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Alckmin e a cristianização

Vinte e sete pesquisas quantitativas e uma qualitativa assombram futuro de tucano na eleição

José Roberto de Toledo | 30 ago 2018_09h21
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A maior pesquisa da corrida presidencial fechou ontem, mas pouca gente percebeu. Com Minas Gerais, o Ibope completou o mapa de sondagens estaduais em todo o país. Ponderando-se as mais de 25 mil entrevistas pelo peso de cada unidade da Federação no universo de votantes, chega-se à planilha mais detalhada da eleição. Lula lidera com 37%, seguido de Bolsonaro, com 19%. O trio de terceiros colocados tem Marina (7%), Alckmin (6%) e Ciro (5%) tecnicamente empatados. Há 19% de eleitores sem candidato.

O petista é líder isolado em 20 colégios eleitorais. Lula ganharia no primeiro turno em todos os estados do Nordeste, além de no Tocantins. Sua maior vantagem está no Piauí, onde tem 57 pontos a mais do que Bolsonaro. Fora essas unidades da Federação, ele está tecnicamente empatado com o rival no Paraná, Goiás e Rondônia. Lula só perde para o candidato do PSL em quatro lugares: Roraima, Acre, Distrito Federal e Santa Catarina. No primeiro, a crise de refugiados provocou uma onda de xenofobia. Os dois últimos têm duas das maiores rendas per capita do país.

Nada se correlaciona mais com o voto em Lula do que o voto em Bolsonaro. Correlação negativa: onde um cresce o outro míngua. São os dois polos de um mesmo fio desencapado, à espera do curto-circuito. Nenhum dos outros onze candidatos a presidente têm uma ligação tão forte entre si – seja estatística, seja política. Sem ordem de prisão, o segundo turno seria entre Lula e Bolsonaro. Não há margem aritmética para outro resultado.

Ainda assim, a polarização soa fantasiosa. Lula está preso em Curitiba e não deve sair de lá nem para votar, quanto mais para ver sua foto exibida na urna eletrônica. É o grande elefante branco do pleito: a um só tempo, líder absoluto e inelegível, principal alto-falante e mudo, um articulador do próprio ócio.

Se os analistas damos essa situação de barato, para grande parte do eleitorado ela não é nada óbvia. No cenário em que o Ibope testou Haddad no lugar de Lula, o eleitorado sem candidato saltou 14 pontos na média ponderada das 27 pesquisas. A cada três eleitores, um não sabe em quem votar, diz que anulará ou votará em branco se o líder das pesquisas ficar fora do páreo. Mas essa média tem os pés na geladeira e a cabeça no forno.

Entre os extremos, a diferença supera 100%. No Rio Grande do Norte, a maioria absoluta, 51% dos eleitores, fica sem candidato quando Lula sai. No Acre são só 22% de branco/nulo e indecisos.

Esse exército de órfãos do lulismo se dispersa também entre os outros concorrentes. Ciro dobra de 5% para 10%; Marina pega 6 pontos em ex-lulistas e vai a 13%. Bolsonaro ganha dois pontos e chega a 21%; Alckmin ganha igual e bate em 8%. A ausência forçada de Lula produz saldo negativo para o tucano, entretanto. Enquanto Haddad patina nos 4%, Alckmin vê Marina abrir vantagem além da margem de erro em relação a ele. Mais: fica atrás de Ciro numericamente e não diminui sua distância de Bolsonaro.

Só resta ao tucano rezar a Santa Clara, padroeira da tevê, para que os 434 spots de 30 segundos a que ele terá direito a partir de amanhã mudem drasticamente o cenário eleitoral. É propaganda para santificar qualquer pecador: a cada quarenta inserções desse tipo, Alckmin aparecerá 39 vezes contra uma única aparição de Bolsonaro – seu alvo e concorrente pelo voto antipetista. A santa terá apenas duas semanas para operar seu milagre, porém.

Se Alckmin não reagir até o final da rodada de pesquisas Ibope e Datafolha a ser divulgada entre 6 e 18 de setembro, aumenta exponencialmente seu risco de cristianização. A expressão já tem 67 anos e pode levar os mais novos a confundirem Cristo com Cristiano (Machado), mas o resultado é o mesmo: os Judas entre apoiadores do tucano abundarão se ele não crescer logo – ou se, no mínimo, não conseguir desgastar Bolsonaro. Não é fácil, porque o rival não depende apenas da propaganda para aparecer.

A quase meia hora que o candidato do PSL teve na bancada do Jornal Nacional da Rede Globo na terça-feira foi o recorde de exposição em toda a carreira eleitoral de Bolsonaro. Não só pela audiência e alcance do telejornal, mas pela curiosidade que a entrevista despertou. As buscas por seu nome no Google foram 37 vezes mais intensas após ele falar na Globo do que quando o militar reformado apareceu no Roda Viva da TV Cultura, e sete vezes mais do que após sua participação no debate na Band.

E não foi só a quantidade. Pesquisa qualitativa feita pelo Ideia Big Data logo após o Jornal Nacional – com eleitores indecisos e com eleitores não consolidados de Bolsonaro – mostrou que o candidato do PSL teve um desempenho mais positivo do que negativo aos olhos desse eleitorado estratégico. Foi bem quando falou de segurança, foi mal quando falou de mulheres e emprego.

É mais do que se pode falar sobre o desempenho de Alckmin. Dos três candidatos (além de Ciro e Bolsonaro) que passaram pela fuzilaria de Bonner até agora, o tucano foi o que teve avaliação menos positiva dos indecisos pesquisados pelo Ideia Big Data. Não converteu quase nenhum desses eleitores sem candidato. Principalmente por sua falta de pulso com Aécio Neves.

Alckmin está tentando literalmente pavimentar seu caminho pelo centro do espectro ideológico. Seu discurso de campanha lembra políticos tão jovens quanto Paulo Maluf ou Washington Luis. Disse a seus entrevistadores no Jornal Nacional, ontem à noite, que pretende “fazer do Brasil um canteiro de obras”.

Se é para falar que governar é abrir estradas, pelo menos poderia dizer que essas vias serão construídas no Nordeste (região onde há mais orfandade eleitoral) e que as mulheres (maioria entre os indecisos) estarão isentas de pagar pedágio.

Raramente tantos candidatos homens foram tão incompetentes para falar às eleitoras mulheres. A incompetência é tamanha que periga ressuscitarem Marina. Por enquanto, a candidata da Rede provoca mais efeito memória no eleitor do que consolida votos. Mas, dos Top 5, é quem mostrou o melhor discurso para alcançar a “eleitora nem nem” (que não vota nem em Lula nem em Bolsonaro). Precisará de todas as entrevistas e debates que houver para compensar seu spot diário e solitário de propaganda na tevê.

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Errata: Versão anterior deste texto informava, incorretamente, que Lula venceria Bolsonaro no Acre.

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