Em 1758, aos sessenta e quatro anos de idade, já consagrado como o maior filósofo de seu tempo, Voltaire retira-se para Ferney, uma aldeia na fronteira franco-suiça, onde levaria por mais vinte anos, até a sua morte, uma vida tranquila em companhia da sua sobrinha (e provável amante) Madame Denis.
Quando escreve esta breve carta, em 1772, já se tornara, havia pelo menos duas décadas, um dos homens mais célebres da Europa. Os menores de seus feitos e gestos eram comentados nas gazetas e em folhetos avulsos. Um pintor genebrino, Huber, chegou a descrever sua vida cotidiana em inúmeras aquarelas, desenhos e quadros, dos quais se extraiam gravuras que circulavam por todo o continente. Voltaire era constantemente observado e comentado em palavras e imagens.
O cavaleiro de Boufflers, que visitou o filósofo em sua casa de Ferney, considerou que espalhava benesses entre a população vizinha: “Dado o esforço e o bem que faz […] acaba sendo o rei e o pai da região onde mora”.
É nesse contexto que se pode imaginar o filósofo, com quase oitenta anos, tomando ele próprio a pena para escrever uma carta a pedido de sua padeira, num momento em que as colheitas provavelmente haviam sido fracas. Voltaire pede, ou melhor “roga”, que um vizinho consiga trigo para a “senhora François, padeira em Ferney, que precisa muito dele para continuar sua atividade” (e garantir também diariamente o pão de Voltaire).
A observação de Boufflers a respeito do cuidado e do carinho de Voltaire com relação à população vizinha de sua propriedade parece adquirir com esta carta todo o seu sentido e medida. Esta intervenção do “senhor Ferney” confirma seu papel de benfeitor da população, mesmo modesta, do vilarejo onde resolvera retirar-se do mundo.
Há mais de duzentos anos que as cartas de Voltaire são avidamente colecionadas por seus inúmeros admiradores e a maioria delas se encontra hoje em instituições, museus ou bibliotecas. Ainda circulam algumas pelo mercado, mas raramente com uma mensagem tão curta e direta como nesta.