora de desempenho dos filmes brasileiros foi obtida graças aos “filmes médios”. O que de fato aconteceu, porém, foi que vários lançamentos com expectativa de alcançar grande sucesso tiveram “desempenho de filme médio”. Enquanto os “filmes médios” propriamente ditos, como as distribuidoras chamam lançamentos feitos com aproximadamente 150 cópias, número de cerca de 5% das telas do país, foram praticamente varridos do mercado.
Isso tanto é verdade que no mês passado, no Rio Market, Camila Pacheco, diretora de da 20th Century Fox no Brasil, informou a plateia que, nos últimos cinco anos, o market share do “filme médio” caiu de 30% para 6%! E apesar dela culpar a lenta expansão do circuito exibidor pelo estrangulamento do “filme médio”, note-se que o número de salas tem aumentado a uma razão superior a 7% por ano. Mais que o dobro do PIB! Entretanto, como ela disse, “está cada vez mais caro lançar filmes no Brasil”.
Esse fato explica as dificuldades do “filme médio”. Porque num mercado à mercê de blockbusters e suas massivas campanhas publicitárias, o patamar dos custos de mídia subiu muito. A consequência é, cada vez mais, vermos 80% das salas de cinema do país exibindo apenas dois ou três títulos. É uma equação perversa, onde a alta concentração do mercado e nossa baixa participação nele se reforçam mutuamente.
A tendência à concentração do mercado é um fenômeno mundial, mas na pequena fatia, próxima aos 13%, onde se movimentam os filmes brasileiros, ela é cruel. E mesmo com a melhora dos índices, em 2013, podemos arriscar que dos 115 filmes brasileiros lançados este ano, 15 dividirão, de forma bastante desigual, aproximadamente 15% da renda total e os outros 100 filmes, os restantes 3%!
Apesar desse índice de concentração, que é dos maiores do mundo, a Ancine, até o momento, parece entender que sua função regulatória refere-se unicamente à produção e não ao mercado. Esquece que falta de regulação não significa liberdade econômica nem de iniciativa, mas sim a lei do mais forte e a ditadura dos mais poderosos.
Como filmes não são taxados na importação, a cota de tela para a produção local é o mecanismo mais tradicional de defesa dos mercados nacionais ante o poderio econômico e midiático da produção norte-americana. E o Brasil, a exemplo de outros países, já teve cota de tela expressiva nos anos 60 e 70. Atualmente, porém, ela é de apenas 28 dias por ano, por sala de exibição (7,6%), e nos cinemas com várias salas essa proporção é apenas um pouco melhor. Há anos a Ancine define a cota de tela abaixo da ocupação espontânea do mercado, e isso ajuda a explicar a grande oscilação do market share dos filmes brasileiros. É como se a cota não existisse!
Há também outras medidas viáveis para diminuir o abuso de poder econômico no lançamento de filmes, como a limitação ou taxação do número de cópias, a regulação da exibição dos trailers de filmes nacionais e estímulos a salas que cumpram outras metas, para citar apenas algumas. Porém nenhuma é adotada aqui.
Outro fator que reforça a urgência de regulação do mercado é a digitalização do circuito exibidor, que diminui o custo material e de logística das cópias em película mas favorece a concentração e o controle do mercado por grandes grupos de distribuição e comunicação. Daí a necessidade de medidas regulatórias e compensatórias.
Ainda é incipiente a exibição de outros conteúdos nas salas de cinema, mas no ano que vem várias delas começarão a exibir jogos da Copa do Mundo. Se não houver uma regulação preventiva que garanta o espaço para a atividade cinematográfica, a Copa será a ponta de lança para o começo da diminuição do espaço nas telas para o cinema. E poderemos criar outro paradoxo – mais salas com menos sessões de filmes. Quem sobreviver verá.