Na noite do dia 28 de abril, depois de ouvir a previsão do tempo para a região de Porto Alegre, a escritora Carina Luft e seu marido Daniel Pinheiro imaginaram que a água poderia passar do pátio e entrar na casa. Autora de romances policiais, ela colecionava clássicos do gênero, incluindo Edgar Allan Poe, Agatha Christie e Patricia Highsmith. Sua posse predileta era um conjunto de romances de Jo Nesbø, autor norueguês que também escreve obras policiais. Carina esvaziou as três prateleiras mais baixas, empilhando os livros no alto da estante de madeira.
Na manhã do dia 1º, quarta-feira, ao descer as escadas para passar o café, Carina viu uma lâmina de água sob a porta do lavabo. Foi dar uma olhada e teve um sobressalto: o ralo do banheiro estava borbulhando. Quando o café terminou de descer pelo filtro, a cozinha já estava começando a ficar inundada. Refugiados no andar de cima, Carina e Daniel escutavam o borbulhar monstruoso lá embaixo. Ao meio-dia, a luz elétrica foi cortada. A água chegou ao primeiro degrau da escada, e logo passou dos 40 cm previstos por Carina, aproximando-se da quarta prateleira, cheia de livros. A inundação foi tão rápida que o casal não teve tempo de mudar a biblioteca de lugar, conta José Francisco Botelho na edição deste mês da piauí.
Entre os dias 1º e 4 de maio, um mesmo tipo de cena se repetiu em várias bibliotecas, casas e depósitos no Rio Grande do Sul: leitores, colecionadores e editores tentando salvar seus livros.
No depósito de 2 mil m² da maior das editoras gaúchas, a L&PM, estavam empilhados cerca de 900 mil livros. No dia 2 de maio, a Defesa Civil lançou um alerta de alagamento para a região onde fica a editora. “Se a água entrar lá, vai ser o fim do mundo”, disse Ivan Pinheiro Machado, um dos proprietários da editora, ao sócio Paulo de Almeida Lima.
No dia seguinte, Lima foi ao depósito com uma equipe de ajudantes. Usando empilhadeiras, eles conseguiram alçar 50 mil volumes dispostos em caixas até as prateleiras mais altas, esvaziando as próximas do chão. As caixas de livros mais baixas ficaram a uma altura de 1,30 metro do solo. Lima saiu do depósito achando que a água ficaria bem aquém dessa altura. “Levantei os livros meio rindo da coisa toda. Afinal, o depósito fica a 2 km do Guaíba. Parecia impossível que a água chegasse com força até lá.”
Mas a água chegou.
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