Na semana passada, ainda na expectativa das manifestações de domingo, o Palácio do Planalto continuava a estudar estratégias para tentar conter a ameaça de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Uma das alternativas discutidas pelos ministros palacianos consistia, simplesmente, em deixar o processo de impedimento ser votado logo pela Câmara, dando assim um ponto final ao assunto. O grupo palaciano, pelo menos até aquela altura, acreditava ser possível sair vitorioso desse processo. Ministros diziam poder contar com os 171 votos, de um total de 513 deputados, necessários para derrubar a proposta. Resolvida a questão, o governo poderia finalmente começar a funcionar, encerrando a agônica incerteza dos últimos meses.
Por trás da possível decisão tática havia também a segurança de que Dilma poderia contar com o apoio do presidente do Senado, o peemedebista Renan Calheiros, para barrar o processo, em caso de derrota do governo na Câmara. Ocorre que, enquanto o governo ainda acreditava ter o apoio do presidente do Senado, Renan já ensaiava uma reaproximação com o vice-presidente Michel Temer – que, pelo menos informalmente, já abandonou o barco de Dilma. Na terça-feira, durante o discurso no Congresso do ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, em homenagem ao dia Internacional da Mulher, Renan trocava mensagens por WhatsApp com o ex-ministro Moreira Franco, um dos líderes do PMDB e da oposição, dentro do partido, ao governo Dilma. Na conversa, Renan demonstrava interesse em ajudar na organização da convenção do partido marcada para o final de semana, quando Temer seria reconduzido à presidência do PMDB. Também deixava claro o seu afastamento da presidente.
No sábado, a convenção mostrou o que já se sabia: o PMDB já está com um pé fora do governo. Tanto que, pela manhã, a conspiração corria solta. Reunidos no Palácio do Jaburu, caciques do partido, entre eles José Sarney, Eunício Oliveira e Moreira Franco, discutiam como deveria ser um possível governo Michel Temer. A ideia seria fazer uma “Itamarização” do mandato, numa referência ao que fez Itamar Franco ao assumir o comando do país, em 1992, após a cassação de Fernando Collor. Ao chegar à presidência, Itamar tratou de montar um ministério técnico, pelo menos em áreas-chave do governo, como economia, saúde, educação. Para os caciques peemedebistas, essa seria a única maneira de convencer o mercado de que o novo governo seria capaz de recolocar o país nos trilhos.
Com essa fórmula, quem iria para o sacrifício seriam os atuais ministros peemedebistas do governo Dilma, que votaram contra a reeleição de Temer, na convenção, por saberem que não terão assento no seu ministério. Mas como o PMDB tem uma enorme capacidade de reconciliação, até mesmo esses ministros, no domingo, quando a manifestação pró impeachment tomava conta das ruas, tratavam de buscar uma aproximação com o capo do partido. Um dos primeiros a sinalizar uma reconciliação foi o atual ministro da Saúde, Marcelo Castro, mesmo sabedor de que estaria fora do governo Temer. “Eles não vão apoiar uma presidente enfraquecida, nocauteada pelas manifestações das ruas no domingo”, disse-me uma dessas lideranças.
Outro que fazia movimentos na direção de Temer era o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, também atritado com o comando do partido. No sábado pela manhã, Cunha surpreendeu o vice-presidente ao aparecer no Palácio do Jaburu duas horas antes do que fora combinado com as lideranças do partido. O presidente da Câmara chegou de surpresa e causou constrangimento. “Ele ficou lá, sozinho, parecendo um boneco de cera”, disse um dos presentes. “Está desesperado, em busca do apoio do partido para não ser cassado por causa de seu envolvimento na Lava Jato.” Mas a cúpula do PMDB, disse-me um assessor, não está disposta a segurá-lo na presidência da Câmara. Ele será jogado aos leões caso isso seja necessário para garantir apoio ao projeto de Temer de substituir Dilma na Presidência. Cunha já é carta fora do baralho “Ele até pode iniciar o processo de impeachment, mas todo mundo sabe que ele não estará na presidência da Câmara para finalizá-lo”, disse um dos assessores do vice-presidente.
Com o PMDB praticamente fora do governo, os ministros petistas se desesperam na tentativa de salvar o mandato da presidente. A ida de Lula para o ministério é uma manobra para atingir este objetivo. Embora a intenção inicial seja garantir um foro privilegiado ao ex-presidente, impedindo que venha a ser preso no rastro da Lava Jato, espera-se também que, no ministério, Lula tenha força para manobrar o Congresso e manter Dilma no posto.
Mas o que o governo ganharia com isso? A presidente poderia ficar formalmente no cargo, mas politicamente ela já perdeu as condições de governança. Além disso, Lula no governo significaria uma guinada na política econômica que o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, se esforça para levar adiante. O que Lula teria a propor seria diferente de tudo o que está sendo pensado para colocar as contas do país em ordem. De cara enterraria o projeto de reforma da previdência e trataria de forçar o crescimento econômico através da expansão de crédito. Política que levou o governo Dilma à ruína. Todo o esforço de Barbosa nos últimos meses para convencer o mercado de que faria um ajuste nas contas, iria para o buraco. O que, na visão de assessores do governo, tem se mostrado totalmente improdutivo já que os agentes econômicos não têm qualquer ilusão de que ele fosse fazer as reformas necessárias para por ordem na casa. Nos corredores do ministério da Fazenda, a brincadeira nos últimos dias é de que, por mais que Barbosa faça tudo certo, ninguém no mercado acredita nele. E comparam a situação do ministro com a do personagem do filme Bastardos Inglórios, um americano que tentava se passar por alemão para poder assassiná-los. “Ele tinha conseguido enganá-los direitinho até fazer um sinal errado com as mãos que o denunciou”, lembrou um assessor. “O problema do ministro é esse. Os alemães, no caso o mercado, sabem que ele não é um deles”.
Enquanto o governo busca uma saída para sua situação agônica, o PMDB já se prepara para tentar fazer uma demonstração de força na festa dos seus 50 anos, no dia 30 de março. O vice-presidente está totalmente envolvido com o evento, segundo assessores próximos. “Temer espera, com isso, fazer o que Macri fez na Argentina. Mostrar que há uma saída para o país com o fim do governo Dilma”, disse um desses assessores. “Ele acredita que conseguirá animar o mercado e a população mostrando que é a melhor alternativa para o momento, já que teria grande apoio do Congresso para governar, fazendo as reformas necessárias para tirar o país da paralisia e recuperar a credibilidade do governo.” Pode ser que convença o mercado, ansioso por um desfecho que já se considera inevitável. Difícil será convencer a população que foi para as ruas pedindo mudanças de que ele, Temer, é o representante desse novo país.