Samba, a gente não perde o prazer de cantar
E fazem de tudo pra silenciar
A batucada dos nossos tantans….
Fundo de Quintal
Estamos em 2013. Juro que evito ao máximo bater na mesma tecla, mas às vezes isso é impossível. Dentro da realidade em que vivemos, esbarro em situações que considero extremamente semelhantes e, por não conseguir fingir que não as vejo, retomo de onde parei.
Embora não haja (ou haja) ligação direta aparentemente, minha cabeça não consegue não ligar os pontos do livro de Paulo Lins com o livro do escritor togolês Kangni Alem. O professor Kangni Alem escreveu Escravos, em que retrata um pouco da realidade entre o final do século XVIII e o início do século XIX, quando algumas das revoltas negras, como a dos Malês, por exemplo, explodiram no Brasil gerando uma histeria antinegros pelas colônias. A perturbação da ordem escravista deu origem ao hábito de enviar os negros “indesejáveis” de volta à África.
Nesta semana recebi uma notícia sobre uma abordagem policial (in)comum no Espírito Santo. Jovens pretos foram repreendidos por estar em um shopping. Não eram um ou dois. Eram dezenas. Estavam “perturbando a ordem pública” simplesmente por estar naquele ambiente que, obviamente, não foi construído para eles.
A imagem forte do grupo após ser “controlado” pela polícia me remeteu a tantas outras do meu imaginário… me lembrou do pôster do filme Carandiru, com todos os detentos sentados e cabisbaixos no pátio, me lembrou africanos capturados a esperar a chegada do navio negreiro. Mas o que mais me intrigou foi que não havia crime nenhum que justificasse a ação da polícia. Ação essa considerada legítima pelos órgãos da Justiça no Espírito Santo. Que tristeza observar isso no meu país em pleno século XXI.
O que resta para nos alegrar é cantar e dançar. Não custa dinheiro, nos permite sermos reis e rainhas a nossa maneira. O canto e a dança são nossas poucas ou únicas heranças.
Ao que me parece, os jovens do Espírito Santo foram para o shopping após um tumulto em um baile funk, usaram o local para se proteger da confusão. Os outros frequentadores, ao verem aquela quantidade de pretos, logo imaginaram que se tratava de um arrastão. Triste.
Kangni Alem narrou isso no Brasil-Colônia e na África. Paulo Lins, em algumas passagens de seu livro, descreveu cenas que em muito lembram essa perseguição. O samba sobreviveu cantando, nos deus frutos fascinantes. Mas eu estou cansado de sobreviver, quero viver, viver livre disso. Não há um gênero musical fruto da música negra que não tenha cantado essas mazelas que vivemos. Nenhum, do jazz ao funk carioca. É a nossa forma de mostrar ao mundo a agonia em que vivemos. Mas, tristemente, encerro com a seguinte pergunta: até quando sobreviveremos?