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A fronteira do futuro

Carlos Freitas | 31 ago 2011_14h08
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Remixofagia – alegorias de uma revolução é um vídeo-manifesto sobre a cultura digital ou cultura livre pelo viés atropofágico brasileiro, macunaíma de ser. Produzido Casa da Cultura Digital e dirigido (ou remixado) por Rodrigo Savazoni, tem depoimentos de Pablo Capilé, do Circuito Fora do Eixo, Pedro Markun, da Esferae também da Casa da Cultura Digital, Cláudio Prado, John Perry Barlow, ativista e co-fundador da Eletronic Frontier Foundation, do ex-ministros Gilberto Gil entre outros. O vídeo foi utilizado na abertura do evento Música: a fronteira do futuro – Criatividade, Tecnologia e Políticas Públicas, realizado em São Paulo na semana passada, no dia 24 de agosto.

Retromania – a obsessão da cultura pop por seu próprio passado é o mais novo livro (ainda inédito no Brasil) do crítico inglês Simon Reynolds, que defende o ponto de vista expresso no título apontando o dedo para a cultura digital: “A cultura digital se fundamenta na facilidade. A facilidade de acesso e o custo mínimo de aquisição têm levado a uma depreciação no valor da música e à degradação da experiência audiófila”, disse entrevista ao jornalista André Barcinski, da Folha de São Paulo.

Vale destacar o poder da música na era digital, amplificando questionamentos éticos, políticos e legais da sociedade. Um meio que hoje contesta seu modo de produção: a música não é mais um bem exclusivo das gravadoras – e nem dos artistas -, como a ética não pertence aos religiosos, nem a política cabe apenas aos políticos fazerem. Hoje, o ato de criar não é solitário. Ambos, artista e público, assumem papéis de criadores, produtores, mediadores e consumidores. Entre os dois conceitos, sou mais simpático ao da remixofagia.

Muito a respeito dessa coisa toda foi discutido no evento Música: a fronteira do futuro – Criatividade, Tecnologia e Políticas Públicas.

Realizado no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo, reuniu Lawrence Lessig, professor de direito de Stanford e um dos fundadores da Creative Commons; Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas e diretor do Creative Commons Brasil; Gilberto Gil; Danilo Miranda, diretor do SESC-SP; Claudio Prado, da Casa de Cultura Digital; Sérgio Amadeu, Sociólogo, Doutor em Ciências Políticas e professor; e Ivana Bentes, professora e pesquisadora da pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O debate foi aberto de forma polêmica, com Gilberto Gil defendendo que “pirataria também é desobediência civil”. O ex-ministro da cultura ainda atacou o capitalismo no Século XXI: “A porca de muito gorda já não anda, a faca de muito usada já não corta”.

Também autor do livro Cultura Livre, Lawrence Lessig apelou para os ativistas da cultura digital brasileira, da qual ele é entusiasta: “Vocês no Brasil precisam pegar e nos mostrar o que pode ser feito dessa revolução. Vamos deixar o Brasil liderar essa luta novamente! – Teria sido um recado para Ana de Hollanda?

Já o professor Sérgio Amadeu foi mais direto e trouxe a música de fato para a pauta: “qual o futuro da música no digital?“, questinou, para logo depois arrematar: “será o futuro da criatividade”. E é por isso que a indústria fonográfica está fora deste mundo. Porque perdeu o controle da criação, que fica na mão de quem cria, seja autor, fã, designers, programadores de aplicativos musicais, produtores de conteúdo, mediadores. Mesmo assim, ainda há um movimento reacionário estabelecido no meio corporativo que procura “substituir a cultura da liberdade pela cultura da permissão“, como alertou Sérgio Amadeu. O copyright e o projeto de Lei de Crimes Cibernéticos, mais conhecido como o AI-5 Digital, do deputado Eduardo Azeredo, são exemplos.

Lawrence Lessig engrossou o coro. Ele exemplificou com vídeos da música Lisztomania, do Phoenix, feitos por fãs de diversas regiões do mundo, que a criação coletiva não deve ser tratada como criminosa.

A lógica destes tempos de conteúdo colaborativo, inteligência coletiva e militância em prol da inovação, obviamente, não agrada a todos, da indústria à mídia musical. E nesse aspecto surge uma nostalgia dos tempos em que estes se retroalimentavam e ditavam os fundamentos do mercado musical.

Parece-me o caso do autor de Retromania – a obsessão da cultura pop por seu próprio passado. Em entrevista ao jornalista André Barcinski, Simon Reynolds afirma que a cultura digital leva a uma depreciação do valor da música e à degradação da experiência audiófila, baseado na lógica simplista de que a música perde valor quando ela não é adquirida, financeiramente falando. Não satisfeito, diz que a geração atual sofre de défict de atenção. E não vê valor, consequentemente, na diversidade de músicas e novas linguagens culturais que impõem no dia-a-dia desta geração.

É nítido o descompasso desse velho crítico musical – inacreditavelmente bajulado por aqui – não só com o novo cenário musical, mas com o mundo digital. Ele fala em download quando já sabemos que as interações musicais estão migrando para as nuvens (a cloud computing) – vide o Music Beta, do Google, e a Apple Music Cloud. Não percebe o quanto de música nova está circulando, sendo descoberta, miscegenada com comportamentos, músicas e novas idéias, radicais, sim, e inovadoras.

Enquanto os velhos grandes centros discutem o passado e choram pelos ídolos que não conseguem mais fabricar, a periferia dá boas-vindas ao futuro. O mundo emergente prevê a entrada de bilhões de novos autores-fãs-produtores. E o Brasil está no olho do furação, na vanguarda da cibercultura. Porém, precisamos ser mais ativos. Segundo Ronado Lemos, diretor do Creative Commons no Brasil, “o Brasil mais consome conteúdo do que fornece, e a nossa internet gera despesa e não receita. Ou a gente produz conteúdo ou vamos ser sempre a periferia da internet mundial”.

Vamos colocar esse Plano Nacional de Banda Larga em prática, gente! Vamos colocar o Brasil nas nuvens. E que a remixofagia prevaleça diante da retromania.

Vídeo Remixofagia

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