Em uma semana tensa pela proximidade da votação do impeachment, a prisão do ex-senador Gim Argello fez pesar ainda mais o ar em Brasília. Acusado de cobrar propina de 5,3 milhões de reais para impedir que os empreiteiros da Lava Jato fossem convocados para depor na CPI Mista da Petrobras, de que foi vice-presidente, Argello atuaria em conjunto com pelo menos três parlamentares da comissão: Vital do Rêgo Filho, do PMDB, que era o presidente, Marco Maia, do PT (relator), e Fernando Francischini, do Solidariedade. Por ser mista, a comissão – que durou de maio a dezembro de 2014 – reunia deputados e senadores. Além das evidências colhidas pela Polícia Federal nos últimos meses, dois delatores de peso relataram à Lava Jato como funcionava o esquema de achaque. A cobrança de “pedágio” para não convocar os empreiteiros ocorria em reuniões na casa de Argello, às quais compareciam os políticos e uma espécie de “força-tarefa empresarial” coordenada por Léo Pinheiro, diretor da OAS – que está finalizando as negociações para a delação premiada. Segundo o senador Delcídio do Amaral disse aos procuradores, Pinheiro liderava o grupo que negociava com Argello e seus parceiros. Mensagens de celular trocadas entre Léo Pinheiro e outros empreiteiros confirmaram a existência das negociações. Numa delas, Pinheiro diz estar preocupado com o comportamento intempestivo de Argello, que os empresários chamavam de “alcoólico”, em referência a seu prenome (Gim). “O nosso alcoólico está indócil”, diz Pinheiro na mensagem.
A partir de amanhã, quinta-feira, essas histórias serão contadas em detalhes aos procuradores da República em Brasília pelos próprios empresários. E vão ajudar a instruir um pedido de abertura de inquérito contra os parlamentares, parceiros de “alcoólico”, no Supremo Tribunal Federal. O primeiro a falar será Julio Camargo, ex-representante de fornecedoras da Petrobras, que ficou “revoltado” com a cobrança de pedágio por parte dos parlamentares, segundo Amaral afirmou em seu depoimento. Outro que vai detalhar ao Ministério Público o teor das conversas realizadas na casa do vice-presidente da CPMI da Petrobras é Ricardo Pessoa, que já confirmou parte da história em sua delação premiada. Antes de ser finalizado, o inquérito ainda deverá contar com a colaboração de Léo Pinheiro, que nessa época ia a Brasília toda segunda-feira para conversar com os membros da CPMI. José Antunes Sobrinho, da Engevix, que esteve em algumas das reuniões na casa de Argello, também negocia sua delação com o MP e pode vir a ajudar nesse inquérito. É depoimento suficiente para deixar qualquer parlamentar indócil.
Uma consulta aos arquivos da CPMI no site do Senado Federal mostra que, se não fosse a operação “Vitória de Pirro”, que prendeu Gim Argello na terça-feira, a armação entre políticos e empreiteiros teria sido um sucesso absoluto. Na reta final da comissão, o deputado Marco Maia apresentou 27 requerimentos solicitando a convocação de empresários para depor – aí incluídos os representantes da OAS de Pinheiro, da Engevix de Sobrinho e da UTC de Pessoa. Era, claro, para inglês ver. Um mês depois da aprovação das convocações, a CPMI foi encerrada, e o relatório final do próprio Marco Maia foi apresentado. No texto, recomendava-se o indiciamento de 47 agentes privados, incluindo empreiteiros. Nenhum deles, porém, foi sequer ouvido na comissão. Tampouco foi pego na Lava Jato em decorrência do trabalho da CPMI. Ao final de 2014, Vital do Rêgo foi nomeado por Dilma Rousseff ministro do Tribunal de Contas da União (a vaga estava reservada para Gim Argello, que não pôde ocupá-la por ser alvo de um outro inquérito no STF). Em 2015, nova CPI, desta vez exclusiva da Câmara, investigou o petrolão. Durou quase oito meses e encerrou-se de forma igualmente melancólica, sem produzir qualquer novidade de impacto ou indiciamento de peso. Mas isso já é assunto para outro texto – ou, quem sabe, para mais uma fase da Lava Jato.