O break dancing surgiu no final dos anos 1970 nos centros comunitários, corredores e praças do Harlem e do Bronx, em Nova York, como uma forma de expressão de pretos e latinos ao Norte de Manhattan. Seus pioneiros foram os Legendary Twins, The Bronx Boys, entre tantos outros inseridos na formação da cultura hip-hop que se adensava ao lado de outros três elementos: o rap, o grafite e o DJ. Em meados da década seguinte, o hip-hop chegou ao Brasil já com outras referências americanas, como a famosa “crew” (um coletivo) New York City Breakers, e teve como epicentro a estação do metrô no Largo São Bento, em São Paulo. Dali emergiram expoentes como o Racionais MC´s, a dupla Thaíde e DJ Hum e os irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo, os grafiteiros conhecidos como OsGemeos. Quem chegava ao local encontrava o alvoroço de jovens vindos de toda a cidade atrás de informações sobre músicas, roupas, passos de dança e discos de vinil.
Quatro décadas após o movimento surgir em bairros marginalizados de Nova York e ganhar terreno no Brasil a partir do Centro paulistano, o hip-hop vê um dos seus elementos alcançar o principal palco do esporte internacional, os Jogos Olímpicos de Paris. Rebatizado como breaking, a entrada do esporte na competição acontece na esteira de mudanças que o Comitê Olímpico Internacional (COI) tem feito ao retirar e introduzir novas modalidades no programa da competição. Nos Jogos de Tóquio, em 2021, foram adicionados o surfe e o skate. Em Paris, além do breaking, entra a canoagem slalom extremo. Em contrapartida, saíram o beisebol, o softbol e o karatê. Aqui na França, o breaking está por toda a parte, inclusive nos intervalos das partidas de outros esportes, como o voleibol, uma estratégia para apresentá-lo ao público.
As batalhas de breaking, nesta sexta (9) e sábado (10), acontecerão na Place de la Concorde, onde também ocorreram provas de skate, basquete 3×3, ciclismo BMX, todos com a Torre Eiffel de fundo. Serão 16 b-boys e 16 b-girls. O formato de disputa consiste em uma fase classificatória, na qual os atletas serão divididos em 4 grupos de 4 esportistas cada. Os integrantes de cada chave se enfrentam em batalhas de 3 rounds, e cada um faz uma apresentação de 1 minuto, os chamados “throwdowns”. Avançam os dois melhores de cada grupo. Diferentemente da ginástica, por exemplo, em que os atletas escolhem sua trilha sonora, os competidores do breaking não saberão de antemão qual música será executada pelo DJ.
Como em qualquer esporte no qual o desempenho é avaliado de forma subjetiva (não por pontos, tempo ou distância), há sempre quem diga que os critérios são pouco claros. Mas o COI explica a lógica no julgamento. Cada árbitro vai avaliar cinco categorias: musicalidade, vocabulário (repertório de movimentos), originalidade, técnica e execução. Cada um desses critérios formam um quinto da nota final. Fora das réguas de pontuação, há as qualidades inerentes ao breaking desde a sua origem: o carisma, a confiança e a energia que a apresentação transmite ao público.
Mas, afinal, o breaking é esporte ou arte? Depende de quem responde – pode ser nem uma coisa nem outra e as duas ao mesmo tempo. “O breaking sempre fará parte da cultura de rua. O que aconteceu recentemente foi o surgimento de um recorte esportivo”, diz José Bispo de Assis, diretor do Conselho Nacional de Dança Desportiva (CNDD), órgão com status de confederação e que foi escolhido pelo Comitê Olímpico do Brasil para intermediar a introdução da dança ao universo esportivo. Aos 50 anos, quase 40 deles dedicados ao breaking como organizador de eventos, árbitro e b-boy, Bispo tem a responsabilidade de dar ao CNDD, entidade originalmente responsável por organizar competições de danças como salsa, valsa ou foxtrot, a legitimidade entre os praticantes da modalidade que ainda torcem o nariz para a aproximação com o âmbito olímpico.
“Me considero mais um artista, porque o que mais me atrai no breaking é a criatividade e a liberdade de criar os movimentos”, garante o paulistano Giovane Marques, b-boy que atende por Branco, e que aceitou o convite da piauí para ilustrar esta reportagem com os principais elementos da dança-esporte. Já Leony, b-boy brasileiro melhor ranqueado internacionalmente, comemorou a incorporação da prática no programa olímpico. “Já existia todo um ecossistema competitivo. A Olimpíada é mais um evento desse tipo”, comenta ele, que celebrou o fato de agora ter uma equipe com fisioterapeuta e psicólogo bancados pelo COB e pelo CNDD. Como parte do novo momento, ele esteve na sede da entidade olímpica brasileira recentemente para uma bateria de testes físicos. “Conheci a equipe brasileira de ginástica, a Flavinha (Saraiva) e a Rebeca (Andrade). Foi maneiro e trocamos uma ideia sobre movimentos.”
Na seletiva olímpica, em Budapeste, em junho deste ano, Leony perdeu para o sul-coreano Kim Hong-Yul, conhecido por seu nome artístico Hong 10, que venceu as duas batalhas por decisão unânime dos nove juízes. Entre as mulheres, a b-girl Mini Japa foi superada pela japonesa Ami Yuasa, também por 2 a 0.
Gostem os puristas ou não, a realidade é que o espírito competitivo sempre esteve presente na prática. As batalhas, que na cultura de rua também são chamadas de “rachas”, já aconteciam nos Estados Unidos mesmo quando o objetivo era conquistar a hegemonia em um bairro ou prestígio entre os pares. No Brasil, a prática se manteve, menos como disputa entre regiões e mais como combate em torno da criatividade na elaboração de passos e acrobacias.
A partir da década de 1990, surgiram as primeiras competições internacionais, sem ligação nenhuma com uma entidade centralizadora. É o caso do Battle of The Year, na Alemanha, comparado pelos praticantes do breaking a um campeonato mundial. Nessa época, porém, os embates aconteciam entre equipes (os “crews”), não entre países, como acontece nos Jogos Olímpicos. Ainda assim, o torneio ajudou a gestar o espírito competitivo que aflorou anos depois.
Em paralelo, viu-se que as disputas do breaking tinham grande potencial para entretenimento, especialmente entre os jovens. Foi aí que a fabricante de bebidas energéticas austríaca Red Bull, conhecida por patrocinar atletas de modalidades como surf e skate, passou a investir na ideia, articulando campeonatos e eventos. Hoje, a marca é responsável pela competição mais importante do breaking, o BC One, criado em 2001 e que opõe 16 homens e 16 mulheres em uma disputa por países similar à que vai acontecer em Paris. A capital francesa, aliás, sediou a final do BC One em 2023, no imponente complexo de Roland Garros. Para este ano, a grande decisão será no Rio de Janeiro, na Farmasi Arena, em dezembro.
Apesar de não estar nos Jogos Olímpicos, o Brasil já teve certo protagonismo mundial na cena competitiva. Um dos precursores foi Pelezinho. Natural de São José do Rio Preto, Alex José Gomes Eduardo nasceu em uma família de sambistas e capoeiristas. Seguia o caminho mais óbvio ao escolher o futsal como atividade esportiva favorita, até que um dia conheceu o breaking em uma roda organizada no Centro da cidade do interior paulista. O ano era 1994. “Foi amor à primeira vista. Mas eu não sabia o que era o breaking. Na minha cabeça eu estava dançando rap”, disse ele à piauí, ressaltando que na mesma época teve contato com fitas VHS de competições internacionais, como o Battle of The Year. Em 2003, ele foi descoberto pelo cantor Marcelo D2, que buscava dançarinos de break para participar do clipe da música Loadeando, um de seus maiores sucessos.
Pelezinho, então, passou a excursionar pelo mundo com D2 e também com a banda de rock Charlie Brown Jr. Sua visibilidade foi tamanha que acabou convidado para representar o Brasil na final global do BC One de 2005, disputado em Berlim. “A gravação pirata dessa competição, remasterizada com funk pancadão, virou o disco mais vendido nas banquinhas de camelô. Logo as pessoas começaram a me parar na rua e perguntar se eu não era o cara do DVD da Red Bull”, recorda. Em três participações nas edições mundiais do BC One, seu melhor resultado foi um quarto lugar, em 2005.
Mas o Brasil já teve um “campeão mundial” de breaking: em 2010, o paranaense Fabiano Lopes, conhecido na cena como Neguin, venceu a edição do BC One realizada em Tóquio. Após o título ele fez parte do time de dançarinos da estrela pop Madonna durante a turnê MDNA em 2012 e se apresentou com o Cirque du Soleil no Canadá em 2016. Atualmente, ele mora em Nova York e divide suas atenções entre o breaking, a carreira de artista plástico e DJ e como praticante de jiu-jítsu e instrutor de capoeira.
No universo do breaking, as grandes potências olímpicas também dominam o cenário mundial. Entre os homens, os favoritos à inédita medalha são o norte-americano Victor Montalvo, o canadense Philip Kim, conhecido na cena como Phil Wizard, e o holandês Lee-Lou Demierre. Entre as b-girls, a disputa promete ser mais acirrada, mas sem dúvidas devem brilhar a chinesa Liu Qingyi, que atende pelo apelido de 671, a holandesa India Sardjoe, a lituana Nicka e a japonesa Ami.
O movimento que levou o breaking às Olimpíadas não começou dentro da modalidade. A vontade de incluir uma dança no programa olímpico partiu da entidade que rege o tal “recorte esportivo” da prática: a World DanceSport Federation, de sigla WDSF, fundada na Suíça nos anos 1950 e que incorporou o breaking ao rol de suas modalidades apenas em 2013. A organização, de tempos em tempos, pleiteava uma vaga nos eventos organizados pelo COI. Nunca foi atendida. Até os Jogos da Juventude de 2018 – evento voltado a jovens atletas de 15 a 18 anos –, realizados em Buenos Aires, quando a prática foi escolhida pela primeira vez para figurar num evento com os aros olímpicos.
Atenta ao olhar do Comitê Olímpico Internacional em renovar sua audiência, a WDSF percebeu um vácuo de poder no universo do breaking (que não possuía uma entidade mundial organizada) e se apropriou do direito de representar a modalidade nas altas esferas da política esportiva global. Por aqui, tal incorporação foi parecida. O Conselho Nacional de Dança Desportiva, entidade filiada à WDSF, inseriu o breaking ao rol de modalidades que organiza e começou a receber e administrar os recursos oriundos da Lei Agnelo/Piva, que repassa parte dos lucros das loterias esportivas federais ao esporte olímpico nacional. Para este ano, a previsão de repasses é de 3,4 milhões de reais, segundo proposta orçamentária da CNDD.
Apesar dos recursos, o Brasil não tem representante nos Jogos de Paris, o que provocou um sério questionamento entre os praticantes sobre a preparação do breaking desportivo no país. “Para uma primeira vez pode ser considerado um ciclo de aprendizado. Mas é fato que o Brasil tinha nível para estar em Paris, ao menos entre os dezesseis classificados”, afirmou Pelezinho. “A direção que assumiu a gestão do esporte teve praticamente dois anos e meio para trabalhar. Agora o foco deve ser incluir os talentos mais jovens que têm maior potencial a longo prazo.”
Embora esteja em trajetória ascendente, o breaking sofreu uma derrota no início do mês quando os organizadores dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, que serão realizados em 2028, cortaram a modalidade da competição. Estarão no evento esportes populares nos Estados Unidos, como beisebol e softbol, lacrosse, críquete e flag football (uma variação do futebol americano, sem o bruto contato físico entre os jogadores). Não fosse irônico o bastante tal exclusão acontecer justamente no país em que a prática for criada, há quem sorri amarelo pelo fato de na cerimônia de encerramento dos Jogos de 1984, também realizada na Califórnia, o cantor Lionel Richie ter subido ao palco do Coliseu de Los Angeles acompanhado por dançarinos de breaking.
Isso não tira o sono dos dirigentes brasileiros. Para eles, o furor que a novidade causará em Paris será suficiente para que o esporte retorne nos Jogos de 2032, em Brisbane – com representantes brasileiros na disputa.
Fotografia: Pedrita Junckes
B-boy: Branco Madkilla
Narrativa visual: Fernanda Catunda