Liniker: “Como eu sou uma artista independente, não posso dizer que a música mudou a minha vida drasticamente. Minha mãe continua trabalhando em uma associação de moradores” CRÉDITO: LARISSA KREILI_2025
A política do amor na voz de Liniker
“Não me vejo mais como coadjuvante, mas eu continuo muito carente”, diz a cantora
Na primeira vez que encontrou Liniker para uma entrevista, em maio do ano passado, o jornalista Thallys Braga, da piauí, não pode cumprimentá-la nem com um abraço nem com um aperto de mão. A cantora estava de preceito, seguindo uma série de regras de comportamento para ser admitida no candomblé. “Tive que adiar a minha iniciação no candomblé nos últimos anos por causa do ritmo de trabalho. Eu estava o tempo todo na estrada”, ela conta na edição deste mês da revista. “Para você ter uma ideia, não lembro qual foi a última vez que fiz um exame de sangue. Eu subia no palco mesmo quando tinha febre. Agora, sinto que pela primeira vez tenho tempo para cuidar de mim.”
Liniker estava em um estúdio no bairro do Mandaqui, em São Paulo, para finalizar a gravação do seu segundo disco solo, Caju, lançado em agosto do ano passado. Em cima de uma caixa de som no estúdio, havia um pequeno gramofone dourado. Era o Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Popular Brasileira, que Liniker recebeu em 2022. Seu primeiro disco solo, Indigo borboleta anil, venceu concorrentes como Caetano Veloso, Ney Matogrosso, Marisa Monte, João Donato e Jards Macalé. Com o resultado, Liniker se tornou a segunda mulher transexual a ganhar um Grammy no mundo (a primeira foi a compositora americana Wendy Carlos, hoje com 85 anos).
Quando o técnico de som soltou o instrumental da canção Tudo, Liniker, dentro da cabine de gravação, parecia insegura, descreve Thallys Braga. “O refrão da música exigia grande esforço vocal, e a voz dela tinha sido submetida a uma maratona nos últimos três dias.” A gravação de Tudo durou quase duas horas.
“Antes de ir embora, vamos gravar outra vez a do Lulu”, pediu Liniker. Ela se referia a Deixa estar, uma disco music, que conta com participação de Lulu Santos e Pabllo Vittar. O novo álbum da cantora reúne um conjunto de subgêneros da música pop, como o disco, o house, o pagode e o arrocha. “Estou fazendo esse disco porque tenho a impressão de que fui colocada em um lugar senhoril muito cedo”, ela diz. “As pessoas olham para mim e me tratam com uma senhora, mas eu sou uma travesti de 29 anos. Eu só quero me divertir.” Em julho, ela fez 30 anos.
Liniker de Barros Ferreira Campos começou a compor na adolescência, depois de se apaixonar pelo melhor amigo. “Desde então, tudo que eu escrevo tem destinatário”, ela afirma. O impulso de transformar a primeira frustração amorosa em canção talvez tenha sido provocado pelo seu ambiente familiar, muito ligado à música. O avô era sanfoneiro. A mãe formou um grupo de pagode na adolescência e para criar Liniker e seu irmão Victor Hugo trabalhou inclusive como professora de dança de samba rock em Araraquara, cidade natal da cantora.
A música Tudo também foi inspirada por uma história de amor. Nesse caso, a que Liniker viveu em julho de 2023, em Dublin, na Irlanda, onde foi fazer dois shows e acabou apaixonada por um homem que conheceu lá. “Nós passamos três dias juntos, não durou mais que isso. Acontece que, naqueles três dias, o que nós tivemos foi tudo para mim”, relembra. “Por muito tempo, eu me vi como coadjuvante das histórias que escrevia. Os casais vinham para o meu show e se pediam em casamento na frente do palco, faziam juras de amor, e por dentro eu sentia quase uma inveja. Não me vejo mais como uma coadjuvante, mas eu continuo muito carente. Não tenho ninguém para me fazer carinho.”
Liniker já foi indagada se, além das canções de amor, pensa em fazer músicas de cunho político, sendo travesti, negra e de uma geração de artistas que surgiram debatendo gênero e raça. Mas antes mesmo de ser indagada sobre o assunto, ela diz: “Eu sou uma travesti negra cantando sobre o desejo de ser amada. Não vejo como ser mais política que isso.”
Assinantes da revista podem ler a íntegra da reportagem neste link.
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