Santos e Cruzeiro definem hoje quem vai à final da Copa do Brasil. Pelo jeitão dos dois times deve dar bom jogo, mas sem a menor chance de ter a mesma importância de outro Santos e Cruzeiro, acontecido há 48 anos.
Até 1966, o que se conhecia do futebol brasileiro limitava-se ao eixo Rio-São Paulo. As seleções de 58 e 62 foram abastecidas exclusivamente por clubes desses dois estados. Claro: carioca da gema, igual a Nilton Santos, Chico Buarque poderia homenagear nossos campeões adaptando e cantando que Bellini era paulista, o Vavá pernambucano, Rei Pelé era mineiro e o Zózimo baiano – mas eles e todos os outros jogavam em São Paulo ou no Rio de Janeiro.
Não havia transmissão das partidas pela tevê e a única competição nacional, a Taça Brasil, era bem diferente do atual Campeonato Brasileiro. Começavam a chegar notícias sobre Alcindo e o forte time do Grêmio, Tostão e uma rapaziada muito boa de bola no Cruzeiro, mas lá no Rio não tínhamos como conhecê-los.
A Taça Brasil reunia os campeões estaduais e castigava o vencedor com a obrigação de disputar a Libertadores, torneio para o qual a torcida brasileira não dava muita bola. Naquele ano, o bicampeão mundial Santos e o semidesconhecido Cruzeiro chegaram à decisão da Taça, e os santistas consideravam o título uma barbada. Aliás: os santistas e qualquer um que ainda não conhecesse Tostão, Dirceu Lopes, Natal e Wilson Piazza.
Na primeira partida, em casa, o rápido time mineiro teve a ousadia de enfiar cinco a zero já no primeiro tempo. O placar final foi seis a dois. O jogo de volta aconteceria na semana seguinte, no Pacaembu, e não existia o critério do saldo de gols: uma vitória simples do Santos provocaria a terceira partida – que chamávamos de “negra” – para definir o campeão, naqueles bons tempos em que o calendário não representava um problema.
Mas ninguém aceitava a vitória magra do Santos: era necessário ir à forra de forma convincente, massacrar o time daqueles meninos atrevidos e deixar claro que as 77 mil pessoas que estiveram no Mineirão sete dias antes tinham assistido a um mero acidente, desses que volta e meia ocorrem no futebol.
A expectativa quanto ao jogo era tanta que ele foi transmitido ao vivo para o Rio de Janeiro, então coisa rara. Lá em casa, reduto de loucos por futebol, livramo-nos rapidamente do jantar e começamos a nos acomodar em frente à tevê. Meu pai em sua poltrona de praxe, meu tio – o tal que engoliu o bagaço da laranja no post da semana passada – ao lado dele e nós, os irmãos e três ou quatro amigos, espalhados pela sala.
O primeiro tempo pareceu mesmo um prenúncio de vingança, com Pelé e Toninho abrindo dois a zero. No segundo tempo, todos pensavam, viria o massacre, o que pareceu se confirmar quando Tostão perdeu um pênalti. Entretanto, diante de uma enorme e boquiaberta audiência, Tostão diminuiu, Dirceu Lopes empatou – o que já garantia o título ao Cruzeiro – e, no finzinho, Natal virou para três a dois.
Este humilde blog jamais teve pretensões científicas. Insisto: o negócio aqui é falar de futebol como se estivéssemos numa mesa de boteco. Porém, certas partidas conseguem incorporar o conceito científico de quebra de paradigmas.
Na noite de 7 de dezembro de 1966, o Cruzeiro quebrou um paradigma e inaugurou um novo ciclo no futebol brasileiro, provando que, ao contrário do que o país acreditava, era possível existir um extraordinário time cujo endereço não ficava nas cidades de Santos, São Paulo ou Rio de Janeiro.
Depois vieram outros, vários, mas aquele Cruzeiro foi o primeiro.