Uma nova geração de músicos de origem indígena emerge no Brasil. Como vários deles foram criados em ambientes urbanos, suas referências são as mesmas compartilhadas por um grande número de pessoas – do rock ao rap, do samba ao reggae. A essas influências, eles acrescentam elementos tradicionais dos povos originários, como seus instrumentos e línguas, criando uma conexão forte entre o ancestral e o atual. A combinação é o cerne de um novo momento da cultura do país: a Música Indígena Contemporânea, ou MIC, como vem sendo chamada. “Individualmente, as pessoas podem estar fazendo isso há muito tempo. Mas como cena coletiva a MIC é um movimento novo. É como se a gente se encontrasse pela primeira vez”, diz a cantora e compositora Siba Puri, de 30 anos.
Um dos principais impulsos para a difusão dessa nova cena musical indígena veio da Rádio Yandê, criada em 2013. Foi a primeira rádio digital voltada exclusivamente para conteúdos produzidos por indígenas, de notícias a canções. “Quando a gente criou a rádio, queríamos mostrar que existe esse local para essa galera fazer música e divulgar seu trabalho”, diz o comunicador Anápuàka Tupinambá, um dos fundadores da Yandê, ao lado dos artistas visuais Denilson Baniwa e Renata Machado Tupinambá.
O grupo desenvolveu o conceito de “etnomídia indígena”, uma plataforma autônoma, sem patrocínios, mas que desde o início já visava a desenvolver um mercado da música indígena. “Ser mídia indígena é diferente de ter indígenas na mídia”, comenta Anápuàka Tupinambá. Para ele, a MIC é fundamental por mesclar gêneros contemporâneos com a música tradicional. “Tudo o que cantamos na nossa língua pode não parecer do nosso tempo, mas é”, diz ele a Pedro Tavares na edição deste mês da piauí.
Anápuàka Tupinambá brinca que, se um indígena é traído ou sofre uma desilusão amorosa, ele pode ouvir uma sofrência indígena, como a do grupo Forró Garotos Apyãwa, O Batidão Diferente. Caso queira algo para extravasar sua energia, pode ouvir um heavy metal indígena, como a banda Arandu Arakuaa. Já o rap de protesto tem como principal referência os Brô MC’s, considerado o primeiro grupo nesse gênero musical do país. O rap, aliás, foi muito abraçado pelos músicos indígenas, como MC Anarandà, Katú Mirim e Brisa de la Cordillera, conhecida como Brisa Flow. Mas há espaço também para a MPB de voz e violão, com artistas como Tainara Takua, Edivan Fulni-ô e Gean Ramos Pankararu. No hip-hop e no funk, um dos destaques é Kaê Guajajara, que cresceu numa favela do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro.
Ela e o cantor Kandú Puri lançaram em 2021 o Azuruhu, primeiro selo voltado exclusivamente para artistas indígenas. Um dos projetos da iniciativa é o Voa parente, uma curadoria de músicos sem meios de divulgar seu trabalho (“parente” é como um indígena chama outro, independente de ser do mesmo povo). A equipe do selo monta uma espécie de estúdio itinerante e se desloca até a aldeia ou a região onde o artista vive para gravar clipes e produzir músicas. O Azuruhu gravou singles, EPs e clipes de três artistas. O músico Kandú, da etnia puri, recorre ao rap e ao trap, que é também a principal referência do grupo Nativos MC’s, do Alto Xingu, em Mato Grosso, e do cantor Urysse, do povo Kuikuro, da mesma região. “Nosso objetivo é ajudar os artistas a lançarem um trabalho de qualidade”, diz Kaê Guajajara.
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