Na casa de minha família sempre houve muita discussão, sobretudo a respeito de política e futebol. Éramos cinco irmãos, pai, mãe, duas tias, um tio, avô e avó por parte de mãe. Naquele tempo as pessoas, pelo menos no Rio de Janeiro, iam mais nas casas umas das outras e o apartamento da rua Lauro Muller vivia cheio. Foi lá que eu, toda essa familiarada aí e mais alguns amigos de meus irmãos mais velhos assistimos à Copa de 70. Na política, meu pai era lacerdista e meu avô era do contra. Não demorei para entender que meu avô gostava mesmo era de tumulto. No futebol, o Fluminense predominava na casa, mas entre os amigos tinha um pouco de tudo. E sempre que alguém chegava com os argumentos de “ah, mas se o Fulano não perdesse aquele gol”, “ah, se aquela bola não tivesse batido na trave”, meu pai perdia a paciência: jogo de futebol não tem ; nunca jogou bola.
O quase é gêmeo univitelino do . Para nós, brasileiros, quase não adianta nada. Um amigo aqui do trabalho estava em Amsterdã no final da Copa de 2010. Ele sempre nos conta – e comprova com fotos – sobre seu estranhamento com a imensa festa feita pelos torcedores holandeses no regresso dos vice-campeões.
Pode ser que eu esteja enganado e que alguns abnegados tenham ido ao aeroporto prestar homenagens, mas alguém se lembra de festa quando os nossos vice-campeões do mundo desembarcaram aqui em 1998? Pra nós, o segundo é o primeiro dos últimos.
A Holanda teve outras grandes seleções. A de Rijkaard, Gullit e Van Basten. A de Bergkamp e os irmãos De Boer. A de Davids, Kluivert e o menino do Rio Seedorf. Todas bem melhores que a de 2010 – talvez recebida com festa porque as pessoas sabiam que chegara além do que se podia esperar.
Agora, vem aí a Holanda de novo. O Sneijder, o Robben, o Van Persie – que é sem dúvida bom jogador, mas não tão extraordinário quanto o andaram pintando. O problema é que a gente pega a campanha nas eliminatórias, com nove vitórias e um empate, e acha que o time é avassalador. Já está mais do que na hora de pararmos de nos impressionar com as eliminatórias europeias.
A Holanda vai disputar com a Espanha o primeiro lugar de seu grupo, colocação que valerá a vantagem de se livrar do Brasil nas oitavas. Depois de alguns insucessos, o treinador Louis Van Gaal voltou à seleção com a missão de devolver ofensividade ao time. Parece ter conseguido, e isso é louvável: merecem admiração times e seleções que sabem que, no futebol, pode-se ganhar ou perder jogando pra frente ou retrancado, jogando bonito ou feio. E já que não há fórmula infalível, por que não tentar jogar sempre pra frente e bonito?
Na sequência de abertura de Indiana Jones e a Última Cruzada, o falecido River Phoenix faz o papel de Indiana jovem, recupera a Cruz de Coronado e é perseguido por ladrões. Ele dá trabalho ao bando. Quando enfim é vencido, o líder dos bandidos diz a ele a frase que explica a coragem e a obstinação do personagem adulto: “Você perdeu essa, garoto. Mas não tem que se conformar com isso.”
A Holanda tem sempre bons times, mas precisa deixar de se conformar com essa história de perder.
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