Foi uma decisão “precaríssima”, como bem definiu o ministro Dias Toffoli. O Supremo Tribunal Federal deu um salvo-conduto de treze dias para Luiz Inácio Lula da Silva. Até 4 de abril, quando os ministros do STF retomam o julgamento do habeas corpus impetrado por seus advogados, o ex-presidente não poderá ser preso pelo juiz Sérgio Moro. Pareceu ser – como, de resto, tem sido a sucessão de poder no Brasil desde 2013 – uma decisão provisória, improvisada. Provisória foi. Improvisada, não.
A chicana esboçada pelos magistrados postergou a solução de um impasse que racha a corte há meses. Ao adiar a resolução da crise, manteve na berlinda quem tem o voto capaz de decidir o futuro de Lula e, por consequência, da eleição presidencial. Não se trata da presidente do tribunal, Cármen Lúcia, que vota por último por determinação do regimento. O voto de minerva é da única outra ministra mulher, Rosa Weber. As razões, se explicará a seguir. Antes, a narrativa cronológica dos acontecimentos.
O debate em torno da prisão de réu condenado em segunda instância começou na véspera e acabou com o mito de que ministros do Supremo julgam só com o hemisfério esquerdo do cérebro. Como evidenciado pelo bate-boca entre Gilmar “você é uma pessoa horrível” Mendes e Luiz Roberto “venda seu escritório” Barroso, nem só lógica, raciocínio e pensamento analítico comandam as atitudes dos magistrados. A emoção – com ou sem “maus sentimentos” e “pitada de psicopatia” – é, por vezes, suprema no plenário do tribunal.
Se julgamentos podem ser emocionais é sinal de que nem só de jurisprudência e citações latinas se alimentam as decisões dos juízes. Pressão dos pares, conversas na hora do lanche e reuniões fora da agenda também são partes do processo.
Rosa Weber era o voto em disputa no empate tácito entre os ministros do STF que são a favor da prisão após a condenação em segunda instância e os contra. Se dependesse só do retrospecto, da coerência com os votos anteriores da ministra, era de esperar que a decisão de Rosa levaria a um 6 a 5 espinhoso para a turma de Barroso, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Mas se a Justiça é cega, nem sempre é surda.
Como a própria ministra explicitou durante o julgamento do habeas corpus em favor de Lula, Rosa chama tanto Fachin quanto Barroso de “querido amigo”. A amizade registrada nos autos, a proximidade afetiva com os ministros que votariam contra o HC para impedir a prisão do ex-presidente excitou quem advoga o recolhimento imediato de Lula à carceragem. Havia uma chance de Rosa mudar de posição e aderir aos argumentos dos amigos.
Sem o voto de Rosa, a turma de Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello – presumivelmente favorável à concessão de habeas corpus a Lula porque contrária à prisão após a segunda instância – ficaria em minoria. Tudo se resumia, portanto, ao voto de Rosa.
Pressões explícitas e nem tanto foram exercidas. O movimento antipetista Vem Pra Rua foi à rede, como costuma fazer. Emplacou um meme no Facebook no qual escreveu em letras maiúsculas sobre a foto da ministra do Supremo: “Rosa será decisiva! Vamos pedir a ela que rejeite o habeas corpus?” Junto, publicou o número de telefone do chefe de gabinete da ministra. O MBL fez igual: “Rosa Weber, o Brasil conta com você para a rejeição do HC de Lula. Não nos decepcione!” A linha telefônica congestionou.
Durante o julgamento, a divisão do Supremo começou a se explicitar ainda na decisão preliminar, sobre se o tribunal deveria julgar ou não o HC impetrado pelos advogados de Lula. A votação terminou 7 a 4 a favor do ex-presidente. O tribunal apreciaria o habeas corpus, mas não imediatamente. Vencidas as preliminares, ministros pró-réu sugeriram a suspensão da sessão.
De pronto, José Roberto Batochio pediu para que o Supremo desse um salvo-conduto a seu cliente, diante da iminente perspectiva de Lula ter sua prisão decretada. Na segunda-feira, o Tribunal Regional Federal da 4ª região, o TRF-4, julgará o último recurso do ex-presidente e, como é de se esperar, remeterá o processo ao juízo de primeira instância que o condenara para que a ordem de prisão de Lula seja emitida pelo juiz Moro.
Não por coincidência, todos os cinco ministros a favor do HC para Lula votaram pela suspensão do julgamento e pela concessão do salvo-conduto ao ex-presidente. Talvez porque não tivessem certeza do voto de Rosa, ganharam tempo e ainda evitaram que Lula fosse preso. Os outros cinco ministros votaram contra.
Espremida entre um grupo e outro, Rosa ficou surpresa e desconcertada. Parecia não compreender o que ocorrera. Por duas vezes, mesmo depois de votar pela suspensão da sessão e pelo salvo-conduto, dirigiu-se a Cármen Lúcia para tentar entender o que estava sendo votado e reafirmar que não era contra nem a favor da concessão do HC a Lula, muito pelo contrário.
Era tarde demais. A essa altura, os movimentos antipetistas já espalhavam memes pelas mídiais sociais criticando o Supremo, os ministros e Rosa. “Vergonha”, “acovardado” e “nojo” foram os termos escolhidos por MBL, MCC e companhia. A malhação de Judas começou mais cedo pelos grupos que estiveram à frente das manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff.
E deve se estender até 4 de abril, quando o Supremo julgará o mérito do habeas corpus de Lula. Se Rosa não mudar de posição nesses treze dias, a votação deverá terminar empatada em 5 a 5. É que, segundo o Drive Poder360, do jornalista Fernando Rodrigues, Gilmar Mendes deverá estar em Portugal nessa data. Bom para Lula, porque o empate é favorável ao réu.
O ex-presidente continuaria assim fora da cadeia pelos próximos meses – e candidato à sucessão de Temer. Até a Justiça Eleitoral cassar sua candidatura por, como condenado em segunda instância, ele se enquadrar entre os proibidos de se candidatarem pela Lei da Ficha Limpa. Ou seja, até depois de agosto, Lula estará na rua fazendo campanha e fechando a porta para outros candidatos da sua ponta do espectro político. Até lá, a sucessão continuará como foi a decisão do Supremo: precária.